Como o estado enfrenta os desafios para a alfabetização na Bahia
Bahia pior taxa de alfabetização infantil e 9° maior taxa de analfabetismo do Brasil
Por Júlia Naomi.
Com 36% de crianças alfabetizadas ao final do 2° ano do ensino fundamental, a Bahia teve o menor índice de alfabetização infantil do Brasil no ano de 2024, de acordo com o Indicador Criança Alfabetizada. O levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) foi divulgado pelo Ministério da Educação (MEC) em julho de 2025.
O indicador também mostra que Salvador teve o menor índice de alfabetização infantil entre as capitais brasileiras em 2024, com taxa de 36,75%. A cidade teve uma piora em relação a 2023, ano em que 39,2% das crianças atingiram o padrão nacional de alfabetização.
Para que uma criança seja considerada alfabetizada no Brasil, é preciso cumprir alguns requisitos básicos, definidos pela Pesquisa Alfabetiza Brasil em 2023. O estudo consultou 251 professoras alfabetizadoras das 27 unidades federativas, a fim de padronizar a medição do nível de alfabetização de crianças de sete anos de idade, cuja projeção é que estejam no 2° ano do ensino fundamental.
A partir do levantamento, o Inep estabelece que para serem considerados alfabetizados, os estudantes precisam:
- Saber ler palavras, frases e textos curtos;
- Localizar informações explícitas em textos curtos (de até seis linhas), como em bilhete, crônica e fragmento de conto infantil;
- Conseguir inferir informações em textos que articulam linguagem verbal e não verbal;
- Escrever palavras em que há correspondência direta entre o som (fonema) e a letra;
- Escrever textos que circulam na vida cotidiana, ainda que com desvios ortográficos ou de segmentação.
O Compromisso Nacional Criança Alfabetizada busca garantir a alfabetização de todas as crianças do país até o final do 2° ano do ensino fundamental e recuperar a aprendizagem de crianças até o 5° ano da etapa de ensino que tenham sido prejudicadas pela pandemia de Covid-19. A fim de alcançar estes objetivos, o acordo institui metas progressivas anuais e oferece ações de assistência técnica e financeira aos estados e municípios que aderirem voluntariamente ao programa.
A meta do Compromisso para a Bahia era que, no ano de 2024, pelo menos 43% das crianças na faixa de idade observada atingissem o padrão nacional de educação. Contudo, o Indicador Criança Alfabetizada demonstrou que o estado teve queda de um ponto percentual em relação ao ano de 2023, quando o índice era de 37%. Os estados do Rio Grande do Sul, Amazonas, Paraná, Pará e Rondônia também tiveram desempenho pior do que em 2023.
No cenário nacional, o percentual de crianças alfabetizadas aumentou, ainda que a meta de 60% estabelecida pelo Inep não tenha sido atingida. Segundo o estudo, 59,2% dos estudantes do 2º ano do ensino fundamental em todo o Brasil foram considerados alfabetizados. No ano anterior, o índice era de 56%.
A meta para o país em 2025 é de 64%, enquanto para a Bahia, é de 50%. A expectativa do governo federal é que todos os estados cheguem a 80% das crianças alfabetizadas até 2030. Na análise mais recente, apenas o Ceará havia atingido este nível de desempenho, com 85,3% de crianças alfabetizadas.
Pedagoga descreve desafios e aponta caminhos para a alfabetização
A pedagoga Cristiane Barbosa Santos, mestre em educação e desenvolvimento, defende que é preciso uma "força tarefa grandiosa" para preencher as lacunas da alfabetização. "Eu tenho plena convicção que nós, professores sozinhos, não podemos. É preciso ter políticas públicas muito concretas que cheguem até a sala de aula. A formação continuada dos professores é uma delas. A disponibilização de materiais pedagógicos é outra delas. Há um avanço, sim, mas ainda é superficial, ainda é pequeno", declara.
Ela, que tem 30 anos de experiência na alfabetização de crianças, considera que o Brasil precisa superar políticas de governo, que são substituídas com a mudança de grupos no poder, e pensar a educação como uma política de estado, com manutenção a longo prazo.
Cristiane Barbosa explica que os desafios enfrentados pela escola também são sociais. "A gente sabe que a violência vem crescendo e nossos alunos estão cada vez mais atentos à questão da vida adulta. Além disso, há pouco tempo falou-se da adultização das crianças, no universo das redes sociais. E quando elas chegam na sala de aula, o desafio é muito maior, porque nós precisamos filtrar e trazer essa infância para dentro do ambiente escolar".
A especialista cita o conceito de "alfaletrar", desenvolvido pela linguista brasileira Magda Soares para defender a integração simultânea da alfabetização e do letramento, ou seja, a escrita e seu uso social contextualizado.
"A gente precisa trazer para o mundo da criança significados. Trazer o letramento e a alfabetização para criança pequena, que ainda precisa brincar, ter a simbologia do concreto e também ter a família muito fortalecida nessa questão de querer que a criança seja alfabetizada", explica.
Para Cristiane, é possível introduzir a habilidade da escrita por meio de atividades lúdicas. "Eu percebo que ao longo dos tempos, nossas crianças perderam esse universo de imaginação, do brincar de coisas e brinquedos infantis. De ter o a brincadeira a partir do nada. Eles não querem ou não sabem brincar a partir do nada. Então, é importante, nas séries iniciais, retomar brincadeiras, cantigas, trava línguas e textos de sabedoria popular, como ferramentas para o nosso trabalho pedagógico. E a partir daí, fazer a conexão com a alfabetização e o letramento".
A pedagoga também ressalta que o uso de redes sociais é prejudicial e desnecessário para crianças, mas que a internet e tecnologias podem ser aliadas do aprendizado, desde que seu uso seja vistoriado e orientado por adultos, para fim de pesquisa escolar, por exemplo.
A professora vê na ampliação do ensino integral uma estratégia eficaz para a melhoria da educação. "Nos países mais desenvolvidos, as escolas são de tempo integral. Mas com isso eu não digo que é para ter mais português, nem mais matemática, é para ter mais ações pedagógicas, lúdicas, para que essa criança possa entrar no universo da aprendizagem de forma orientada".
Conheça programas voltados para a alfabetização na idade certa
Cerca de um mês após a divulgação do Indicador Criança Alfabetizada 2024, o governo da Bahia sancionou a Lei nº 25.668/2025, no dia 7 de agosto de 2025. A norma estabelece o Programa Bahia Alfabetizada, com o objetivo de fortalecer o regime de colaboração entre o governo estadual e os 417 municípios baianos pela alfabetização na idade certa e o combate ao analfabetismo no estado.
Dentre as diretrizes do programa estão a avaliação e monitoramento da política educacional no estado e nos municípios e o acompanhamento dos indicadores de aprendizagem. A adesão dos municípios é voluntária e implica o recebimento de serviços e investimentos para o fortalecimento da gestão escolar, formação continuada de professores, aquisição de materiais didáticos e pedagógicos e implementação de avaliações.
O plano apresenta dois pilares: o Eixo Criança Alfabetizada e o Eixo Alfabetização Paulo Freire. O primeiro apresenta um plano de 10 semanas para a alfabetização da totalidade de crianças até o final do 2° ano do ensino fundamental e recomposição da aprendizagem dos estudantes matriculados até o 5° ano do ensino fundamental. O segundo tem prazo mínimo de dois anos para implementação e é voltado para jovens, adultos e idosos a partir dos 15 anos de idade.
Programas para a alfabetização na idade certa em Salvador
De acordo com a Secretaria Municipal da Educação de Salvador (SMED), o município adota os seguintes programas de alfabetização infantil:
- Compromisso Nacional Criança Alfabetizada (CNCA) – parceria com o MEC para garantir que todas as crianças estejam alfabetizadas até o final do 2º ano do Ensino Fundamental;
- Programa Estadual de Alfabetização – em colaboração com o Governo da Bahia, fortalece a formação de professores e a oferta de materiais pedagógicos para apoiar o processo de alfabetização;
- Programa Aprender Pra Valer – parceria com a Associação Bem Comum que visa assegurar a alfabetização até os 7 anos, com foco na formação docente e acompanhamento pedagógico;
- Programa Nossa Rede Alfabetiza – criado pela rede municipal de ensino. Organiza estratégias, materiais e o reconhecimento de boas práticas para potencializar os resultados da alfabetização.
A Bem Comum, mencionada entre as parcerias do município, é uma associação civil sem fins lucrativos que tem o objetivo de elaborar ou executar políticas públicas relacionadas à educação. De acordo com a instituição, seu grupo executivo ajudou a estruturar o Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC), na Secretaria de Educação do Estado do Ceará em 2007. Atualmente, a capital do estado, Fortaleza, é líder nacional em alfabetização no Brasil entre as capitais, com taxa de 74,81%.
Além dos programas mencionados, o Ministério da Educação desenvolveu o Pacto Nacional pela Recomposição das Aprendizagens. O projeto, lançado em 2024, visa apoiar estados, municípios e o Distrito Federal na recomposição das aprendizagens de estudantes da educação básica que apresentam defasagens, tendo em vista os impactos causados pela crise sanitária de Covid-19.
Taxa de analfabetismo é maior entre idosos no Brasil e na Bahia
Com 1.420.947 pessoas analfabetas com idade acima de 15 anos, a Bahia tem a 9° maior taxa de analfabetismo do Brasil, de acordo com o Censo Demográfico de 2022, do Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística (IBGE). O número corresponde a 12,4% da população do estado que pertencem à faixa etária observada.
O percentual está em queda desde a primeira aplicação do Censo Escolar da Educação Básica pelo IBGE, em 1991, quando a Bahia teve 35,3% de pessoas não alfabetizadas. No ano 2000, o número foi de 23,1% e em 2010, 16,6%.
Apesar dos avanços, o estado segue abaixo da média nacional de alfabetização, que em 2024, foi de 93%, com taxa de analfabetismo de 7%. Até o ano do censo, nem a Bahia nem o Brasil conseguiram atingir a meta do Plano Nacional de Educação, que pretende erradicar o analfabetismo absoluto no Brasil até o fim da vigência do programa, prorrogado até dezembro de 2025.
O desafio é maior conforme a idade da população aumenta. No Brasil, os grupos de idade de 15 a 19 anos e 20 a 24 anos, por exemplo, têm as menores taxas de analfabetismo (1,5%), enquanto entre as pessoas de 65 anos ou mais, a taxa é de 20,3%. Ainda assim, de acordo com o Censo, o grupo de idosos teve a maior queda na taxa de analfabetismo nas últimas décadas, passando de 38%, em 2000, para 29,4% em 2010 e 20,3% em 2022.
Na Bahia, os idosos também apresentam o maior percentual de analfabetismo entre os grupos de idade, com taxa de 36,7%. Entre os grupos mais novos, de 15 a 19 anos e 20 a 24 anos, os valores são de 2,1% e 2,2%, respectivamente.
Os números mostram avanços na cobertura da educação básica regular e na recuperação do aprendizado pela Educação de Jovens e Adultos. No entanto, também indicam a necessidade de melhorias. Isso se torna ainda mais evidente quando se observa o percentual nacional de analfabetismo funcional, que atinge 29% dos brasileiros entre 15 e 64 anos, segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) de 2024.
O estudo, coordenado pela Ação Educativa e pela consultoria Conhecimento Social, com apoio da UNESCO e da UNICEF, além de fundações privadas, considera analfabeta funcional a pessoa que consegue ler apenas palavras isoladas, frases curtas, ou apenas identificar números familiares, a exemlo de contatos telefônicos, endereços e preços.
A fim de superar o analfabetismo e elevar a escolaridade no Brasil, o Ministério da Educação lançou, em junho de 2024, o Pacto Nacional pela Superação do Analfabetismo e Qualificação da Educação de Jovens e Adultos. A iniciativa visa atingir, dentro de quatro anos, os seguintes objetivos:
- Ampliar o número de vagas no Programa Brasil Alfabetizado;
- Atender estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no programa Pé de Meia;
- Desenvolver Programas de Formação de Professores e Educadores Populares;
- Beneficiar 3 mil escolas com recursos do Programa Dinheiro Direto da Escola (PDE-EJA).
Veja diferenças na taxa de alfabetização entre regiões da Bahia
Para aprofundar o entendimento sobre as estatísticas no estado, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística agrupa os municípios da Bahia em dez regiões geográficas intermediárias, baseadas na influência de cidades maiores. Assim, é possível observar as desigualdades regionais nas taxas de alfabetização.
A região da cidade de Paulo Afonso, por exemplo, apresenta o menor percentual de pessoas acima de 15 anos alfabetizadas no estado, com 21,77% de analfabetos. A região geográfica intermediária de Guanambi tem a segunda maior taxa de pessoas não alfabetizadas do estado (17,6%). Em terceiro lugar entre os piores índices está a região de Vitória da Conquista, com 16,6% de pessoas não alfabetizadas.
De acordo com o Censo de 2022, a região geográfica intermediária de Salvador tem a maior taxa de alfabetização da Bahia (94,45%), com 5,55% de pessoas não alfabetizadas. Em segundo lugar fica a região de Ilhéus, com 86,72% de pessoas alfabetizadas (13,28% de pessoas não alfabetizadas). A região de Barreiras fica em terceiro, com 13,92% de pessoas
Região geográfica intermediária |
Taxa de Pessoas Alfabetizadas (%) |
Taxa de Pessoas Não Alfabetizadas (%) |
Salvador |
94,45 |
5,55 |
Ilhéus – Itabuna |
86,72 |
13,28 |
Barreiras |
86,08 |
13,92 |
Feira de Santana |
86,06 |
13,94 |
Santo Antônio de Jesus |
85,29 |
14,71 |
Irecê |
84,95 |
15,05 |
Juazeiro |
84,64 |
15,36 |
Vitória da Conquista |
83,35 |
16,65 |
Guanambi |
82,36 |
17,64 |
Paulo Afonso |
78,23 |
21,77 |
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