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Com um a menos, Atlético de Alagoinhas ganha 1° estadual contra Bahia de Feira; nunca houve final como essa

Qualquer garoto de Alagoinhas que se interessou por futebol nos anos 1980 tinha razão em ser Catuense. Aquele escudo, aquela camisa de impactantes laranja e amarelo eram muito mais do que o nome de uma empresa rodoviária com o gentílico da cidade vizinha. Ali era Bobô, Sandro, Zanata, Luis Henrique, que equivaliam a CR7, Messi, Neymar, Mbappe, para um jovem em era pré Internet e pré TV por assinatura, que tropeçasse em sua primeira - e tão rara - bola de couro.

Por Da Redação

Com um a menos, Atlético de Alagoinhas ganha 1° estadual contra Bahia de Feira; nunca houve final como essareprodução/TVE

Qualquer garoto de Alagoinhas que se interessou por futebol nos anos 1980 tinha razão em ser Catuense. Aquele escudo, aquela camisa de impactantes laranja e amarelo eram muito mais do que o nome de uma empresa rodoviária com o gentílico da cidade vizinha. Ali era Bobô, Sandro, Zanata, Luis Henrique, que equivaliam a CR7, Messi, Neymar, Mbappé, para um jovem em era pré Internet e pré TV por assinatura, que tropeçasse em sua primeira - e tão rara - bola de couro. Ali era também a proximidade com a Série A, com a falecida Copa União, com tudo o que representava a elite do futebol nacional. 


Era inevitável torcer pela Laranja Mecânica, que mobilizava até Fernando Vannucci e equipe da Globo a se deslocarem para o ninho do Bem-Te-Vi para explicar ao Brasil quais segredos estavam na versão baiana daquele carrossel holandês. Por tudo isso, a Catuca contagiava aquela geração, diante de olhares enviesados dos pais, estes, sim, avis rara da resistência. A Catuense fora fundada quatro anos depois do Atlético, como equipe amadora, e só se profissionalizando em 1980. Ser Catuense era Nutella, ser Atlético era raiz. 


A partir deste domingo (23/5), uma geração se renova na admiração ao clube que ganhou o primeiro título estadual somente 51 anos após ser criado. Ao vencer o Bahia de Feira numa inédita final entre clubes que não são de capital, o Atlético se igualou ao próprio adversário e ao Colo Colo, de Ilhéus, entre os protagonistas da festa do interior. O Fluminense de Feira, agora na segunda divisão estadual, tem dois títulos. 


Não foi fácil. Em 180 minutos dos dois jogos, as equipes marcaram 9 gols no total, uma impressionante média de um gol a cada 20 minutos. E só deu para os alagoinhenses gritarem campeão no 52° minuto, do segundo tempo, do segundo jogo. Foi demais, nunca houve decisão como essa! 


Virou chavão entre os que ganham para enaltecer o futebol repetir que "é muito mais do que um jogo". Aproveitar esse ufanismo seria considerar a final muito mais do que uma decisão no interior. É uma vernissage de emoções, uma procissão de heróis meio anônimos, um frenesi de dramas pessoais, uma goleada de auto estima nas cidades que, neste momento, mais do que nunca, carecem de motivos pra sorrir. 


VIRGEM DE TÍTULOS


Fosse um BaVi decisivo, certamente, guardaria emoções invulgares. Após as comemorações de praxe, a taça não teria a plaquinha de "mais um", mas, na prática, o sentimento seria esse: o Vitória teria o 30°, o Bahia ficaria com o 50°. (E você, adolescente, sabe muito bem a diferença na memória que guarda da primeira namorada, ou do 50° contatinho, se é que tem alguma lembrança de quando ultrapassou os dois dígitos em termos de placar de relacionamentos).


Pois para o Atlético o primeiro troféu baiano transforma este funesto ano de 2021 em patamar de glória. Entregar a virgindade em títulos estaduais de primeira divisão seria como debutar num novo século. 


VACINAS X COVID


Feira de Santana também precisava desse resgate de comemorações. A cidade não quer se render ao estigma de, em 2020, ter apresentado o coronavírus ao estado, com a confirmação do primeiro caso, no dia 6 de março. 


Quando a bola rolou, a estatística de Covid no município registrava 705 mortes e 38547 casos confirmados ao longo da pandemia. 


Sim, era muito mais do que futebol. No mesmo dia do jogo, a prefeitura de Feira lançou um release em que destacava que a cidade recebera, proporcionalmente, menos doses de vacina Pfizer do que Alagoinhas. Foram 7350 na Princesa do Sertão (com 620 mil habitantes) e 7 mil em Alagoinhas (com 152 mil moradores). “É incontestável que a Sesab não trata Feira com o devido respeito”, desabafou o prefeito Colbert Martins (MDB).


Na primeira vez que dois clubes do interior decidiram o título, em 116 anos de competição, deu Alagoinhas, como que estimulada por uma dose extra de imunizante contra o baixo astral. Jogando em casa, com a familiaridade de um gramado sintético, o Bahia de Feira era favorito.


Na hora da entrega de taças e medalhas, atletas dos dois times se aplaudiram. Nunca houve final como essa! 


Desde antes, o narrador Rainan Peralva chegou a ficar com voz embargada após gravar um texto de resumo sobre o Campeonato, durante a transmissão da partida, pela TV Educativa da Bahia. 


PLOT TWIST


Quando o jogo começou, o azar bateu às costas do zagueiro Iran, do Atlético, aos 18 minutos de jogo. O escanteio cobrado, a bola desviou nele, cuja atenção estava no adversário. Nem o goleiro Fábio Lima esperava e o Bahia de Feira comemorou 1x0. 




O sensacional se fez presente. Aquilo que roteiristas de cinema chamam de plot twist. Apenas seis minutos depois, o mesmo Iran vestiu a capa de herói e desviou a bola - desta vez, usando a cabeça. Um a um, de maneira intensa e emocionante. Quase às lágrimas, o jovem zagueiro foi ao encontro do abraço de técnico e colegas. 




Perto do primeiro tempo terminar, um contra ataque do time de Alagoinhas foi parado com a mão do zagueiro Wesley no chute de Dionísio. Ronan pegou rapidamente a bola para cobrar o pênalti. Converteu com extrema categoria e se isolou como artilheiro do campeonato, com cinco gols.




Vale a pena VAR de novo


Mais uma vez, o VAR teve participação destacada. No segundo tempo, aos 15 minutos, o árbitro Marielson Alves Silva consultou o vídeo, e decidiu que o certo era corrigir um cartão amarelo para vermelho em Gilmar, do Atlético. A câmera da TVE captou o momento em que ele diz "pé acima da bola, com força excessiva, vou retirar o amarelo e expulsar". 


Com um a menos, jogando fora de casa, era de esperar que o Atlético se abatesse, recuasse, até sofresse um empate. Aconteceu o oposto. Aos 25 minutos, um rápido contra ataque encontrou Dionísio veloz e livre na área do Bahia de Feira: 3x1 surpreendente. O narrador Rainan Peralva não se conteve: "o Carcará mostrou mais uma vez que é um pássaro malvado".




O árbitro concedeu sete minutos de acréscimo. Aos 45 minutos, na única falha do goleiro Fábio, o jogador predestinado com um apelido fez de cabeça: gol de Pelé. Foram sete minutos mais de pura tensão, até poder gritar campeão. 


"A gente vê os times que são campeões, eles têm sempre muita estrutura. Nós tivemos foi garra desses pais de família", desabafou o meio de campo William Kaeffer. Em muitos momentos, a diretoria do Atlético pediu doações da torcida pra cobrir despesas. 


Na roda de comemoração, o técnico Sérgio Araújo enalteceu: "esse título é dos jogadores, vocês estão na história de Alagoinhas". A geração de Merica, Dendê, Américo, Piolho e Caroço, do vice campeonato dos anos 70, fora superada.


Ah, aquela criança que começou a se apaixonar por futebol pelos passos da Catuense era eu. Era eu e foram muitos. Só que, antes da adolescência, aprendemos todos que amor por futebol se constrói com outros alicerces que não apenas os títulos. Migramos para o Atlético, muitos de nós seguindo as flâmulas e uniformes dos nossos pais. A partir de agora, tem uma garotada que vê uma paixão nascer como testemunha ocular, não como ouvinte de grandes crônicas do passado. 


Carcará, pode conferir os pix de felicidade lá na conta do clube.


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