OPINIÃO: A boa ideia que virou mancada na festa de Arraiá da Uber
OPINIÃO: A boa ideia que virou mancada na festa de Arraiá da Uber
A estratégia parecia excelente. Uma festa gratuita, com uma grande estrela nacional e distribuição de brindes para reforçar a marca da empresa anfitriã. A equação, no entanto, desandou durante a execução. Divulgada com ares de mistério, o Arraiá da Uber aconteceu na noite da última terça-feira (20/6) em descompasso à expectativa gerada pelos seus idealizadores.
Termômetro contemporâneo de sucesso e/ou fracasso de ações midiáticas, as redes sociais cravaram, em ato-contínuo, a insatisfação em comentários raivosos: choveram reclamações em relação as filas, ao cancelamento das corridas gratuitas, à dificuldade de beber e comer, aos brindes e até no acesso ao — que se tornou, em pouco tempo, famigerado — arraiá.
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Soa até estranho à luz do tempo, mas a Uber opera em Salvador há pouco mais de um ano. Parece mais, dado o grau de dependência que criou nos soteropolitanos e na força com a qual provocou reações (às vezes raivosas, outras tanto inteligentemente comerciais) nos concorrentes. Isto reforça a imagem de uma “empresa simpática” aos olhos dos clientes. Oferece balinhas, água, uma possibilidade de avaliar o motorista e reclamar de possíveis exageros, além de preços mais em conta previamente calculados por uma tela luminosa na palma da mão.
Mas há sempre uma genialidade capaz de por tudo a perder. Ou, criar prejuízos suficientes o bastante para a equipe do “Deu merda” entrar em ação com mensagens otimistas e versões fabricadas na ‘era da pós-verdade’.
Para seguir o rito de crucificação vejamos primeiro qual era a ideia.
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No início da semana, a Uber mandou mensagem para ‘alguns’ clientes convidando para um Arraiá especial. A atração anunciada era a cantora Elba Ramalho. A ‘Rita Lee do Sertão’, como um dia já foi chamada, inspira tradição e respeito às origens nordestinas e, recentemente, esteve até envolvida numa polêmica quando criticou a invasão de música sertaneja durante o São João. “O céu está cheio de estrelas e nenhuma atropela a outra, mas deixem junho para o São João”, disse numa metáfora repleta de candura, com direito a revides de Marília Mendonça, ‘grande estrela da última semana’ lá pelas bandas do Centro-Oeste brasileiro. Guarde essa informação.
Seguimos. A Uber anunciou que faria viagens de graça para o cliente ir até a festa. A volta seria por conta de cada um. O local dos festejos só seria anunciado momentos antes. A empresa informou no e-mail: faça sua corrida com antecedência. As viagens gratuitas são limitadas.
Primeiro erro. Ignorou uma característica cultural arraigada de sua clientela. O clichê nesse caso acerta em cheio o alvo. O baiano deixa sim, tudo ou quase, pra cima da hora. As viagens congestionaram, se esgotaram, houve reclamações e muita gente teve que pagar pra chegar no Terminal Turístico Náutico (o local secreto da festa). Nascida em São Francisco, Califórnia, a Uber não contava com nosso ritmo bem franciscano tão próprio de ir para os eventos.
Segundo erro. Teve mais gente convidada que o espaço permitia. E aí, nesse caso, é um equívoco de organização que nenhum conflito de cultura globalizada explica. É falha mesmo. O espaço não comportava tanta gente. Ficou apertado lá dentro, o ar condicionado não funcionou, nem todo mundo conseguiu entrar e, quem ficou do lado de fora, iniciou uma manifestação gritando “táxi é melhor do que uber”. Deu polícia e equipe de TV.
E lembra de Elba lá com sua tradição nordestina inspirando um São João raiz? Nada. Antes da paraibana entrar no palco, um DJ anunciou, ante a demora. “Enquanto ela não vem, vamos tocar aqui Marília Mendonça”. E deu play num som eletrônico.
Como assim, nutellas?
E as meninas de mini-saia, com botas longas, embaladas em Chivas gratuito, gostaram. Sabiam as músicas de cor e pareciam cover grupal ensaiado a plenos pulmões. Os meninos, de camisa quadriculada, idem. Daí, quando Elba começou a tocar, perderam o súbito interesse. De repente, a pipoca 0800, o algodão doce dado e os brindes se tornaram mais atrativos. A área do palco ficou até mais vazio e deu pra dançar forró.
Na festa nordestina idealizada por um aplicativo norte-americano, com organização brasileira e público desterritorializado o forró deu lugar para um outro gênero nativo: o samba do crioulo doido.
Com o perdão do clichê, que, sim, por vezes acerta.
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*Publicada originalmente às 13h48