SETENTA CRIMES: Após 12 anos, fazendeiro é condenado por prática de trabalho escravo no oeste baiano
SETENTA CRIMES: Após 12 anos, fazendeiro é condenado por prática de trabalho escravo no oeste baiano
Belmiro Catelan, dono da Fazenda Guarani, em São Desidério, oeste da Bahia, e o seu funcionário Jair Donadel, foram condenados pela Justiça Federal de Barreiras por 70 crimes de trabalho escravo. A decisão foi expedida no Diário Oficial desta terça-feira (4/4).
Além dos dois condenados, também foram acusados Odilon Alves da Cruz e Fidelíssimo Alves da Paz, que intermediavam a mão de obra e aliciavam os trabalhadores de diversas regiões do Nordeste. As vítimas eram submetidas a péssimas condições de trabalho, a jornadas exaustivas e à servidão por dívida. Belmiro é um fazendeiro famoso no meio agropecuário há mais de 20 anos, com plantação de milho, soja e algodão.
Os trabalhadores eram recrutados pelos intermediadores de mão de obra, conhecidos popularmente como “gatos”, para o trabalho de capina do algodão na Fazenda Guarani.
Após fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), desde março de 2005, ficou constatado que Belmiro Catelan, por meio dos seus comandados Jair Donadel, Odilon Alves da Cruz e Fidelíssimo Alves da Paz, teriam aliciado cerca de 20 trabalhadores dos municípios de Santa Rita de Cássia, Jaguari, Barreiras, Senhor do Bonfim, Irecê, Bonito, Xique-Xique, Itaitê, Salvador, Mundo Novo e Tucano, todos na Bahia, e de Arapiraca, no estado de Alagoas.
Em 2010 a equipe de fiscalizadores foi até o local novamente e verificou que os réus teriam aliciado mais 40 trabalhadores dos municípios de Santa Rita de Cássia, Ibipeba, Barreiras, Quinjigê, Formosa do Rio Preto, Campos Belos, Bom Jesus da Lapa, Guanambi, Salvador, Luís Eduardo Magalhães e Tucano, todos na Bahia; Santo Ângelo e Guarani das Missões, no Rio Grande do Sul; Teresina, no Piauí; e Maceió, em Alagoas.
CONDIÇÕES
A ação penal apresentada pelo MPF à Justiça Federal, a fiscalização encontrou na Fazenda Guarani estrutura precária do local destinado ao alojamento dos trabalhadores, com muitos trabalhadores desprovidos de colchões e em alguns casos dormindo diretamente no chão sobre sacos plásticos. “O empregador não disponibilizava armários, sendo que os trabalhadores utilizavam baldes de agrotóxicos como armazenadores de suas coisas, agravando o risco de contaminação”, diz a procuradoria da República de Barreiras na denúncia.
O local também apresentava área de vivência em condições inadequadas e ausência de recinto adequado para o preparo de alimentos e o armazenamento dos mesmos. No alojamento também não havia estrutura para os trabalhadores fazerem suas refeições, “não existindo mesas, cadeiras e assentos para as refeições”. “Muitos se alimentavam de cócoras ou sentados no chão, expostos ao sol e ao calor excessivo, ou mesmo, à chuva, e, se no alojamento, em qualquer lugar”.
O relatório também indica que não havia fornecimento de água potável em condições higiênicas. “Os trabalhadores consumiam a água provinda diretamente de uma torneira, instalada numa calha de cimento, na área externa do alojamento. Como não houve o fornecimento de copos, os obreiros bebem água diretamente da torneira ou mesmo com as mãos”, aponta o documento.
Em laudo elaborado pela Polícia Federal, ficou constatado que embalagens de agrotóxicos eram reutilizadas no acondicionamento de água para consumo humano.
De acordo com o MPF, as instalações sanitárias do alojamento eram desprovidas das regras de higiene. Além de sujas e encardidas, quando das ações fiscalizatórias, faltavam lavatórios e papel higiênico, muitas portas não fechavam. Além do mais, o esgoto corria a céu aberto nos arredores do alojamento, somado ao lixo que era acondicionado em tambores abertos. Nas frentes de trabalho não eram disponibilizadas instalações sanitárias, sendo que os trabalhadores tinham que fazer suas necessidades no mato, sujeitos às intempéries e à ação de insetos.
Além das irregularidades identificadas no alojamento, no campo de trabalho também não havia preocupação dos empregadores no que tange à segurança dos funcionários. “Não houve o fornecimento gratuito de equipamentos de proteção individual”, frisa a procuradoria.
A fiscalização realizada pelo MTE, PF e Ministério Público do Trabalho (MPT) encontrou cadernos dos subordinados ao dono da fazenda, onde constavam dívidas dos trabalhadores junto ao patronato. As anotações mostravam que qualquer necessidade do trabalhador era atendida pelo fazendeiro, mas tudo era debitado no pagamento final do funcionário.
Itens como cachaça, fumo, alimentos, produtos de higiene pessoal, entre outros, que apresentavam muitas vezes preços elevados em relação ao mercado comum.
Por exemplo, se os trabalhadores quisessem dormir mais confortavelmente e decidissem comprar um colção, eles teriam que comprar o item com o administrador da fazenda. O valor seria descontado da sua futura remuneração. O transporte para cidades próximas por interesse da própria fazenda também era pago pelo empregado, conforme demonstrou uma vítima em depoimento aos fiscais.
PENA
A juíza que é responsável pelo caso, Gabriela Macedo Ferreira, titular da Subseção Judiciária de Barreiras, absolveu os intermediadores do serviço e condenou o fazendeiro e o seu administrador três anos e oito meses de prisão. Porém, a penalidade foi convertida em restrição de direito, ou seja, ambos vão cumprir penas alternativas em liberdade.
Além disso, Belmiro e Jair também vão pagar, por danos morais individuais, a quantia de mil reais para cada trabalhador. A Justiça Federal ainda imputou a multa aos dois condenados no total de R$43,3 mil e uma das penas restritivas de direitos aplicadas aos réus foi a prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, conforme suas aptidões, sete horas por semana, pelo tempo que durar a condenação.
A segunda punição aplicada ao fazendeiro foi a destinação de multa em favor da Associação de Amparo ao Menor Carente (Amec) em Barreiras, entidade privada com destinação social e de reconhecida atuação filantrópica na cidade. O proprietário deverá pagar à entidade o valor de R$ 168,6 mil.
No caso de Jair Donadel, deverá desembolsar R$ 140,5 mil em favor do Lar de Emanuel (Fundação Carita de Assistência à Pessoa Carente) em Barreiras.
A juíza definiu ainda que os réus exerceram seu direito ao silêncio quando foram procurados para apresentar suas defesas.
Os autos do processo mostram a fiscalização só chegou à Fazenda Guarani depois que três trabalhadores procuraram a Secretaria de Inspeção do Trabalho e relataram as condições de trabalho do local.
Acompanhe nossas transmissões ao vivo e conteúdos exclusivos no www.aratuonline.com.br/aovivo, na página facebook.com/aratuonline e também pelo youtube.com/portalaratuonline.