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Porque Kannario não é bem-vindo no Carnaval de Salvador

Porque Kannario não é bem-vindo no Carnaval de Salvador

Por Da Redação

Porque Kannario não é bem-vindo no Carnaval de SalvadorCésar Irará/Aratu Online

O  economista e escritor baiano Armando Avena, em seu livro A última tentação de Marx  dedica um capítulo só à indústria do Axé na Bahia. O autor analisa que a Bahia desenvolveu um mercado onde, “Poderíamos chamar de economia do lúdico ou lazer. O nome não importa, importa sim constatar que nunca foi tão lucrativo investir em alegria.  O carnaval de Salvador é um dos maiores exemplos desta economia, onde  seu  PIB  representa 1%  para o  estado na festa”, isso levando em conta que não vi dados durante a leitura do livro que compute todos os negócios do axé, como ensaios no verão, abadas, exportação de músicos, eventos para outros estados e os milhões da indústria fonográfica.


O Carnaval  é sim a maior vitrine para um artista, afinal ele é a  economia da  alegria, contribuindo  para a  geração de empregos e renda, principalmente para a população negra do estado. Ao impedir que Igor  Kannário desfile no Carnaval, os gestores baianos estão exercitando seu papel opressor e não estão contribuindo para a melhoria da vida de mais de 40 famílias que o acompanha em cada show.


Essa parte da “visibilidade” durante a festa é a única fatia do bolo que fica com os artistas da terra, afinal  o recolhimento de impostos, hospedagem, restaurantes  e novos investimento na maioria das vezes não tem a população negra baiana como os beneficiários. Vide nossos artistas negros talentosos, que observam sua música fazer sucesso na voz dos artistas brancos baianos, mas que não são valorizados ou possuem  patrocínio com o mesmo cuidado e atenção que os não-negros.


Durante esses 35 anos da indústria do Axé vimos Claudia Leitte se apropriar da cultura negra  virando ?Nega Lôra?, Daniela Mercury  ser ?A cor desta cidade”  e o mais importante, a indústria cultural negra mesmo indignada, não ter forças para disputar com essa  “sutileza racial artística” tão interessante que Salvador consegue manter.


Escrevo esse texto, enquanto escuto a discografia inteira de Igor Kannário, afinal, estou sem entender até agora os argumentos que vem impedindo a sua participação no carnaval de Salvador. De tudo que acompanho de Igor e que meus alunos me mostraram, o maior perigo de Igor não é a apologia às drogas, mas ao evangelismo, e como mulher de candomblé, sei bem o que vem acontecendo com os terreiros nas periferias, por conta desta apologia bíblica feita pelos pagodeiros e funkeiros Brasil afora.


Segundo matérias e depoimentos que venho acompanhando, as ?autoridades? do carnaval, dizem que Igor não pode sair no carnaval por que quem o segue traz violência. Como assim? Bell Marques até meados de 2010 era um artista que estimulava a briga em seu trio e desrespeitava qualquer processo histórico de blocos mais antigos. Sei por que acompanho Chiclete e já cansei de ver Bell estimulando as brigas.  Um segundo argumento, é que Igor não pode sair no carnaval porque arrasta drogado. Como assim? Alguém já foi no carro de apoio do Chiclete ou do Cerveja e Cia? Há relatos que você não pode usar o banheiro de tanta gente usando cocaína (foliões).  Isso faz com que Bell e Veveta (diva) sejam os responsáveis? Acredito que não!


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Foto: César Irará/Aratu Online


Confesso, venho acompanhando Igor desde sua primeira prisão, acompanho politicamente a forma como a indústria cultural baiana vem destruindo a imagem deste e principalmente suas falas. Cada dia que passa, fico ainda mais convencida de que Igor da mesma forma que  Malcolm X, é perigoso.


É perigoso, porque estamos falando de um carnaval que até permite falar da “cultura negra”, contanto que a realidade das periferias, abandonada pelos  gestores públicos e sociedade baiana, não apareça nesse momento tão esperado no palco.


Logo, querer não somente mostrar em letras, mas materializar isso via o público que o segue, é inadmissível. Igor é perigoso porque  amplia a voz de militantes negros, ele chama  a juventude negra periférica baiana a reflexão ( basta que tire seu preconceito e escute suas letras).


Ele é ouvido por um público que o estado ver como agressores e violentos históricos, logo marginal em potencial, ou como gosto de chamar ? Juventude Viva?, afinal preenche todos os requisitos  de justificativa para a violência do racismo brasileiro sobre esses.


Daí, vem o motivo da perseguição ao mesmo. Como de uma hora pra outra essa indústria que passa o ano inteiro trabalhando pra venda de um carnaval harmônico,  vai permitir que esse cara  pegue um microfone e cante letras de ausência de estado, e principalmente desperte o senso critico de  quem sabe o que é acordar e dormir em uma periferia? O Carnaval em Salvador estabeleceu uma moeda própria, o abadá, que torna Salvador uma cidade desejada pelo Brasil para o carnaval, e principalmente onde se tem de ser alegre para alimentar a economia do simbólico.  E é nisso que Igor se  torna  perigoso.  Uma festa que vende alegria  e harmonia social o ano inteiro,  não vai permitir que um artista que fala das fragilidades de quem a administra,  saia em rede nacional  com um monte de menino preto cantando letras do tipo :


?Foi mais um negro do guetho,


Não teve a oportunidade


De fazer uma faculdade,


Mas cedo foi trabalhar


Pra família ajudar.


Nunca se rendeu a marginalidade,


Mas não adiantou,


Foi confundido com bandido,


Covardemente o matou


E do corpo deram sumiço.


Agora a lágrima cai,


Quem segura sua mãe e seu pai?


Agora a lágrima cai?


Quer ver o resto da letra? Escute aqui: http://letras.mus.br/igor-kannario/zorra/


Igor arrasta a Salvador, capital da Bahia de carne e osso.  Ele mostra a Salvador das desigualdades e que a cada carnaval, vem dizendo com mais força qual o lugar de cada homem e mulher negra nessa festa.


Precisamos estar atentos para a forma como as ?autoridades ? do carnaval baiano tratam o cantor. Não vamos alimentar essa história de bloco que atrai violência  e drogas. “Chiclete”, “Cerveja e Cia”, “Me Ama”, “Me Abraça”, dentre outros, sempre deram problema pra saúde pública, durante o carnaval pelas overdoses de menores de 18 anos e esses artistas nunca foram impedidos de aparecer no carnaval baiano.


Com relação à violência, nossa segurança pública sabe muito bem como  controlar,  afinal passaram anos fazendo isso com o Chiclete com Banana, bloco que  hoje permite uma senhora de 80 anos acompanhar a corda.


Bell nunca foi proibido de sair no carnaval de Salvador por conta das brigas em seu trio, pelo contrário o estado e município  disponibilizam quase que todo o efetivo policial de terra e ar pra acompanhar o bloco. A proibição da saída de Kannário no carnaval baiano, nada mais é do que a garantia do processo higienista carnavalesco  para com  a realidade de periferia preta, pobre e abandonada. Nesse sentido, seu novo  hit tem tudo a ver, pois a  sua proibição de participação  no  carnaval baiano nada mais é que a manutenção do ?Tudo nosso e nada deles? na perspectiva da alegria branca que  anima o  cofre de artistas como  Daniela, Claudia Leitte, Bell Marques e outras  estrelas que nunca permite o protagonismo a artistas negros durante essa festa momesca.


Precisamos entender que a indústria baiana até permite que a periferia preta  possa ser trazida pra avenida na voz de Daniela, Cláudia, Bel, Saulo e outros.   O que ela não permite é a ousadia de achar que a periferia pode disputar de igual pra igual, o espaço de visibilidade durante os dias da folia.


E nesse momento eles cumprem seu papel histórico para a manutenção do poder, onde se os pretos ousarem a achar que podem sai de seu lugar designado, não tenha dúvida que mais uma vez suas letras serão usadas e  ? Sai da frente que lá vem a zorra? o estado mostra que ele é “madeira, madeirada”. E como diz a letra desostenta  ?E o sistema tem a cor, do racismo e da escravidão.”


Assista aqui:



Luciane Reis é uma publicitária baiana. O texto foi originalmente publicado no Correio Nagô


Importante: Os comentários são de responsabilidade dos autores e não representam a opinião do Aratu On.

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