Vítima de injúria racial, ex-cônsul da França na Bahia cobra rigor da Justiça
Ex-Cônsul da França na Bahia, Mamadou Gaye foi vítima de injúria racial cometida por um cidadão francês
O caso de injúria racial sofrido pelo doutorando do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e ex-cônsul da França na Bahia, Mamadou Gaye, ganhou repercussão após a exposição na imprensa local e nacional. Apesar de ter um sentimento positivo sobre a visibilidade dada ao problema, devido a sua necessidade de debate, Mamadou conta ao Aratu On que foi uma decisão difícil de se tomar.
“Foi um momento difícil, tomar essa decisão de tornar a história pública, porque foi uma segunda violência para mim, constar que a Justiça não considerou o meu caso como racismo, não considero minha dor e não entrou em defesa dos meus direitos. Depois, ter que dialogar, contar a história de novo, né?”, contou.
De origem senegalesa e de pele retinta, Mamadou trabalhou como diretor da Aliança Francesa de Salvador entre 2017 e 2021, quando também foi convidado a atuar como cônsul honorário da França na Bahia. Apesar do prestígio e da importância das posições, ele conta que nada disso o blindou de ser vítima de injúria racial e difamação.
Enquanto atuava no consulado, ele foi alvo de Fabien Liquori, cidadão francês, branco, que o perseguiu e atacou em diversas instâncias, após ter pedidos de ordem pessoal não atendidos. Mamadou afirma que Fabien Liquori teria “negado a possibilidade de eu ser francês e eu poder ficar nesse cargo de representante da França na Bahia”, após chamar Mamadou de “tirano africano”. Ele também teria questionado a competência de Gaye e mandando que o cônsul voltasse para “seu buraquinho parisiense”.
O ex-cônsul foi alvo de injúria racial por parte cidadão francês que mora na Bahia. Foto: Divulgação
As agressões seguiram até o ponto em que Fabien mandou um e-mail copiando diversas autoridades francesas no país, em outros países e também na Academia de Letras da Bahia (ALB). O texto continha diversas acusações e outros termos racistas.
“[Você] usou sua posição como um verdadeiro tirano africano, tiro-lhe o chapéu, mas o problema reside no fato de [você] estar a representar a França.”, disse o trecho de um dos e-mails.
“Estamos nessa situação de caracterização desse racismo estrutural, de ver que eu, na condição que ocupava, meu cargo, meus diplomas, o fato de ser militante antirracismo não me protegeu desse racismo. Da mesma forma, Vini Jr, com todo seu talento, Taís Araújo, maravilhosa em sua arte, também não estão protegidos contra esse racismo. E isso diz muito a respeito dessa estrutura racista da sociedade”, comenta Mamadou, citando ainda os casos recentes envolvendo injúria racial em Salvador, como o do pet shop, na avenida Paralela, ou o caso envolvendo o motorista de aplicativo agredido por uma passageira no Horto Florestal.
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Importância de expôr a injúria
O principal ponto de questionamento do ex-cônsul é a impunidade no caso. Em condenação em primeira instância, foi determinado que Fabien pagasse cerca de R$ 3 mil como indenização pela injúria racial, motivando assim um novo recurso movido pelo advogado de Mamadou, que pediu um valor de R$ 40 mil, bem como uma retratação pública por parte do condenado (algo que não foi sequer julgado na primeira vez).
“Eu confio na Justiça, mas ela ficou ‘em cima do muro’. Porque não negaram o racismo e, ao condenar ele, [a Justiça] reconhece isso. Mas, com esse valor, eles nem estavam dando razão para mim e nem para ele. Esse valor é o mesmo de uma indenização por um voo atrasar duas ou três horas”, afirmou o ex-cônsul. Ele complementa que a questão não é de ordem financeira, mas social, que precisa ser debatida e combatida no seio da sociedade.
“Esse é um debate muito importante. A lei existe já. Essa questão do racismo estrutural é uma questão que abraça todo mundo, ninguém pode fugir desse questionamento, ninguém pode dizer ‘não sou racista, por isso esse problema não é meu’. É um problema de todas as pessoas nas sociedades”, afirma o francês.
Mais que uma punição financeira, a retratação é vista pela vítima como um passo importante: “Quem erra pode ser condenado, mas a pessoa tem que ter essa obrigação de voltar e dizer ‘eu falei errado’ ou ‘o que falei não era para ser falado’, sabe? A parte financeira está muito longe de ser toda a questão, claro que os valores que colocaram são fracos diante da gravidade dessas questões colocadas, porque quando alguém faz isso que ele fez contra uma pessoa, também faz isso contra toda a sociedade”, desabafou Mamadou.
Outros casos e apoio
Prestes a entrar com um terceiro recurso na Justiça, Mamadou Gaye contou ainda que diversas pessoas vítimas de racismo em outras oportunidades têm entrado em contato com ele para incentivar a luta e dar forças na caminhada, relatando, inclusive, que muitos deles se calaram diante da mesma situação.
“Tem pessoas que estão me ligando para fazer depoimentos de situações de racismo que eles passaram, que eles silenciaram. Tem outras vozes se juntando e parabenizando. ‘Parabéns por ter feito isso, aconteceu a mesma coisa comigo e eu na época não fiz que você fez’. Então, se a justiça se pronunciar sobre o meu caso, vai ser também um recado enviado para toda a sociedade e todas as pessoas que foram vítimas, porque se, no meu caso, eles negam uma decisão, negam meus direitos, outras pessoas vão também pensar duas vezes antes de ir para a Justiça por receio.”
Por fim, Mamadou conta que os advogados acionaram a Promotoria de Justiça de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa do Ministério Público do Estado para prestar auxílio no caso. Sobre Fabien Liquori, o ex-cônsul revela que não o encontrou mais, nem mesmo nos tribunais, uma vez que o condenado sequer apareceu em juízo. O que a vítima espera é que a Justiça seja feita de modo que se passe um recado para quem queira cometer injúria racial novamente.
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