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ANJOS DA LEI: Ações de instituto contribuem para libertar inocentes da prisão

ANJOS DA LEI: Ações de instituto contribuem para libertar inocentes da prisão

Por Diorgenes Xavier

ANJOS DA LEI: Ações de instituto contribuem para libertar inocentes da prisãoIlustração

Em meio a uma onda de rebeliões, superlotações e casos de fugas frequentes no sistema prisional brasileiro, as ações de um movimento social organizado e sem fins lucrativos, criado em Salvador, estão sendo importantes na identificação e busca de solução para um problema não muito raro: a manutenção do encarceramento de supostos inocentes.


O Instituto Popular Cárcere e Direitos Humanos José Pereira Conceição Júnior (IPCDH) surgiu a partir das inquietações de integrantes de comunidades universitárias ligadas, principalmente, à área do direito e das ciências sociais, diante de algumas situações que apontavam para a aparente possibilidade de prisões injustas no Complexo Penitenciário da Mata Escura.


O nome da instituição homenageia o seu primeiro beneficiado, vítima de uma história emblemática ocorrida na Região Metropolitana de Salvador que ficou conhecida na mídia como ?Caso José Pereira?. Acusado de ter estuprado uma adolescente de 16 anos, o guarda municipal de Lauro de Freitas foi levado a júri popular em 2013, quando foi condenado a 24 anos e seis meses de prisão em regime fechado.


Em 2016, com o apoio do instituto, ainda em formação, José Pereira, que já havia conseguido liberdade provisória, após três anos de reclusão, foi conduzido a um novo júri e teve a sua absolvição, perante uma série de equívocos apontados no processo pelo criminalista, Marcos Melo, que atuou em sua defesa. Na oportunidade, o próprio Ministério Público pediu a absolvição do acusado.


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No vídeo abaixo, José Pereira e esposa falam sobre o IPCDH em suas vidas e Jaíra Capistrano ressalta a importância de ocupações profissionais promovidas pelo instituto aos assistidos: atualmente, internos do regime semi-aberto trabalham na produção de hortaliças e seus produtos são disponibilizados em uma feira orgânica que acontece, semanalmente, no Campus da Ufba, em Ondina.



SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA


Segundo a doutora em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e também coordenadora geral do IPCDH, Jaíra Capistrano, o instituto, legalizado desde agosto de 2016, atua especificamente no âmbito da concretização dos direitos humanos dentro do sistema prisional, mas em seu primeiro momento é focado na situação dos inocentes que estão presos.


?Nosso trabalho não se pauta no assistencialismo, mas na emancipação política. Enquanto sociedade civil organizada, nós queremos empoderar cada ator e cada atriz, que esteja envolvido na questão prisional, do real significado do sistema, porque a partir dessa emancipação é possível fazer as devidas cobranças ao estado?, enfatizou Capistrano.


Jaíra Capistrano – Coordenadora do IPCDH. Foto: Dinaldo dos Santos


Ainda de acordo com a coordenadora, estruturalmente, o instituto está segmentado em quatro núcleos: o científico que busca elaborar um recorte de casos de suposta inocência na unidade do Lafayete Coutinho e o Complexo da Mata Escura; o de família que visa o acompanhamento dos familiares de detentos assistidos; o jurídico que em breve funcionará com atendimento público associado a uma instituição universitária; e o núcleo de trabalho que tem como objetivo inserir o preso em uma ocupação profissional.


ALGUNS CASOS EM ANDAMENTO


Em liberdade provisória concedida pela justiça, graças a ações do IPCDH, Tiago Lopes Santos, 30 anos, e Miler Muniz Silva Issa, de 32 anos, aguardam pelo julgamento de seus casos, que deve acontecer no próximo mês de março. Eles são acusados de terem participado de um grupo que espancou dois irmãos gêmeos, resultando na morte de um dos agredidos.


O crime aconteceu em 2012 durante o Camaforró, festa junina do município de Camaçari. Testemunhas disseram que os envolvidos no espancamento agiram de forma homofóbica, pois acreditavam que as vítimas eram gays, já que estavam caminhando abraçadas na rua. Tiago e Miler haviam saído de Salvador para o local da festa em uma van que conduziu também os agressores.


À esq (Miler, durante prisão domiciliar) e à dir. (Tiago, quando recluso no Centro de Observação Penal na Mata Escura). Fotos Dinaldo dos Santos


Apesar de integrantes do grupo, inclusive um réu confesso, ter informado que os rapazes não estavam na ação, os dois foram indiciados pelo fato de uma única testemunha dizer que os reconheceu naquele episódio e eles acabaram sendo encaminhados para o presídio, em Salvador. Ambos entraram em estado de depressão e, por duas vezes, Miler tentou o suicídio e passou a ficar por um longo tempo no regime de prisão domiciliar.


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Outra situação defendida pelo IPCDH é a do mecânico de automóveis Edmilson Gonçalves dos Santos, 47 anos. Ele é acusado de ter abusado sexualmente, em 2009, da sua enteada: Lanara de Jesus Nunes, e foi condenado a 10 anos de prisão em regime fechado.


A suposta vítima, à época com 11 anos, depois de toda a situação, começou a demonstrar sinais de arrependimento. Em um novo depoimento à Justiça, negou as acusações contra Edmilson e falou que tudo foi planejado pelo pai biológico, que queria acabar com o relacionamento que a sua mãe mantém com o mecânico.


O IPCDH conseguiu um novo julgamento para o seu caso, que aconteceu no último dia 9 de novembro. No entanto, O TJ-BA negou o recurso movido, ressaltando que não houve nenhuma novidade nos autos do processo. Segundo Jaíra Capistrano, o Ministério Público entrou, agora,  com um recurso especial junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que está em tramitação.


Edmilson Gonçalves no complexo da Mata Escura. Foto: Dinaldo dos Santos


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IDENTIFICAÇAO DA SUPOSTA INOCÊNCIA


Segundo o criminalista Rafael Porto, que integra o IPCDH, os supostos casos de inocência, geralmente, são informados por agentes penitenciários que possuem conhecimento sobre o custodiado. ?Na maioria das vezes, esses servidores passam a desconfiar da inocência por conta de detalhes passados em conversas entre eles e os internos?, pontuou..


O advogado disse, ainda, que  outras vezes, a notícia chega ao Instituto por meio de alunos ou ex-alunos dos professores que compõem o grupo. ?O caso de Zé Pereira, por exemplo, foi relatado por um aluno da professora Jaira?, lembrou.


De acordo com Rafael Porto, nesse primeiro contato, todos os dados conhecidos pelo informante são recolhidos, como: a versão do fato referente à inocência, os motivos que levaram ao engano que gerou a prisão do custodiado e possíveis testemunhas do fato.


Ele acrescenta que, em seguida, os membros do Núcleo Jurídico do IPCDH passam a dividir as tarefas para apuração do fato em várias frentes: exame do processo ao qual o custodiado responde; apuração da vida pessoal do custodiado, com visita no bairro onde ele reside; além da oitiva de possíveis testemunhas que tenham conhecimento mais preciso sobre o caso.


A depender do fato, segundo o advogado, outros meios de apuração da inocência podem ser feitos, como busca de documentos ou conversa direta perante a delegacia que lavrou o flagrante.


?Ao examinar o processo, buscamos averiguar as provas que foram produzidas e motivaram a prisão provisória do custodiado. Examinamos a consistência das evidências que existem, confrontamos com a versão do fato relativa à inocência e procuramos notar se existe a possibilidade, ainda que mínima, de a versão apontada pelo custodiado ser verossímil?, explicou o criminalista.


Uma conversa direta com o detento é, também, sempre realizada. ?Em nível franco, buscamos deixar estabelecido o interesse em trabalhar com casos de inocência e que a nossa busca pela verdade será feita pelas vias apontadas, exigindo também a participação ativa do custodiado, com o máximo de informação que ele possa nos fornecer para que seja possível verificar sua inocência? afirmou Porto.


Todo o trabalho efetivo em Juízo é precedido, portanto, de uma investigação, ainda que amadora, sobre a versão da inocência narrada pelo custodiado e testemunhas que sustentem o fato. ?Buscamos ter a certeza da inocência, para que, depois, o IPCDH venha intervir processualmente?, finalizou.


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