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ARTE: Baiano usa FGTS em maquiagem, cria personagem e disputa finais de pintura corporal

ARTE: Baiano usa FGTS em maquiagem, cria personagem e disputa finais de pintura corporal

Por Da Redação

ARTE: Baiano usa FGTS em maquiagem, cria personagem e disputa finais de pintura corporalReprodução / Facebook / Nina Codorna

Marcos Borges, de 30 anos, já foi sereia, alienígena e até deus hindu. A vontade de encarnar diferentes figuras o levou a criar uma personagem que o acompanha toda vez que resolve pintar o rosto: a colorida Nina Codorna, drag queen que há um ano e oito meses se apresenta na noite LGBT da cidade.


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Com um nome inspirado em duas divas da música (a alemã Nina Hagen e a americana Nina Simone) e na ?ave barata de boteco?, Marcos/Nina é o único baiano e a única drag queen a chegar à semifinal do Face Awards Brasil. O concurso, promovido pela Nyx Cosméticos, põe artistas de maquiagem de todo o país para competir por um prêmio de 20 mil reais mais uma viagem à Los Angeles.






Ele começou a se montar por brincadeira, inspirado no reality show americano RuPaul?s Drag Race, exibido pelo VH1 e que é considerado a ?Olimpíada das drag queens?. De uns tempos para cá, porém, o jovem designer, formado pela Escola de Belas Artes da UFBA, elevou o nível da sua maquiagem a ponto de estar frente a frente com alguns dos maiores maquiadores do país. E tudo sem fazer nenhum curso de maquiagem.


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O Aratu Online conversou com o artista, que falou sobre as diferenças entre os diferentes tipos de maquiagem que se pode aprender, sobre a força que ele tira da arte drag e sobre suas inspirações. Confira:


As maquiagens que você preparou para o Face Awards Brasil são muito coloridas e impactantes. É a maquiagem que você faz normalmente quando vive sua personagem como drag queen?


Sempre gostei de brincar com cor, com esses efeitos que as cores provocam, muito por causa da minha formação como designer. Não sigo muito a linha feminina, sou mais colorida, mais exagerada. Na primeira vez que me montei eu já comecei a me maquiar sozinho. Aprendi tudo vendo tutorial no YouTube. Nunca fiz curso, nada do tipo.



É mesmo?


Dá pra aprender muita coisa no YouTube, não é difícil. Tem muita gente disposta a ensinar gratuitamente.


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Drag autodidata faz assim.


E tudo é experimentação, né? Levo a drag muito como uma experimentação, como uma extensão do meu trabalho. Já estava meio saturado do mercado. Às vezes, estou fazendo coisas para alguma empresa de varejo ou para algum site, por exemplo, que não tem cor, não tem nada, que não explora muito a minha criatividade, daí uso a arte como uma válvula de escape, sabe?


Marcos Borges se transforma na colorida, vibrante e andrógena Nina Codorna com cerca de duas a três horas de maquiagem. Imagens: Reprodução / Arquivo Pessoal


Você vê sua maquiagem como uma forma de arte?


É uma forma de expressão artística, sim. É também uma forma de empoderamento, é você assumir uma outra personalidade. Eu sou um artista visual, minha drag é muito visual. Quando você incorpora a arte, você pode viver uma diferente persona. É uma arte viva, no corpo.


Você gasta muito dinheiro com maquiagem?


Gasto. Nina Codorna não se sustenta [risos].


Sejamos específicos.


Você quer falar de valores? Gastei por agora uns mil reais de maquiagem. Um amigo meu foi aos Estados Unidos e dei a ele quase todo o FGTS que Temer liberou para comprar pra mim [risos]. Maquiagem é uma coisa cara, mas dá para fazer muita coisa com maquiagem barata.






É mesmo?


Claro que existem marcas melhores que outras. Mas eu encaro meu trabalho como uma experiência artística. Existe a dor e a delícia de cada processo. A Malayka SN [drag queen de Salvador que faz uso de uma maquiagem que quebra padrões mesmo dentro do seu meio], por exemplo, usa Super Bonder, uma cola tóxica, no rosto. Ela assume isso como parte do processo artístico dela. Eu mesmo não tenho muito conhecimento técnico sobre maquiagem, não sou um maquiador. Sou um artista de maquiagem. Tenho pouco menos de dois anos de drag, ainda estou aprendendo sobre cuidados para a pele, esse tipo de coisa.


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Quando foi que a maquiagem deixou de ser uma brincadeira e se tornou uma expressão artística para você?


Quando comecei a levar a montação mais a sério. Um momento especial foi quando Malayka me apresentou ao movimento Club Kid, que foi bastante inovador por mostrar como a maquiagem artística pode ir um passo além. Eu já tinha uma cultura visual e já sabia o tipo de drag que queria ser. Queria fazer aquela maquiagem mais contemporânea, mais exagerada.


Você já trabalhou com uma maquiagem mais feminina, não tão exagerada?


Não gosto muito desse tipo de maquiagem, apesar de já ter feito. Depois que aprendi maquiagem artística percebi como a maquiagem feminina é mais difícil de executar para drag queens, como eu.



Por quê?


Porque a feminina tem que ter uma precisão muito grande de técnica. Para você conseguir tirar todos os traços masculinos do rosto para causar uma ilusão de feminilidade você precisa fazer muita coisa, mil contornos, muito reboco. Não que a maquiagem artística não dê trabalho também. Para fazer a maquiagem de alienígena do Face Awards Brasil, por exemplo, levei quase dez horas.


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Quanto tempo você demora, em média, para se maquiar?


De duas a três horas. Sempre me preocupei em fazer uma maquiagem impactante, mas com o concurso as coisas se intensificaram. Antes eu fazia mais para me impressionar, agora tenho que impressionar o público. Para o concurso também teve um trabalho muito mais intenso de pesquisa, conceitual mesmo. No caso do alienígena, eu queria causar um efeito inédito nas pessoas. É sempre bom trazer um conceito novo, uma coisa nova. Você tem que se esforçar muito e ter muitas referências para que as pessoas te vejam e digam: nunca vi isso na minha vida.


Veja o vídeo:



Você tem recebido retorno da sua participação no Face Awards Brasil?


Muito. Muita gente passou a me conhecer depois do concurso, até artistas que eu admiro muito. É um dos maiores retornos que eu poderia ter. Agora, na semifinal, conheci vários artistas incríveis de maquiagem. Estou no mesmo grupo no WhatsApp que 30 artistas que me inspiram muito! Bebi muita referência nova, maquiadores profissionais muito competentes.


Em que etapa está o concurso agora?


Na semifinal. Se eu passar para a final, vou estar no top 5. Sou o único baiano e a única drag queen participante.


Atualização 15h23: Marcos/Nina passou para a final do concurso e já está entre os cinco finalistas. Nesta próxima etapa, os competidores terão que cumprir um último desafio e a melhor produção será selecionada por uma equipe de especialistas convocadas pela organização do concurso, sem mais participação do público. Os finalistas terão até dia 27 de junho para enviarem seus vídeos e o vencedor será anunciado no próprio site, até o dia 30 de junho.


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Como era sua relação com a cultura drag antes de fazer parte dela efetivamente?


Eu conhecia RuPaul?s Drag Race, mas não frequentava a cultura local. Ia raramente aos bares LGBTs. Depois que comecei a me montar passei a frequentar mais a cena, que fica mais pelo centro da cidade, pela Carlos Gomes, Campo Grande, Mouraria? Hoje em dia são os únicos lugares que vou à noite basicamente. É onde sinto mais sinceridade nas pessoas, sabe?


Grandes inspirações para a maquiagem de Nina: o artista americano Ryan Burke, a drag queen brasiliense Mitta Lux e a ex-participante de RuPaul’s Drag Race Nina Bo’Nina Brown. Imagens: Reprodução / Instagram / Ryan Burke / Divulgação / Andréa Magnoni / Reprodução / VH1


Mais sinceridade?


Mais sinceridade, mais verdade, sabe? A galera ?das artes? frequenta mais lá. No centro, apesar de ser perigoso, tem uma produção cultural muito forte. Pense em lugares como o Âncora do Marujo [bar na Rua Carlos Gomes conhecido como o reduto das drag queens de Salvador, onde há apresentações destes artistas quase diariamente], a antiga Casa Antuak. Dificilmente você vai encontrar outra festa na qual uma travesti entre livremente. São espaços de resistência, sabe?


Quais são os artistas em que você mais se inspira?


Para mim ou para Nina?


Em destaque, RuPaul ao lado de seu time de jurados. O programa comandado pela lendária drag queen americana inspirou uma geração de jovens LGBT ao redor do mundo desde a sua estreia, em 2009. Imagem: Divulgação / Logo TV


Para Nina. Para a maquiagem dela, mais especificamente.


Me inspiro muito em vanguardas artísticas do início do século XX. Cubismo, surrealismo, impressionismo. E também em artistas e ilustradores da minha área. Gosto muito da Segmeister & Walsh, que é uma empresa composta por um casal de designers de Nova York. Ellis Atlantis e Ryan Burke [drag queens de Londres e Nova York conhecidas por suas maquiagens inovadoras e impactantes] também são grandes inspirações. Gosto muito da Mitta Lux, drag daqui de Salvador, e de drags como Kim Chi, Acid Betty, Nina Bo’Nina Brown [artistas que já passaram por RuPaul?s Drag Race]


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RuPaul te inspira muito, né?


Não tem como ser diferente. É a Olimpíada das Drags, inspirou pessoas no Brasil todo, no mundo todo. Muitas drags queens de Salvador nasceram por causa do programa. RuPaul trouxe o lado humano destas artistas. Eu mesmo tinha preconceito contra drags, não sabia a diferença entre uma drag queen e uma trans, uma travesti. Você vê como arte mesmo, como uma forma de expressão artística. Ela faz questão de mostrar o outro lado, a família delas, as angústias delas. Quando você vê uma drag parece que é uma coisa sobrehumana. Parece que é um deus, uma entidade. E na verdade são seres humanos, são pessoas com voz, com vida. E a arte drag é uma coisa maravilhosa, né? O formato do programa é muito bom, é engraçado, divertido, cativante, além de divulgar muito da nossa cultura LGBT, com suas batalhas de dublagem, drama, maquiagem, shade [algo como ?veneno?]. Não tem como não se inspirar quando a gente vê as transformações de pessoas comuns para coisas espetaculares.


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*Publicada originalmente às 10h27


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