Atentado do Cabula completa um ano durante e é abafado pelo ?Trá? da Metralhadora
Atentado do Cabula completa um ano durante e é abafado pelo ?Trá? da Metralhadora
Um grupo de jovens se aproxima. São de Maceió. Gesticulam e distribuem sorrisos fáceis. Riem diante da câmera e falam sobre a festa. ?Salvador é a melhor coisa do mundo?. Pergunto da polícia. ?Nota 10?, responde uma, de bate-pronto.
?Violenta??, insisto. Ouço outra negativa.
A festa do Carnaval avança pelo seu quarto dia em terras soteropolitanas neste sábado (6/2). Um dia de sol forte. Até aqui a música imbatível é o ?Trá? da Vingadora. Uma onomatopeia que dita o ritmo e virou o nome extraoficial da canção ? batizada originalmente de Paredão Metralhadora.
Levanto uma nova provocação as jovens alagoanas. Indago se, neste tempo de estada na capital baiana, entreouviram alguma coisa sobre o atentado do Cabula, que vitimou 12 jovens da periferia após uma ação da polícia.
?Carnaval é época de esquecer o problema e relembrar mais na frente?, me diz a menina de sorrisos derretidos.
O ?Trá? da Vingadora ganha força. E acelera.
Trá!
Trá!
Trá!
Caem 12.
Na versão da polícia eram bandidos fortemente armados que assaltariam um banco no Cabula. A operação foi bem-sucedida. Nenhum policial consta nas fúnebres estatísticas. Apenas um foi atingido de raspão na cabeça.
?Só água na cabeça. Pra apagar o fogo.
Ô mainha. Eu também gosto do cabelo de chapinha, mainha
Tá lindo. Tá lindinho. Tá lindo. Tá lindinho?
Bell Marques avança pela Barra no comando o trio ?Vumbora??. Em carreira solo, após dissidência com o grupo Chiclete com Banana, do qual foi bandleader pelos últimos 20 anos, enfrentou a primeira polêmica e precisou trocar a letra da música.
Houve grita de parte do público por suposta injúria racial no refrão ?Tá liso. Tá lisinho? ? foi interpretado como uma defesa do cabelo crespo transformado em liso após tratamento estético.
Na Vila Moisés, no Cabula, os decibéis não sufocam o luto. Neste sábado completa exatamente um ano do atentado no campinho de futebol. Os moradores refutam a ação da polícia sobre troca de tiros e ação planejada para destruir um terminal bancário. Uns chegam a admitir o envolvimento de vítimas no tráfico. ?Mas nem por isso deveriam ter sido mortos?, pontuam.
Para a data decoraram os postes da comunidade com pedaços de panos pretos em sinal de profundo luto.
Pedaço de panos coloridos desfilam pela Barra atrás de Durval Lélys. O cantor saúda seus afiliados e diz que sentia saudade de sair com o povo. ?Tem muito tempo que só toco pro bloco. No Furdunço pude satisfazer um pouco dessa saudade?, disse.
?A cidade é bem segura. Achava que não era desse jeito. Bem tranquila?, diz uma turista de Fortaleza.
E a música do Carnaval, pergunto. ?Trá. Trá. Trá?, responde a cearense, simpática.
A festa transcorre bem. Camarotes, pequenos iates ancorados na orla. Os blocos passam e um belo pôr do sol se anuncia atrás do Farol. Uma cena expressiva. Extremamente barulhenta para a maioria. Dolorosamente silenciosa para alguns poucos.
?É uma dor que só vai ficar com a família. O resto vai esquecer. Até quem lembra agora vai esquecer. A vida gira assim, já não sabe?”, diz Binho, morador do Lobato e vendedor de latinha.