Trabalho em casa ou presencial? Profissionais apostam em modelo híbrido como o 'mais saudável'
De acordo com estudo divulgado pelo Ipea, mais de 20 milhões de pessoas estão em ocupações com potencial de serem realizadas de forma remota no Brasil
Uma boa oportunidade de emprego surgiu para a economista soteropolitana Lillian Vilas Boas na cidade de São Paulo, em 2019. Como trabalhar de casa, em Salvador, não era uma opção, a jovem - então com 23 anos - fez as malas e partiu para a maior capital do país. Na nova cidade, instalou-se em um local perto do trabalho, mas precisou mudar a rotina novamente, por um motivo maior: a pandemia de Covid-19. "Recolhemos as coisas e levamos todo o material para trabalhar de casa", lembra Lillian.
A empresa adotou o home office, que era liberado apenas eventualmente, com equipamentos para os funcionários exercerem o trabalho de casa. Além disso, a organização deciciu que, mesmo depois da pandemia, não haveria um retorno 100% presencial. “Viram que o trabalho remoto estava dando certo", conta Lillian. Hoje com 27 anos, a economista prefere esse modelo de trabalho. “O mais legal é poder ter tempo e organizar a minha vida, trabalhar de qualquer lugar, poder viajar e trabalhar, estar com a minha família e trabalhar”, reflete.
Essa experiência se repetiu para muitos profissionais e empresas, que adotaram o home office durante a pandemia e passaram a encarar o modelo de trabalho depois desse período. “Hoje, eu não troco isso por nada!”, acrescenta Lillian. Apesar do relato da economista, especialistas em Recursos Humanos ouvidos por Aratu On alertam para determinados cuidados em situações de home office e recomendam o modelo híbrido, que mistura o trabalho presencial e à distância.
Lillian Vilas Boas trabalha integralmente de casa | Foto: arquivo pessoal
CUIDADOS
Para a psicóloga Sandra Rêgo, é comum que as pessoas se sintam mais cobradas no home office. “Muitas pessoas aumentaram a produtividade de forma exacerbada por medo de não serem vistas, de acharem que o que elas faziam não era suficiente”, diz a especialista. Em casa, a economista Lillian diz que a desvantagem é “perder a mão” e trabalhar demais, mas acredita, em contrapartida, que tem menos distrações e encontra mais tempo para as atividades pessoais, já que não perde horas de deslocamento.
A baiana chegou a trabalhar de forma híbrida em uma startup, na qual só precisava ir ao escritório uma vez por semana, e após um ano recebeu uma proposta para a empresa que está atualmente, de modo totalmente remoto. Esse modelo híbrido é, para Sandra Rêgo, o mais saudável. Isso porque existe a oportunidade de trabalhar no ambiente escolhido sem perder os vínculos com a organização. “Conciliar é factível, o objetivo é a busca da qualidade de vida”, diz a psicóloga.
Assim como a psicóloga Sandra Rêgo, o consultor de recursos humanos Augusto Monteiro, da empresa Soul RH, vê no modelo híbrido a melhor opção para empresa, o colaborador e até para o meio-ambiente. Para a empresa, porque implicaria em uma redução de custos; para o colaborador, porque passa a ter mais contato com a família e não gastar tempo em deslocamentos; e para o meio-ambiente, porque diminui a circulação de e, portanto, reduz a emissão de gás carbônico.
De acordo com o consultor, há uma tendência de que o modelo híbrido gire em torno de aproximadamente 25% das ocupações de trabalho na Bahia. Segundo ele, o trabalho presencial ainda predomina. “O que temos visto aqui em Salvador e Região Metropolitana (RMS), é um número pequeno de empresas que adotaram o modelo totalmente home office, até por uma questão cultural”, avalia. “Acredito que, à medida que o tempo for passando e a tecnologia for dando mais condição, esse percentual aumente”.
CONTATO E ESTRUTURA
A economista Lillian conta que, quando começou a fazer home office, sentia falta do contato com os colegas, especialmente durante a pandemia. "Hoje, que posso sair de casa e receber visitas, não sinto mais falta desse convívio no trabalho", explica a economista. Especialmente, porque, atualmente, ela trablaha num escritório distante. "Não vale tanto à pena, para mim. É muito tempo no trânsito", comenta Lillian.
Por outro lado, Sandra Rêgo pontua que nem todo profissional tem a estrutura adequada para o home office. “Foi uma ‘ginástica’ muito grande para quem não tem estrutura física e comportamental, que dependia da dinâmica da casa. No período da pandemia, tinha gente pedindo ‘pelo amor de Deus’ para voltar ao presencial, porque era criança gritando e pessoas que não entendiam que ela não estava livre”, relata a psicóloga.
“Vai muito da leitura do ambiente e do perfil. Tem gente que se adaptou ao home office e não quer voltar ao presencial nunca, mas há uma perda no setor relacional, do ‘eu sei quem procuro, quem faz o quê’”, complementa Sandra.
PESQUISA
Conforme estudo divulgado no início deste ano pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), cerca de 20,5 milhões de pessoas estão em ocupações com potencial de serem realizadas de forma remota, no Brasil.
Intitulada “Os Condicionantes do Teletrabalho Potencial no Brasil”, a pesquisa evidencia que o trabalho remoto é mais factível entre indivíduos altamente instruídos, pois metade dos alocados nessas ocupações tem, pelo menos, ensino superior completo (58,2%). A faixa etária mais passível de atuar remotamente é de 20 a 49 anos, com mais de 70% do total. Em particular, a maioria desse grupo populacional (29,1%) tem entre 30 e 39 anos.
Segundo o pesquisador do Ipea, Geraldo Góes, um dos autores do texto, os resultados sugerem um perfil específico do trabalhador para o qual o teletrabalho seria mais factível: “pessoas brancas, mulheres, com nível superior completo, atuantes no setor formal e no setor público são os ocupados com a maior chance estimada de estarem nesse regime laboral”.
Já no setor informal, apenas 30% desse contingente têm chance de fazer teletrabalho, e a análise por categoria de atividade econômica revela uma concentração no setor de serviços: do total de alocados em ocupações potencialmente remotas, 53,1% atuam nessa área. Em seguida, aparece o setor público, com 26,5%, a indústria (11,2%) e o comércio (8,8%).
Para conferir o estudo na íntegra, clique aqui.
TRABALHO REMOTO, TELETRABALHO E HOME OFFICE
Embora seja comum usar “teletrabalho”, “trabalho remoto” e “home office” para falar sobre a mesma coisa, eles são termos legalmente diferentes. O trabalho remoto é um conceito mais amplo para dizer que o trabalhador exerce aquela função em um local que não seja a empresa, enquanto o teletrabalho e o home office podem ser vistos como “modalidades” do trabalho remoto, assim como o trabalho híbrido.
Conforme cartilha informativa lançada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), no final de 2020, “teletrabalho é a modalidade de trabalho realizada fora das dependências do empregador, com a utilização de recursos tecnológicos e que não se enquadram na ideia de trabalho externo. [...] Já o home office é um termo específico ao trabalho realizado em casa, abrangendo também trabalhadores autônomos e freelancers”.
LEGISLAÇÃO
O consultor de RH Augusto Monteiro ressalta que, embora não haja obrigatoriedade legal quanto ao fornecimento de equipamentos, por parte da empresa, o trabalhador continua com todos os direitos trabalhistas que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) oferece.
Em setembro do ano passado, foi sancionada, com vetos, a Lei 14.442, que regulamenta o teletrabalho e altera regras do auxílio-alimentação. A lei definiu como teletrabalho "a prestação de serviços fora das dependências da firma, de maneira preponderante ou híbrida, que não pode ser caracterizada como trabalho externo". A prestação de serviços nessa modalidade deverá constar expressamente do contrato de trabalho.
Em relação ao auxílio-alimentação (conhecido também como vale-refeição), a legislação determina que seja destinado exclusivamente aos pagamentos em restaurantes e similares ou de gêneros alimentícios comprados no comércio. O empregador está agora proibido de receber descontos na contratação do fornecedor dos tíquetes.
* Com informações da Agência Senado.
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