Baixa dos Sapateiros: da fama à decadência, região clama por socorro
A Baixa dos Sapateiros, por muito tempo, atraiu um número significativo de pessoas, mas vive situação de abandono
Por Dinaldo dos Santos.
Famoso centro comercial de Salvador, a Baixa dos Sapateiros, região compreendida entre o Aquidabã e
a Barroquinha, amarga tempos de decadência, mas teve um período áureo e marcante para a
sociedade soteropolitana. Entre a década de 1970 e meados dos anos de 1990, o grande comércio a céu aberto atraía um número significativo de pessoas, principalmente, aquelas de classe média e média-baixa.
A região extremamente popular era a alternativa, ante à pomposa Rua Chile, que naquele tempo recebia uma clientela mais bem favorecida do ponto de vista econômico.
Popularidade, porém, jamais foi sinônimo de trivialidade. A magia e o encantamento da movimentação
do local começaram a dar fama ao cenário, já em 1938, quando Ary Barroso, compôs 'Na Baixa do Sapateiro', canção que ganhou o mundo na interpretação de Carmen Miranda.
Baixa dos Sapateiros: origem do nome
O historiador baiano Roberto Pessoa explicou à nossa reportagem que, entre os séculos XVI e XVIII,
havia um dique ao longo da região, mas pouco a pouco, com a expansão da cidade, ele foi sendo
aterrado e se tornou uma vala.
Segundo o professor, pelo córrego passava o Rio das Tripas, assim chamado, devido à junção com a
água escoada de um matadouro que ficava na Barroquinha. "Porém, mais tarde, ele foi sendo
canalizado e, no governo de José Joaquim Seabra [iniciado em 1912], esse rio foi totalmente coberto e,
então surgiu. uma rua artificial", acrescentou.
Em homenagem ao governador, a rua passou a se chamar J.J. Seabra. Mas de onde veio a Baixa dos
Sapateiros?
Com a pavimentação do local, de acordo com Pessoa, começaram a surgir, no entorno, várias casas de
couro. O material estava em ascensão na época, graças ao crescimento da pecuária, no interior do estado.
"Muito couro era levado para aquela região, onde surgiram muitas sapatarias e casas de confecções; de
sapatos; e bolsas. Como o local fica entre as colinas do Pelourinho, da Saúde e da Palma, então o povo
passou a chamar de Baixa dos Sapateiros.
A Baixa dos Sapateiros e o desenvolvimento sociocultural
Em tempos de alta estação para o mercado varejista, por muito tempo, a Baixa dos Sapateiros foi um
centro comercial de destaque. Roberto Pessoa ressaltou que o lugar figurava como um importante polo
desenvolvedor dos setores socioeconômico e cultural.
O historiador pontuou que o comércio local se expandia, seguindo os avanços da cidade e,
consequentemente, fazia crescer o número de investidores. Em paralelo às mudanças, a Baixa dos
Sapateiros conquistava um público cada vez maior, por conta da variedade de produtos oferecidos.
Nesse contexto, lembrou o professor, surgiram também salas de espetáculo, teatros e cinemas, como o
Jandaia, Olímpia, Tupi e, mais tarde, o Pax.
"Quem não podia desfilar na Rua Chile, que era um lugar mais chique, desfilava ali na Baixa dos Sapateiros,
onde, além da opção de compras, tinha entretenimento e fácil acesso aos bairros", mencionou.
Segundo Pessoa, entre a década de 1970 e meados dos anos 80, o metro quadrado da Baixa dos
Sapateiros era bastante caro e disputado. "Quem queria se estabelecer comercialmente, pagava, ali, um
preço como o de um shopping center, hoje".
Baixa dos Sapateiros: a decadência
Infelizmente, o mais popular centro de compras da capital baiana não resistiu ao avanço em larga escala
de uma ampla concorrência que surgiu, naturalmente, com o crescimento de Salvador. Roberto Pessoa atribuiu a situação, principalmente, à chegada dos centros comerciais privados.
"Quando o Shopping Iguatemi surgiu, na década de 70, deu uma quebrada", explicou. "Além disso, com
a cidade se expandindo, muita gente migrou dos bairros mais centrais para o litoral e, pouco a pouco, o
movimento da Baixa dos Sapateiros foi caindo até chegar a situação de abandono atual", lamentou.
+ Imóvel desaba na Baixa dos Sapateiros e interdita vias do bairro
Se essa decadência marca com tristeza a história do local, o que imaginar de como afeta as
pessoas que têm uma vida inteira relacionada com a existência da Baixa dos Sapateiros?
O comerciante, jornalista e agitador cultural, Clarindo Silva, de 83 anos, é um desses personagens. O
proprietário da famosa Cantina da Lua, estabelecido, há 50 anos, no Pelourinho, tem uma ligação muito forte com a Baixa dos Sapateiros, dado à proximidade entre os locais, na região do Centro Histórico.
Clarindo, inclusive, é um militante na causa em prol da revitalização do centro antigo. No último dia 12 de março, ele liderou uma manifestação em frente à Igreja de São Francisco, clamando por melhorias. O ato também marcou um mês da trágica morte de uma turista de Ribeirão Preto, vítima do desabamento de parte do teto do templo católico.
Sobre a situação da Baixa dos Sapateiros, Clarindo entende que o comércio desenvolvido em alguns bairros, além do advento dos shopping centers , exerceram grande influência no esvaziamento da J.J. Seabra. Porém, percebe um grande desinteresse das autoridades públicas no sentido de retomar a importância do local.
O comerciante fez uma relação direta entre o esvaziamento e o crescimento da insegurança. Ele salientou que tudo isso vai refletir em um ambiente propício à marginalidade. "Eu conheço pessoas ali que tinham duas, três lojas, hoje só tem uma, porque precisaram fechar as outras", disse.
+ Homem é morto a tiros na Baixa dos Sapateiros, em Salvador
Clarindo, sem citar nomes, criticou os governantes, mas reforçou que o problema não está, apenas, nas mãos dos políticos: "A sociedade baiana também precisa se apropriar daquilo ali", frisou.
"Eu fico profundamente preocupado e angustiado quando passo na [Rua] 28 de setembro e vejo a primeira Escola de Belas Artes desse estado cheio de árvores e a casa onde nasceu Carlos Marighella, cheia de embaúba", relatou.
Os espaços abandonados, reforçou Clarindo, precisam ser ocupados e, para isso, ele garante que alternativas não faltam, desde que o interesse seja uma realidade. "Já imaginou o Cine Jandaia ser transformado na Casa do Samba?", questionou. "Estamos na Cidade da Música e não temos", disse.
Baixa do Sapateiros: qual a posição do governo do estado?
Questionado pelo Aratu On sobre a situação da Baixa dos Sapateiros, o governo do estado informou que, através da Companhia de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Salvador (Conder), vem implantando o projeto Pelas Ruas do Centro Antigo, que inclui o Centro Histórico de Salvador.
O projeto, conforme a Conder, já promoveu a requalificação de 281 ruas, sempre com o desafio de manter as características históricas das vias, mas também acrescentando equipamentos e soluções de acessibilidade. O valor total investido é de R$ 108,4 milhões.
Neste momento, segundo a Conder, outras sete ruas na região estão passando por intervenção e mais 68 ainda serão contempladas pelo projeto. A Baixa dos Sapateiros, em especial, foi totalmente requalificada. A Conder informou que a obra teve investimento de R$ 17,5 milhões e incluiu a requalificação de vias e calçadas. Os serviços foram executados entre 2014 e 2017.
Ainda de acordo com a Conder, as seguintes praças e largos foram reformados na intervenção: Largo do Aquidabã, Largo das Flores; Largo de São Miguel; Ladeira do Cine Pax; Praça dos Veteranos; Largo da Barroquinha; e Praça Ary Barroso.
Ainda na Baixa dos Sapateiros, ressaltou a Conder, foram realizadas obras e serviços de engenharia para Reforma do Quartel do Corpo de Bombeiros, na Praça dos Veteranos. O serviço concluído em 2014 recebeu um investimento de R$ 6,5 milhões.
A Conder informou também que está captando recursos junto ao Ministério da Cultura para requalificar outros 23 casarões históricos no Pelourinho. O projeto visa revitalizar esses espaços, preservando sua riqueza cultural e histórica, e transformando-os em unidades habitacionais de interesse social.
Os 23 casarões serão restaurados, mantendo suas fachadas originais, e adaptados para abrigar entre quatro e oito unidades habitacionais cada. O modelo seguido será o do Residencial Vila Nova Esperança, cuja recuperação do casarão ofereceu 6 unidades habitacionais de interesse social, com investimento de R$ 1,7 milhão.
LEIA MAIS: Confira cachês do aniversário de Salvador; duração do show é criticada
Siga a gente no Insta, Facebook, Bluesky e X. Envie denúncia ou sugestão de pauta para (71) 99940 – 7440 (WhatsApp).