Jornalismo histérico nem entende e nem quer explicar "adultos na sala"

Nesta quinta (8), o Ibovespa atingiu outra máxima histórica. Atribuiu-se ao anúncio de Donald Trump de acordos comerciais históricos com o Reino Unido. Apenas um mês atrás, o presidente americano era apontado como "lunático" que fazia "conta de padeiro"

Por Pablo Reis.

No mesmo Brasil que, um mês atrás, tinha manchetes alarmistas e previsões apocalípticas, a quinta-feira terminou com um fato eloquente: o Ibovespa, principal índice da bolsa de valores de São Paulo, subiu mais de 2% e bateu os 137.600 pontos ao longo do dia - a maior pontuação da história - e fechou em 136.200. Para quem olha só as manchetes, isso pode parecer um soluço do mercado. Mas há muito mais aí. Há uma aula não dada. Ou pior: ignorada.

Esse acontecimento é uma chance de a gente avaliar o que eu vou chamar de jornalismo de histeria. Ele é apenas um dos possíveis desdobramentos do jornalismo da carochinha. 

Exatamente um mês atrás, em 8 de abril, uma terça feira, o índice tinha recuado para 123 mil pontos, contaminado pelo pânico global provocado por Donald Trump e sua escalada tarifária, até chegar nos surreais 145% contra a China. Naquele momento, vozes encorpadas da mídia decretavam o início de um novo crack de 1929, vaticinavam o colapso do sistema financeiro internacional, falavam em desequilíbrio global como se lessem o fim do mundo na próxima curva.

Como Trump Se Vê Como Trump É Mostrado (prompt Matheus Carvalho)

Hoje, a explicação para a disparada é simples e quase irônica: os Estados Unidos anunciaram um novo acordo comercial com o Reino Unido, sinalizando estabilidade, maturidade e retomada de confiança. Em outras palavras, o mesmo personagem que fora pintado como um incendiário da ordem mundial virou, em 30 dias, um maestro da diplomacia econômica.

Mas o ponto não é Trump. Nem os acordos. Nem a volatilidade do mercado. Esse episódio diz bastante sobre geopolítica, sobre o estilo de negociação de cada chefe de estado, mas, acima de tudo, sobre a maneira como o jornalismo costuma tratar temas extremamente complexos de formas simplórias e rasas. Trata-se de uma lógica que prefere a caricatura à complexidade, o alarme ao dado, o juízo fácil à investigação difícil. E, com isso, entrega ao público uma versão distorcida do mundo, cheia de certezas apressadas.

Um mês atrás, os analistas apostavam em uma crise sem precedentes, desequilíbrio global, uma nova quebra do sistema financeiro. Esse tipo de cobertura e análise são montados daqui, das redações em São Paulo, de Brasília, de Salvador. Os profissionais se baseiam em algumas reproduções de comentaristas de finanças com uma ou outra pós graduação, ou, na melhor das hipóteses, traduzem um artigo do The Economist ou uma reportagem, com fontes de Washington, publicada no The New York Times. De lá para cá, atravessam o oceano sem contexto, sem crítica, e com uma boa dose de julgamento moral.

Nessas análises, presidentes eleitos viram lunáticos. Bilionários com acesso a uma elite de pensadores viram ignorantes maquiavélicos. Estratégias complexas são tratadas como trapalhadas. A partir daí, os comunicadores decretam: é um lunático, é esquizofrênico, não tem noção, “faz conta de padeiro”.

A imprensa cumpre o papel de juiz e parte, quase nunca de mediador. E, o mais grave: quando os fatos desmentem as previsões, ninguém revisita as manchetes, ninguém se pergunta o que errou, ninguém faz mea culpa. A engrenagem segue, como se os acontecimentos não tivessem memória.

Essa lógica, além de desinformar, ajuda a instaurar um estado de ansiedade permanente na sociedade. A histeria se torna um vício. E o jornalismo, que deveria ser uma ferramenta para decifrar o mundo, passa a ser mais um dos fatores que o embaralham.

É como se os fatos não tivessem relação. Depois de reduzir a uma meia dúzia de adjetivos pejorativos um bilionário e duas vezes eleito presidente, - assessorado por pensadores e especialistas entre os mais renomados do planeta, muitos deles PHDs nas principais universidades - o jornalismo simplesmente segue em frente.

A histeria já tinha sido implantada, junto com ela um sentimento de caos.

A Forma De Gritar Pra Chamar Atencao Da Massa (prompt de Matheus Carvalho)

Agora virão outras análises: Donald Trump recuou diante do cenário mundial, diante da reação de outras nações, do mercado interno, ou até, pasmem, da opinião pública… Certamente, ninguém vai dar margem para a possibilidade de estarem mexendo as peças do xadrez por estratégia. É difícil, daqui, com as informações dadas, fazer essa análise.

Mas o que dá para dizer é que um estrago foi feito com interpretações histéricas a respeito de decisões e encaminhamentos que foram tomados pelos adultos na sala.

É claro que Trump pode errar. Que suas medidas podem ser contestadas. Mas uma cobertura responsável exige mais do que a simples ridicularização. Um outro favor que o jornalismo prestaria para os seus clientes era aprofundar quais pessoas, quais corporações ganharam muito dinheiro, quais dívidas públicas aumentaram ou diminuiram com esse movimento pendular. Exige investigar quem se beneficiou com as quedas e altas da bolsa. Quais fundos lucraram com a volatilidade. Quais governos emitiram mais dívidas. Quem ganhou, quem perdeu — e por quê.

Mas isso exigiria cálculos. E, talvez, coragem. Ou pelo menos um pouco de humildade intelectual. A de reconhecer que, muitas vezes, as decisões que movimentam o mundo são tomadas por “adultos na sala” — que podem estar errados, sim, mas raramente agem sem estratégia.

Infelizmente, ainda estamos presos a um jornalismo que prefere ouvir o barulho da histeria ao silêncio do pensamento. Reflexões que não faltam no pragmatismo com que os donos do poder, geralmente, preferem agir.

Os Adultos Na Sala Fazem Tudo Com Planejamento (prompt de Matheus Carvalho)

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