PERFIL: Quem é o professor de dança que ajuda modelos baianos a se lançar no mercado a custo zero?
PERFIL: Quem é o professor de dança que ajuda modelos baianos a se lançar no mercado a custo zero?
Havia vários jovens bonitos na Escola Professora Candolina, no bairro do Pau Miúdo, em 2004, onde o professor Sivaldo Tavares, hoje com 46 anos, à época dava aulas de hip hop. Eram garotas altas, meninos longilíneos, com boa postura e traços fortes. A novela do momento era Celebridade, que se centrava na disputa de duas figuras nos bastidores do mundo da moda. Quando uma pequena confraternização no bairro, convenientemente chamada de Festa da Fama, foi anunciada, o professor Sivaldo não teve dúvidas do que fazer. “Vamos fazer um desfile”, sugeriu.
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A iniciativa deu origem ao que seria uma agência solidária de aspirantes a modelos chamada Top Model Fama, cujo nome seria trocado pelo atual PJT Models (a sigla significa simplesmente “projeto”). Os desfiles começaram timidamente, em eventos esporádicos e improvisados, mas a presença de caçadores de talentos fez o professor de hip hop se atentar para o potencial de sua ideia.
“Os meninos começaram a me procurar, querendo que eu os ajudasse a entrar no mercado de moda. Percebi que eu tinha condições de fazer isso e levei o projeto para frente”, explica o professor Sivaldo, que trocou Maceió pela Bahia aos 16 anos para dançar no Balé Folclórico e hoje se dedica a dar aulas de dança moderna em espaços como a Escola da Dança da Funceb (Fundação Cultural do Estado da Bahia).
Formado em Dança Moderna e em Dança Afrobrasileira, Sivaldo sempre teve uma relação próxima com o mundo da moda. Além de ter participado de performances em desfiles de amigos estilistas (o que o possibilitou conhecer vários dos nomes do cenário baiano), sempre sempre teve um olho para estilos e vestimentas — e não perdia um capítulo dos dramas fashionistas de Mallu Mader e Cláudia Abreu. “A moda é também parte da cultura de um povo. Me incomodava quando eu ia aos desfiles e me sentia ‘fora da Bahia’, entende? Sentia que tinha pouco de nós ali”, opina.
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Com 13 anos de existência, a PJT Models se dedica a dar aulas de passarela e expressão corporal aos aspirantes de modelo, além de produzir books para que eles possam se lançar ao mercado, tudo gratuitamente. As aulas são ministradas pelo próprio Sivaldo, que conta com a ajuda de alguns amigos, dentre os quais figuras ilustres como o artista plástico Alberto Pitta, responsável pela concepção artística do Cortejo Afro, e pelo dançarino e coreógrafo Zebrinha, que tem em seu currículo coreografias em séries de TV como Mister Brau.
O projeto já lançou inúmeros jovens aos circuitos profissionais da moda, dentro do Brasil e fora dele. Seus membros participam de eventos grandes no estado, como o Bahia Moda Design e o Afro Fashion Day. Sivaldo se orgulha de ter muitos dos seus meninos em exposições de vestidos de noiva e de marcas voltadas para o público negro. No início de agosto, por exemplo, alguns deles estarão vestidos com as criações da estilista Mônica Anjos, da marca Kalunga, na abertura do show de Milton Nascimento, na Concha Acústica. Atualmente, cerca de 100 jovens estão sob os cuidados da PJT Models.
O fotógrafo Ítalo Soares, que embarcou na ideia de Sivaldo em 2013 para aumentar seu portfólio, é uma das principais colaborações da agência, que não cobra nada dos modelos que fazem parte dela para intermediar seu contato com lojas, marcas e eventos, pondo diante de suas lentes todos os jovens que sonham em se lançar no mercado através da iniciativa nos últimos quatro anos. “É antes de tudo um projeto social, que se dedica a ajudar quem não tem dinheiro para tentar uma oportunidade no ramo”, afirma.
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A moradora do bairro do Rio Sena Edilene Pereira, de 21 anos, é uma das filhas do projeto, que começou recentemente a percorrer seu caminho no mercado da moda baiana. Desde que trabalhava no restaurante da família, no Centro Histórico, sonhava em trabalhar na área, e a PJT Models lhe abriu as portas para que ganhasse concursos de beleza como o Bahia Beauty e o Black Atitude — este último, inclusive, criado por outro ‘filho’ da agência. “É a realização de uma vontade muito grande”, confessa. “Além de já trabalhar exclusivamente como modelo, também dou aulas de expressão corporal, postura, passarela, que foi o que eu aprendi no projeto.”
Não foi proposital, porém, que os aspirantes a modelo que passavam por ele forem quase todos jovens negros e vindos de bairros periféricos de Salvador. Quando o professor Sivaldo percebeu que a gratuidade do projeto acabava por convocar este perfil, se deu conta de que tinha algo bem maior em suas mãos e que vinha se tornando responsável por ajudá-los a encontrar autoestima, confiança e atitude. Ele se lembra de que era sempre difícil começar as aulas no horário por conta da dificuldade no deslocamento dos rapazes e moças que vinham procurá-lo. “Não é um mundo fácil para estes meninos. A gente tem que lutar para colocar estes negros bonitos para frente”, defende.
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*Publicada originalmente às 6h