PAREM DE NOS MATAR: “Sociedade hipócrita nega o racismo, mas nos ataca”, diz Lazzo Matumbi
PAREM DE NOS MATAR: “Sociedade hipócrita nega o racismo, mas nos ataca”, diz Lazzo Matumbi
Aos 59 anos, o cantor Lazzo Matumbi, receberá na próxima terca-feira (22/11), a Comenda Senador Abdias Nascimento. Militante, Lazzo traçou sua vida artística repleta de poesia e lirismo. Com 30 anos de carreira e uma voz potente, ele é conhecido também por sua discografia repleta de sucessos e com participações especiais em discos de cantores consagrados, como Jimmy Cliff nos anos 90.
Indicado pela senadora Lídice da Mata. Este título é entregue anualmente a personalidades que tenham contribuído, de forma relevante, para a proteção e promoção da cultura afro-brasileira. Em uma entrevista ao Aratu Online, o artista falou sobre a indicação do título e o atual cenário político. Leia.
Aratu Online: De acordo com dados divulgados pelo Mapa da Violência, o número de negros vítimas de arma de fogo é 90% maior do que de brancos mortos pelo mesmo crime. Acredita que isso é a materialização do racismo na sociedade?
Lazzo Matumbi: Sim. E isto é consequência de uma sociedade hipócrita que nega o racismo, mas que o estabelece a todo momento quando nos ataca e/ou nos matam.
Aratu Online: Você foi indicado para receber a Comenda Abdias Nascimento na então gestão da ex-presidenta Dilma Russeff. Hoje, com o governo nas mãos do presidente Michel Temer, ainda vai receber a honraria? Ou pensa em recusá-la?
Lazzo Matumbi: Sim, eu vou aceitar por respeito ao grande líder Abdias Nascimento que para mim é um ídolo. Será um imenso prazer receber esta Comenda que leva o nome dele. Independente de quem esteja na gestão, até porque, recusar seria o mesmo que virar as costas para tudo o que conquistamos, inclusive este título.
Aratu Online: Como vê o engajamento de artistas negros neste momento do país? Acha que falta maior unidade e consciência para se posicionar politicamente?
Lazzo Matumbi: Evidente que sim. Não existe unidade nos discursos. Falta muita “gente” se posicionar. E se eles não posicionarem politicamente acabam não sendo ninguém. Porque as pessoas não sabem o que ele pensa, defende, ou seja, a sociedade não vai respeita-lo.
Aratu Online: O ano de 2016 no Brasil foi marcado por diversas manifestações que colocaram em evidência os descontentamentos. Como você avalia essa situação para população negra?
Lazzo Matumbi: Mesmo a população negra tendo alguns governantes sensibilizados com as nossas demandas, ainda não temos um Brasil justo ou democrático. Independente do governo ‘A’ ou ‘B’ os negros são desprivilegiados e, por isso não paramos de lutar até que haja uma sociedade igualitária e justa.
Aratu Online: Novembro é considerado o “mês Negro” atividades são promovidas para expor as demandas da população afro brasileira. Como você avalia o atual cenário?
Lazzo Matunbi: O que eu vejo é uma falta compromisso não só por parte dos nossos governantes, mas de toda sociedade civil. É um avanço termos conseguido comemorar o “novembro Negro”, mas o correto seria que todos os meses do ano fossem para os negros, indígenas e os brancos. Não podemos nos limitar de reivindicar nossos direitos somente nesta data. A luta deve ser constante e diária.
Aratu Online: Recentemente você comentou a ida da Luislinda Valois para SEPPIR a convite do atual presidente Michel Temer. Como avalia essa questão?
Lazzo Matumbi: Veja bem, cada um tem o direito escolher de que lado vai ficar. Se o governo que se “estabeleceu” não dialoga conosco e nem com as nossas demandas, então vejo razão para apoia-lo.
Aratu Online: A Bahia mesmo sendo a considerada a “Roma Negra” os adeptos das religiões de matrizes africanas ainda sofrem discriminação. Qual sua relação com a religião?
Lazzo Matumbi: A minha relação é de puro respeito e satisfação as manifestação de cultos das religiões de matrizes africanas. São formas de lutas e resistências. O grande problemas é que muitos não sabem quem fomos ou somos, desconhece suas identidades e acabam reproduzindo o discurso de ódio e intolerância. Muitos de nós – não todos – ainda somos escravos do racismo mental que ocorreu depois de uma lavagem cerebral durante e após a todo esse processo de escravidão.
Aratu Online: Sabemos da sua militância e que você utiliza a música para combater o racismo. Para você como é a receptividade de artistas negros na esfera cultural?
Lazzo Matumbi: Generalizando, vivemos numa política provinciana, onde o olhar para cultura ainda tem um déficit muito grande. Precisamos seriedade com relação as outras culturas não tão tradicionais. Se o artista tem a preocupação de expor as nossas queixas usando a música ou a arte, lógico que a grande mídia não dará visibilidade para ele. É por isso que não temos espaço.
Aratu Online: E o carnaval? Como avalia a participação de artistas negros na atual configuração da festa?
Lazzo Matumbi: O Carnaval é uma síntese de uma discussão para o ano inteiro. Isso porque os cantores negros não aprenderam a gerir suas culturas e acabam se tornando refém de uma elite hipócrita que não consegue entender e respeitar os valores do afro brasileiro. O carnaval baiano é divido em duas sociedades: a dos ricos e a dos pobres, onde a polícia, que o objeto de repressão do estado, está lá para punir aqueles que em muitas das vezes são as vítimas de um sistema falido criado pela omissão da sociedade.
Aratu Online: Falando de música, tem algum projeto engatilhado?
Lazzo Matumbi: Eu estou com um projeto intitulados como “Jeito de ser”. A segunda edição será no dia (27/11), no Museu de Arte Moderna (MAM), a partir das 16h. Para dividir o palco comigo, o cantor Dão e Roberto Mendes. A partir das 14h haverá uma feira de artesanato com produtos que remetem a cultura negra.
Aratu Online: Para finalizar, você sugere algum nome que você considere importante para fazer parte da próxima edição da Comenda Abdias Nascimento?
Lazzo Matumbi: Eu poderia falar inúmeros nomes dentre elas: Luíza Bairros, Vilma Reis, Mãe Stela e outras. Na verdade, eu tenho muita gente para indicar, mas eu vou parar de listar para não esquecer de ninguém. Risos.