Conheça as origens históricas das quadrilhas juninas

Estudiosa da cultura nordestina comenta origem e significados das quadrilhas juninas

Por Júlia Naomi.

“É uma festa do coletivo, da celebração da agricultura, é uma festa de origem religiosa, que ganha as praças e sai da igreja”. Assim, Sálua Chequer, 70, mestre em artes e estudiosa da cultura nordestina, descreve a celebração de São João, das quais as quadrilhas juninas são parte essencial.

Esta manifestação cultural tem origem na contradança europeia, de influência francesa. Chamava-se quadrille, pois era dançada com quatro ou oito casais, que formavam um quadrado e preenchiam os salões da corte portuguesa. Com a mudança para o Brasil, em 1808, a família real trouxe consigo esta dança, que se espalhou pelos salões do Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador.

“Não por acaso, ainda hoje, meninas e mulheres, usam aquelas roupas cheias de babado, cheias de renda, na tentativa de imitar os modelos da corte francesa e de Portugal também”, explica Chequer. Ela acrescenta que os homens não se adaptaram ao padrão estrangeiro, com tecidos excessivos para o clima tropical, de modo que adaptaram as vestimentas para que fossem menos formais.

Concurso de quadrilhas juninas do Galinho 2025. Foto: Cleitson Cunha/Grupo Aratu

Além das influências europeias nas vestes tradicionais, a especialista artesanato brasileiro relembra a continuidade do uso de termos estrangeiros para guiar a dança. “Até hoje ainda se diz anarriê, alavantú, comandos em francês”, exemplifica. Anarriê é uma adaptação do original, en arrière, que significa “todos para trás”. Já o alavantú, en avant tous, orienta que os pares se desloquem para a frente.

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Como a quadrilha das capitais do império se tornou típica do interior?

Com o passar do tempo, a burguesia e a população geral passaram a reproduzir as danças da nobreza portuguesa, o que proporcionou adaptações e a adesão do estilo nas regiões interioranas. Mas um acontecimento histórico causou o rompimento das quadrilhas com as capitais: a proclamação da república.

De acordo com o artigo “Quando o campo está na cidade: migração, identidade e festa”, de Luciana de Oliveira Chianca, doutora em antropologia e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com o fim da monarquia, a burguesia urbana passou a desprezar os costumes do Brasil imperial, que incluíam as quadrilhas. A era republicana afastou a quadrilha dos salões burgueses das cidades, mas, longe dos centros urbanos, a dança foi mantida e virou tradição.

Detalhes de um vestido de quadrilha junina. Foto: Grupo Aratu

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Quadrilhas de juninas representam a realidade do homem do campo?

Longe dos grandes centros urbanos, as quadrilhas ganharam novas características, típicas do cotidiano rural. “É como o caminho da roça. Aquele caminho em que vai um atrás do outro, porque não há uma estrada larga”, descreve Sálua Chequer, sobre o túnel de passagem formado pelos braços dos casais. “É uma coisa com características de interior, da zona rural. Então esse cotidiano da vida simples no campo é incorporado à quadrilha, e toda a movimentação é feita disso”, complementa.

Contudo, para Sálua, nem toda a representação é fiel ou de bom tom. Ela, que já foi jurada de quadrilha diversas vezes, critica o retrato caricato do homem do campo, com o uso de roupas remendadas e dentes sujos. Para ela, esta é uma forma que menospreza o homem da agricultura, aquele “que coloca comida na mesa da gente”.

Concurso de quadrilhas do Galinho 2025. Foto: Grupo Aratu

Sálua explica o pensamento, ao relembrar a infância em Ibirataia, interior da Bahia. “Nas festas religiosas, as pessoas iam com as melhores roupas. Ninguém vai para uma festa religiosa com chapéu de palha todo desfiado”, afirma. “No interior, por mais pobre que a pessoa seja, tem aquela roupa chamada “domingueira”. Ninguém vai acabado, com aquelas roupas todas remendadas”, complementa. 

A estudiosa também reflete sobre a razão do uso de roupas xadrez. ”Uns dizem que por influência escocesa e que foi incorporado [pelos brasileiros]. E também, eu me lembro que na minha infância e juventude no interior, o tecido mais barato para homem fazer roupa chamava-se bulgariana, que só tinha na estampa quadriculada”.

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O surgimento de quadrilhas temáticas

As quadrilles deixaram os instrumentos de orquestra, ganharam o xote, o xaxado, o baião e o coração dos nordestinos. Sálua atribui parte da manutenção dessa cultura ao empenho de comunidades de bairro.

No Brasil, as quadrilhas passaram a ter inúmeros pares. Foto: Caio Diniz / Grupo Aratu

Como patrimônio vivo, as transformações nas quadrilhas continuam. Chequer conta que a existência de edições temáticas, em homenagem a nomes da música e da literatura local, é um fenômeno recente. “Eu lhe digo que a primeira vez que eu vi esse formato tem uns 37, 38 anos. Usam muito temas relacionados aos lugares onde tem a quadrilha. Repare que é muita coisa ligada ao sertão, a Luiz Gonzaga, a bandas de pífano, ao cordel. Mas até uns 50 anos não era assim, não era mesmo.”

Em 26 de junho de 2024, a Lei 14.900/24 passou a reconhecer as quadrilhas juninas como manifestação da cultura nacional. A norma modifica a Lei 14.555/23, que já reconhecia as festas juninas desta forma. Nesse sentido, Sálua Chequer descreve o São João como uma festa muito simbólica, da qual a quadrilha constitui uma parte essencial. “A música, o afago do corpo, o dançar junto. Não tem como a quadrilha não participar das festas, porque é a parte do que você ouve e transforma em movimento”.

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