Com linguagem de clipe, ‘Aratu Repórter’ exibiu história de Wesley Rangel, o “Mago do Axé”
Com linguagem de clipe, ‘Aratu Repórter’ exibiu história de Wesley Rangel, o “Mago do Axé”
Um gosto de desgosto, um silêncio ensurdecedor, um cheiro de nada e a vontade inequívoca de morrer. Os trios dormem, a alegria chora, a dança congela. A quarta-feira de cinzas entristece até quem não gosta de festa. E 2016 será o ano de duas quartas-feiras de cinzas. Uma, como sempre, ao fim do Carnaval.
A outra, às vésperas da festa, se deu quarta-feira passada (6/1), em um dia nublado de verão. Ainda sonolento, justamente quando acordava, o cineasta Nuno Pena, 35 anos, começou a sentir o amargor que só se sente na perda de um ente querido ou quando o Carnaval chega ao fim. Ainda na cama, leu a notícia nas redes sociais, mas só acreditou quando ligou para amigos próximos. O produtor musical Wesley Rangel, personagem central de um documentário seu, em plena fase de produção, havia morrido.
Nuno então levantou-se da cama. Tinha que enfrentar aquela manhã tão triste. Eis que surgiu um dilema. Deveria filmar o último ato da trajetória de Rangel? O homem que produziu quase todos os artistas que surgiram na música baiana nas décadas de 1980, 1990 e 2000, o mago que fez Luiz Caldas e companhia lançar o disco ‘Magia’, gênese da Axé Music, em 1985, mereceria a referência lúgubre em sua biografia?
Para responder este existencial dilema, nós o acompanhamos em sua empreitada incerta. Às pressas, Nuno pegou a câmera na produtora e seguiu para o cemitério. No carro, falou como o documentarista que perdeu seu objeto de
estudo. Por dentro, o coração chorava a perda de um amigo.
Nuno estagiou na produtora de WR. Da convivência, mais que os ensinamentos sobre gravação de som, guardou a generosidade e delicadeza do mestre que partira. ?Estava disposto sempre a corrigir com carinho, a ensinar com paciência, nunca de forma rude?, conta.
Tanto que, no documentário ainda sem título, fica mais marcado o aspecto humano que o técnico. ?Ele gravou muita gente sem cobrar um tostão?, diz Nuno, dispensando a nossa sugestão do título ?O Mago? para o doc. ?Quero algo mais poético e que remeta à generosidade do cara?.
Usamos, então, como título deste texto. É que, para a história da música, WR sempre vai ser o visionário que primava pelo detalhe, o mago que buscava a perfeição do artista no estúdio.
Há, claro, os críticos. Muitos afirmam que Rangel produziu muita banda ruim, muita música apelativa, muita criação de qualidade questionável. Mas aí também está o seu mérito. WR era um Midas.
Tudo que ele tocava virava sucesso. Os discos produzidos por ele tocavam logo após o Carnaval e só paravam de girar nas quartas-feiras de cinzas. No dia seguinte, voltavam a alegrar o Carnaval sem fim que é esta terra.
Para finalizar este documentário, homenagem a um pioneiro, a linguagem não poderia ser convencional. O material foi gravado em celular e montado na estrutura de um vídeo clipe. Uma dupla metalinguagem. O bastidor de um documentário em outro. Um tributo a um artista embalado pelas trilhas que ajudou a compor e produzir.