ESPECIAL ‘DOZE’: O estranho silêncio dos ‘inocentes’ — Mesmo absolvidos pela Justiça policiais se negam a falar sobre atentado
ESPECIAL ‘DOZE’: O estranho silêncio dos ‘inocentes’ — Mesmo absolvidos pela Justiça policiais se negam a falar sobre atentado
Nesta sexta-feira (19/2) o Aratu Online publica a quinta e penúltima parte do especial ?Doze?.
As reportagens tentam recontar a história do Cabula e dos jovens que morreram no dia 6 de fevereiro de 2015, após suposto confronto com a Polícia Militar. O nome ?Doze? possui duplo significado: 12 foi o número de mortos na ação policial; como também representa o número de meses (1 ano) em luto pela morte das vítimas.
As quatro primeiras reportagens especiais você pode ler aqui:
PRIMEIRA PARTE: ESPECIAL ?DOZE?: Os medos, traumas e origem da Vila Moisés, o palco da tragédia em Salvador
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SEGUNDA PARTE: ESPECIAL ?DOZE?: O canto do Gallo, o homem que tenta mudar o roteiro final dos julgamentos no atentado da Vila Moisés
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TERCEIRA PARTE: ESPECIAL ?DOZE?: O argumento da legítima defesa e o discurso que o policial ?está lá para limpar o lixo?
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QUARTA PARTE: ESPECIAL ?DOZE?: A estratégia de internacionalizar a tragédia para forçar um novo julgamento dos envolvidos
A edição desta sexta-feira conta como, mesmo tendo sido inocentados, os policiais envolvidos no atentado optam pelo silêncio e driblam a imprensa para continuar incomunicáveis. A reportagem traz ainda as declarações ditas à época pelo governador, pelos parentes das vítimas e pelo deputado estadual Prisco (um dos líderes da corporação policial) no calor do momento quando as ‘Doze’ vítimas tombaram no Cabula.
Boa leitura!
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Sabe um jogo de gato e rato?
Pois bem, essa é uma boa definição que se pode dar às inúmeras tentativas, mal sucedidas, de realizar uma entrevista com o advogado Dinoemerson Tiago Nascimento. O responsável pela defesa dos nove policiais absolvidos no caso da Vila Moisés, ao ser procurado pelo Aratu Online, demonstrou-se, inicialmente, bastante interessado em participar do nosso especial e não hesitou em fazer um agendamento.
Afinal, não seria essa uma reação inesperada. Apesar de ter conseguido uma vitória em primeira instância ? já que o Ministério Público recorreu da sentença ? a decisão da justiça poderia ser um instrumento natural de reforço à argumentação do criminalista, que defende a condição de legítima defesa dos seus representados: acusados de terem cometido uma chacina naquela localidade.
VIA CRÚCIS
No entanto, não foi o que ocorreu na prática. Ao longo de quase um mês, diversos agendamentos foram remarcados. Compromissos de última hora: era, sempre, a tônica das justificativas. Como entender aquele interesse demonstrado pelo advogado no primeiro contato? E por quais razões a confirmação se renovava a cada vez que o encontro era remarcado?
De forma diferente, agiam outras personagens dessa história. No último dia 26 de janeiro, por exemplo, nossa reportagem, juntamente com uma equipe da TV Aratu, tentava ?matar?, não só dois, mas três coelhos com uma só cajadada. Tínhamos marcações com o promotor do Ministério Público, David Gallo, com moradores da comunidade da Vila Moisés e, também, com o advogado Dinoemerson, para falar sobre a defesa dos policiais.
Na primeira metade daquela manhã, a maior parte da tarefa foi cumprida. Mais uma vez, o representante do MP se posicionou contra a decisão da juíza Marivalda Almeida Moutinho, da 2ª Vara do Tribunal do Júri. O promotor viu com muita estranheza a celeridade da decisão judicial. ?Ela queimou várias etapas do processo. Pode-se dizer até, que foi ferido o princípio da ampla defesa dos acusados?, disse.
Mesmo ressabiados, familiares e amigos dos doze mortos concordaram, naquele dia, em recordar seus suplícios e retomaram um assunto que preferiam ter enterrado junto aos entes queridos. ?Desde aquela noite, ninguém consegue mais dormir tranqüilo por aqui?, disse uma moradora. Com uma argumentação mais politizada, o irmão de um dos jovens mortos lembrou: ?A polícia é a única representação do Estado que chega aqui, mas só dessa forma: humilhando e matando as pessoas?.
ACUSAÇÃO DE MILÍCIA
Uma acusação mais grave foi feita por outro morador. Segundo ele, os policiais que participaram da ação do 6 de fevereiro fazem parte de uma milícia. ?Aqui dentro, já sequestraram meu irmão e tivemos que pagar R$ 5 mil para poder soltar ele. Foi a polícia que pegou [ele] dentro da minha casa?, afirmou.
POSICIONAMENTO DO GOVERNADOR
À época da polêmica operação policial, uma declaração dada pelo governador Rui Costa revoltou os integrantes da comunidade. Com uma analogia infeliz, ele definiu a ação dos militares: ?… é como um artilheiro em frente ao gol, tem que decidir em alguns segundos como é que ele tenta botar a bola para dentro do gol?, comparou.
A frase ganha ainda mais força negativa por um detalhe: a maioria dos 12 jovens mortos foram atingidos dentro de um campinho de futebol, na Vila Moisés.
A resposta curta e grossa de mais um morador traduziu a receptividade do comentário: “Ele diz isso porque não foi com o filho, com ele ou com parente dele. Foi só mais um da periferia”, bradou.
Com tanta manifestação contrária à ação dos policiais, faltava um contraponto. E esperávamos encontrá-lo na próxima parada: o escritório de Dinoemerson. Seria o momento de conhecer e entender os elementos da defesa que corroboraram para a decisão judicial e a oportunidade de levantar e divulgar informações a cerca dos acusados no processo: de que forma estão sendo assistidos pelo Estado? O que mudou em suas vidas? Quais são seus temores?
Porém, uma informação chegava da nossa redação, pelo celular: o advogado teve um compromisso inesperado, pediu para remarcar a entrevista e esses questionamentos ficaram sem respostas. Não desistimos. Era preciso conhecer o posicionamento dos policiais, até porque Dinoemerson é do corpo jurídico da Aspra, associação que representa os soldados e praças da Polícia Militar da Bahia.
Mas o ?bolo? maior ainda ia chegar. Depois de negociar algumas datas, esquivando-se das oitivas e viagens do advogado, enfim, o encontro deveria acontecer no Fórum Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia. No entanto, quis o destino que mais um imprevisto impedisse o ?desejo? da nossa fonte. O repórter chegou ao local, meia hora antes do combinado, mas o entrevistado ? se é que um dia ele foi ? já havia se deslocado para atender uma intercorrência, na Vila Militar.
Ao saber da situação, por telefone, tentamos ir ao encontro do advogado. Dinoemerson disse que já estava de saída e seguia para o escritório. Foi-lhe apresentada a alternativa de concretizar a entrevista neste novo destino. Fechado! Repórter segue para o endereço na Avenida Paralela e, uma hora depois, fica sabendo que o Dr. Dinoemerson foi atender a um chamado na Barra.
Face à dificuldade em ouvir o posicionamento do advogado, a reportagem tentou falar com o deputado estadual Soldado Prisco (PSDB-BA). O parlamentar é um reconhecido militante das causas em defesa da classe policial. Ingressou na PM em 1999 e liderou três greves de militares no Estado (2001, 2012 e 2014).
A primeira delas resultou em sua temporária exoneração da corporação, ocasião em que ele criou a Aspra. A segunda lhe rendeu um processo criminal federal, que culminou em sua prisão durante um terceiro movimento, em 2014, quando exercia, ainda, o mandato de vereador de Salvador.
SOLDADO PRISCO: ‘DEVERIAM SER CONDECORADOS’
A assessoria de comunicação do deputado informou que, por falta de tempo hábil, já que ele estava de viagem marcada, não foi possível marcar uma entrevista com a nossa reportagem. Prisco, no entanto, havia falado sobre o assunto com os jornalistas da Aratu em maio do ano passado, pouco antes da absolvição dos policiais. Na oportunidade, ele saiu em defesa dos acusados e até mencionou que os militares “deveriam ser condecorados”.
Durante a entrevista, foi lhe apresentado alguns depoimentos de familiares dos doze jovens mortos, em vídeos produzidos pelos jornalistas. Em um dos relatos, Dona Marina, avó de Natanael de Jesus Costa, 17 anos (uma das vítimas), falou que o neto ?foi assassinado pela polícia?.
Ela disse que o corpo do adolescente apresentava várias fraturas, provenientes da tortura sofrida:
?Tenho quase certeza absoluta que não é culpa deles a questão onde seus filhos se envolveram?, comentou o deputado, após assistir ao vídeo. ?Mãe e pai só vão falar isso aí do filho, não vão falar outra coisa?, acrescentou, questionando o que estaria fazendo o filho dela, na rua, na madrugada, em um grupo de 30 pessoas com armas e explosivos. Veja o vídeo:
Se fosse um lutador de boxe, Dinoemerson poderia ser considerado um verdadeiro campeão. Mostrou que é bom de defesa (inocentando os noves policiais em primeira instância) e também de esquiva (driblando nossa reportagem).
O Ministério Público e os familiares das vítima, porém, clamam por uma novo embate jurídico.
Uma revanche.