Um deputado português de direita quer prender Lula? Claro, ele é o maior brasileiro na política internacional. Em todos os tempos
Por que ele lança isso como plataforma de campanha numa eleição tão difícil, em um país que apresenta problemas domésticos suficientes pra tomar a pauta, não de um, mas de alguns mandatos?
Fonte: Pablo Reis*
Leio que o deputado português, André Ventura, líder do Chega, principal partido de direita daquele país, quer prender Lula. Não apenas leio, mas assisto entrevistas em que ele, em bom português, promete colocar na cadeia o presidente brasileiro, caso consiga êxito na campanha para primeiro-ministro em Portugal.
Por que ele lança isso como plataforma de campanha numa eleição tão difícil, em um país que apresenta problemas domésticos suficientes pra tomar a pauta, não de um, mas de alguns mandatos? A resposta é mais simples do que parece: Lula é o maior nome da política brasileira no palco internacional. De todos os tempos.
“Se eu for primeiro-ministro, levo as algemas, para encaminhar o ladrão para a prisão”. O pretexto para a bravata do parlamentar foi o encontro do atual premiê Luís Monteiro, do Partido Social Democrata, por ocasião do G20 no Rio.
Em março de 2015, estávamos,veu e Lula, na Europa. Eu, fisicamente, com todas as dores em joelhos, tornozelos e em músculos que eu sequer sabia que existiam, com pés em bolhas, tentando superar andando os quase 800km do Caminho Santiago. Lula, simbolicamente, em jornais, debates na televisão, conversas na rua, mesmo sem tocar os pés na Península Ibérica.
Era um período tenso no Brasil: o segundo mandato de Dilma Rousseff enfrentava turbulências políticas e, sobretudo, econômicas. A Operação Lava Jato começava a ditar manchetes. Lula ainda não era réu, o que aconteceria meses depois, mas o espectro das acusações pairava.
Foi nessas circunstâncias que me vi numa mesa de jantar internacional, com peregrinos cansados, famintos, mas querendo confraternizar em vários temas e idiomas. Miguel nasceu no México, mas era pequeno construtor na Flórida, Lars era da Suíça - e tinha modos de um banqueiro anônimo -, duas universitárias saíram do Porto e estavam se divertindo por ali, e um rapaz francês tinha artimanhas inusitadas para ir paquerando e andando.
Filli Plaza, uma artista plástica espanhola de meia idade, quer confirmar o que ouvira sobre a queda da popularidade de Lula. Na última vez em que estivera no Brasil, onde conhece Minas Gerais, Ilha de Itaparica e o Carnaval de Salvador, vira cenas e ouvira comentários que colocavam o ex-presidente em condição de semideus. “É verdade que ele perdeu popularidade?”, perguntou com a descrença de quem se lembrava de uma aura intocável.
A questão me pegou como uma bolha dentro da bota. Respondi que Lula agora habitava um território híbrido, oscilando entre ícone e alvo. Suas aparições públicas vinham tingidas de críticas à mídia e convocatórias à militância. Explicar isso em espanhol era um exercício de malabarismo semântico, especialmente quando a palavra “reaças” entrou na jogada. “Mais do que conservadores”, tentei traduzir, com um sorriso envergonhado.
O diálogo se passa em um albergue simples e acolhedor do pueblo de Fonfria, não mais do que 100 habitantes, a 120 km a pé de Santiago de Compostela. Os outros mais ouviam, entre goles de vinho, conhaque, chá, uma ou outra mordida na barra de chocolate amargo. Filli, divorciada, mãe de duas filhas adultas, designer de joias em Barcelona, se exaspera para dizer que corrupção é na Espanha. Desde outubro de 2014, foram intensificadas operações e prisões de importantes membros do PP (o partido governista), acusados de recebimento de propina e favorecimentos. As cifras envolvidas? 10 mil euros. No Brasil, pensei, 10 mil euros seriam apenas o prólogo de um escândalo. Mas em vez de verbalizar a comparação, limitei-me a um muxoxo e a um brinde aos ladrões do erário, ao menos os que acabam atrás das grades.
No Caminho de Santiago, cruzam-se almas em busca de algo: redenção, respostas ou, às vezes, só a si mesmas. Ali, os brasileiros conhecidos de quase todos eram quatro: Ayrton Senna, Pelé, Paulo Coelho e Lula. Agora, pense como isso está, dez anos depois, presidente reeleito, sem dívidas com justiça, e mais: chefe de estado que sorri, abraça, recepciona e confraterniza com todos os líderes do mundo no G20 do Rio (#MileiNão).
Por isso, o deputado português abusa da demagogia e da anti-diplomacia para atacar o presidente brasileiro. É muito difícil imaginar um deputado francês, poucos anos atrás, chegando ao ponto de esbravejar contra Bolsonaro, mesmo ao atacar a primeira-dama, esposa de Emmanuel Macron.
Deixando simpatias ou antipatias de lado, Lula é o principal nome da política externa brasileira em todos os tempos, supera Rui Barbosa, ganha do Barão do Rio Branco, goleia o professor da Sorbonne Fernando Henrique Cardoso. É possível que tenhamos dificuldades em explicar aos nossos netos, quando olharem nosso momento histórico com afastamento e frieza, as razões de um político condenado em três instâncias, com outros réus devolvendo milhões em cifras de corrupção, ter sido inocentado depois, por questões técnicas e geográficas de foro de julgamento, e chegado à presidência. Mas deixemos essa questão mais que retórica para nossos descendentes.
Parafraseando o ex presidente dos EUA, Barack Obama, quando, em 2009, ele se dirigiu ao brasileiro: “This is the man”. Na época, Obama completou dizendo que Lula era “o político mais popular da Terra”. Quinze anos depois, ele não diria a mesma coisa. Lula, político brasileiro mais reconhecido internacionalmente, já não se trata de uma unanimidade.
*Pablo Reis é jornalista, apresentador da TV Aratu e da Antena 1
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