HOLLYWOOD QUER SUBIR A RAMPA DO PLANALTO: A escalada de Dr Rey para chegar à presidência do Brasil
HOLLYWOOD QUER SUBIR A RAMPA DO PLANALTO: A escalada de Dr Rey para chegar à presidência do Brasil
Do blog de Pablo Reis, parceiro do Aratu Online
Doctor Rey, uma excêntrica figura que agrega a habilidade manual de Ivo Pitanguy com o pensamento político do falecido Enéas Carneiro, a fama internacional de algum piloto brasileiro da Fórmula Indy, a versatilidade diante das câmeras de Luciano Huck, a aparência de um protagonista da primeira temporada de Malhação e o ritmo acelerado de Narcisa Tamborindeguy, está revoltado. O cirurgião retalha políticos com uma verborragia de bisturi ? palavras que se engancham em português e inglês como se fossem lâminas de uma motosserra ideológica. Tivesse nascido na Bahia, e não no bairro da Lapa, em São Paulo, ele diria, com um sotaque gelatinoso de Utah e acentuando as vogais, estar ?na broosha?.
?Perdi eleição pra um palhaço comunista?, ?o SUS é crime contra a humanidade?, ?o Congresso Brasileiro está roubando dinheiro de emendas? são algumas das formas de traduzir indignação em frases de Roberto Miguel Rey Júnior, nascido de uma gaúcha com um engenheiro americano que praticamente entregou os quatro filhos a uma comunidade religiosa de mórmons, nos EUA. Rey saiu do Brasil antes da adolescência, levando passaporte e deixando uma pequena lista de ocorrências policiais associadas a furtos e fragmentos de criminalidade. Confissão de homicídio, confissão de prestação de serviços para traficantes de drogas, confissão de roubos estão ao longo de uma entrevista frenética, só encerrada quando o entrevistado meteu a mão na câmera avisando que é ?preciso saber a hora de parar?.
Veja aqui a primeira parte da entrevista com confissão de homicídio e de operações em esposas de traficantes:
Grandes proporções
Antes mesmo de se acomodar em uma poltrona para uma conversa de 15 minutos que tentou transformar em monólogo, Dr. Rey faz inconfidências de grandes proporções: ao ser questionado se tinha colocado prótese peniana, ele diz que apenas insere, cirurgicamente, em alguns pacientes homens. Ele mesmo não precisa. Tudo porque teria conhecido uma raiz indecifrável na Tailândia (ou na Polinésia, sabe-se lá), capaz de elastecer, crescer, engrossar e fazer uma mágica de posologia oral, transformado em realidade anatômica todo aquele desejo que Freud associou aos homens donos de carros grandes e possantes.
Ele mesmo não precisa e, para provar, estende a duas mãos a uma distância considerável, que vai além dos próprios deltóides trabalhados em academia. A distância de uma palma da mão a outra é tão invejável quanto inverossímil, mas ele não tem constrangimento em afirmar: ?Eu tomei a raiz e fiquei assim?
É quase impossível saber se o que sai da boca adornada por dentes com facetas de porcelana deste homem de 55 anos (que aparenta ter 20 a menos), com luzes no cabelo, é epítome de marketing pessoal, discurso treinado para impressionar, frases aleatórias para amalgamar idiomas, puro delírio, ou se é tudo isso ao mesmo tempo.
Na 2a parte da entrevista, o médico que teria feito 30 mil cirurgias diz que privatizaria a saúde, critica o SUS e condena a violência contra a mulher:
Perdeu pro palhaço
Roberto Miguel nasceu em São Paulo, mas morou a maior parte da vida nos EUA. Ficou conhecido no Brasil quando passou a protagonizar o reality show Dr 90210 (uma referência a famoso endereço em Beverly Hills), com versão no Brasil chamada Doutor Hollywood. Em 2014, já era o internacionalmente conhecido Dr. Rey quando tentou uma vaga de deputado federal por são Paulo, mas perdeu para ?um palhaço comunista que não sabe ler as leis?, que seria Tiririca. Ele diz isso e tenta disfarçar um certo rancor com uma gargalhada seguida de ?hoje ele é meu grande amigo?.
A verdade é que Rey obteve 21.371 votos pelo Partido Social Cristão, ficou como 160° colocado na disputa, mas, em vez de se abater, elevou ainda mais a meta. Como uma jovem senhora que turbina a auto estima com silicone após o marido encerrar o casamento de 25 anos, ele anuncia que quer ser presidente da República. Para isso, filiou-se ao Partido Ecológico Nacional (PEN).
O irrequieto agente público que quer migrar da Califórnia direto para o Palácio da Alvorada tem plataforma política voltada ao liberalismo, a críticas a iniciativas estatizantes e à defesa do free market society. Além de um livro biográfico, gosta de retirar de uma valise a cópia plastificada de um certificado de MBA em Ciências Políticas que teria cursado em Harvard. Sempre que fala sobre esse título acadêmico prefere dizer que fez um curso em Economia. Antes disso, tinha formado em medicina na Tufts University School of Medicine, residência em cirurgia geral na UCLA e em cirurgia plástica na University of Tennessee-Memphis Health Science Center, com especialização em reconstrução de mamas na Harvard Medical School.
A cada duas frases, o político Rey encontra um jeito de atacar comunistas, políticos corruptos, altos impostos, além de repetir que é um homem bem sucedido e milionário. A única exceção ao dominante discurso de repúdio aos homens públicos do Brasil é feita ao juiz Sérgio Moro. O médico que alega ter ultrapassado a marca de 30 mil cirurgias plásticas e ser autor da técnica de cicatriz invisível nos implantes está visivelmente empolgado com o magistrado apontado como figura emblemática da Operação Lava-Jato, uma espécie de intervenção radical na quelóide da corrupção nacional.
Na 3a parte, Rey chama Pasadena de ferro-velho, comenta disputa ACM Neto x Rui Costa e confessa que gostaria de ver Sérgio Moro como presidente:
Amizades perigosas
A forma de Rey de tentar ser agradável é compatível com exageros de quem chega em sua sala e pede 400ml em cada seio. Um minuto e meio após me ver pela primeira vez, ele já lança que é meu amigo e, cinco minutos, que me ama. Apenas meu prenome é suficiente para ele anunciar as séries de intervenções cirúrgicas em esposas de narcotraficantes da América latina e da Europa. Logo depois, faz críticas severas ao modelo do SUS ? ?crime contra a humanidade?.
Voltando para o Brasil depois de licenciar mais de 20 produtos, ele costuma dizer que deu uma virada na pior fase no país:ter ficado preso por matar uma pessoa. Não explica detalhes ? nem sobre a cadeia, nem sobre o suposto homicídio. Praticamente abandonado pelo pai, foi morar em Utah, por intermédio da igreja dos mórmons, por aqui, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, a qual ele afirma ainda pagar dízimo. Garoto-propaganda, apresentador de televisão, cirurgião de estrelas, Rey garante ser um dos médicos mais ricos do mundo e faz questão de alardear isso.
A sinopse da autobiografia ?Dr Rey ? o brasileiro que se tornou o Dr Hollywood?, lançada em 2015, tem um trecho assim:
?Grande empreendedor, Dr. Rey criou mais de 20 linhas de produtos comercializados em mais de 120 países. Suas clínicas de estética se espalharam pelas Américas, inclusive pelo Brasil. Sua vida é uma impressionante história de superação. A história de um garoto, cuja vida tinha tudo para dar errado e acabou se tornando uma celebridadeinternacional, com uma fortuna de milhões de dólares. Uma história de sucesso, do rapaz que foi o último a aprender a ler na sua classe, e acabou se formando em Harvard.?
Minutos antes dessa entrevista, Rey tinha participado do programa Que Venha o Povo, da TV Aratu, quando repetiu, três vezes, para o apresentador Casemiro Neto, que não era homossexual (mesmo não tendo sido perguntado sobre isso em nenhuma das vezes). Rey fez a si mesmo apenas uma concessão ao termo metrossexual, enquanto, a cada minuto, aproximava um pouco mais o seu microfone de lapela do jornalista, ao ponto de quase se roçarem.
Casemiro encerrou a entrevista ao perceber uma certa tensão com o misto de médico excêntrico e showman de terno bem cortado e, agora, político radical e ambíguo, conservador nas ideias e panfletário e esquerdista no corte de cabelo desarrumado. Parece ter sido o mais prudente a fazer. Na conversa que viria a seguir, Rey levantou-se arbitrariamente após 15 minutos, tomou o tablet das minhas mãos de forma inesperada e depois justificou dizendo: ?você tem que saber a hora certa de parar?. Nem sempre a gente sabe a hora certa de parar.