‘TUDO DE REPENTE’: Acusado de abuso sexual, cordelista preso escreve livro sobre sua história
‘TUDO DE REPENTE’: Acusado de abuso sexual, cordelista preso escreve livro sobre sua história
“Quero me apresentar: o meu nome é Benedito
Estou entregue à justiça, porque nesta eu acredito
Quero um futuro de glória
E encerrar minha história, com um legado bonito
Todo poeta se arrisca ou, melhor dizendo, ousa
Se eu pudesse, pintava, como quem pinta na lousa
Um retrato desse evento pra mandar pra minha esposa”
Esses versos são parte de um cordel entoado por um paraibano em, 2014, durante um manifesto cultural realizado no Forte de Santo Antônio Além do Carmo, no Centro Histórico de Salvador. O artista popular ? em privação de liberdade ? lembrou, na oportunidade, da família que, por ora, está longe do seu convívio.
Benedito Ferreira de Freitas, 65 anos, nasceu na pequena cidade de Princesa Isabel, a 419 km da capital, João Pessoa. Teve grande parte da vida ligada ao campo e desde criança fazia versos. Porém, em 2012, após a acusação de que teria abusado sexualmente de uma menor de idade, seus repentes passaram a ser recitados no cárcere.
O senhor franzino, de gestos gentis e cordiais, nega o delito e se sente injustiçado, mas, mesmo assim, não se afastou de uma das coisas que mais gosta de fazer: Cordel. Cumprindo pena de 13 anos, em regime fechado, ele não deixa se abater pela reclusão na Penitenciária Lemos Brito, no Complexo da Mata Escura, em Salvador.
Apesar da vida humilde, na infância e adolescência, Benedito sempre foi um dedicado aos estudos. ?Eu trabalhava na roça, de dia, estudava à noite e foi dessa forma que consegui chegar à faculdade?, relatou ao Aratu Online, o repentista que fez Licenciatura em História e se formou, em 1996, em uma instituição da cidade de Patos, na Paraíba.
?Mesmo antes de formar eu lecionava em uma escola municipal. Naquela época, não era proibido ensinar antes da graduação?, lembrou, acrescentando que com, apenas, um ano atuando no município foi convidado a lecionar em uma escola da rede estadual.
A prisão não foi empecilho para o cordelista dar novas dimensões à sua arte. Ele publicou o livro ?Natureza, Vida e Versos? e já está com outro a caminho, intitulado: ?Tudo De Repente?. Benedito conta que o ‘primeiro filho’ surgiu, a partir de suas eloquências em sala de aula da Escola Jorge Fragoso Modesto, que funciona no complexo prisional.
?O primeiro livro foi um projeto desenvolvido aqui. Nos eventos escolares, eu nunca deixei passar oportunidades de fazer uma homenagem a um professor ou algum colega pelo aniversário, ou até mesmo algum assunto que se debatia, eu sempre colocava algo em forma de ‘repente’ e isso foi uma das coisas que despertou a atenção dos que me incentivaram?, declarou.
Porém, a obra que está produzindo, neste momento, segundo ele, é a que sempre desejou escrever. ?É o meu passado e a minha história. Esse livro vai orientar as pessoas a me conhecerem melhor?, disse. ?Tudo De Repente? está sendo revisado pela historiadora e professora da Ufba, Cláudia Trindade, que é, também, coordenadora do Centro de Documentação (CEDOC) da penitenciária, onde Benedito exerce atividades laborais.
De acordo com a revisora, a obra tem uma qualidade ?incrível? pelo conteúdo dos cordéis e dos repentes. ?Eu trabalho com trajetórias de pessoas que vivem em privação de liberdade, então, obviamente, é algo que me encheu os olhos?, afirma. Segundo a professora, esse livro foi um exercício de lembrança para ele, que revela ter sofrido um lapso de memória, após acidente sofrido, antes da prisão: ele havia caído de um andaime em serviço de construção civil na casa de um irmão.
O TRABALHO NO CEDOC
No CEDOC, Benedito é responsável por manter organizado o arquivo de documentação da penitenciária. O acervo reúne prontuários e livros de ocorrência escritos, desde o início do século XX. ?São documentos que nos ajuda, inclusive, a entender a formação das organizações criminosas?, avalia a coordenadora do setor.
A partir das observações dos registros, segundo ela, é possível perceber como a criminalidade começa a aumentar e tomar novos rumos de atuação, bem como acontece a alteração do perfil da comunidade carcerária. ?O CEDOC cuida da preservação da memória do sistema penitenciário baiano?, enfatizou.
UM NOVO JULGAMENTO
Benedito revelou ao Aratu Online que gostaria de ter a oportunidade de um novo julgamento. Ele morava no município de Serra Dourada, no oeste baiano, quando foi acusado de ter cometido o crime. Na ocasião, vivia longe da família ? esposa, três filhos e cinco netos ?, justamente, no período em que começou a apresentar distúrbios na memória e, segundo ele, um estado de depressão.
O acusado relata que foi denunciado pela avó da suposta vítima, que era sua vizinha e costumava ter um comportamento insinuante quando estava perto dele. ?Uma vez ela pediu para que eu lhe fotografasse, de biquíni, sentada na minha moto?, disse, dando a entender, no entanto, que não alimentava uma intimidade maior.
?Certa vez pedi a ela que não fosse na minha casa porque pessoas da minha família estavam para chegar?, relatou, afirmando que temia pelo comportamento inadequado da mulher. Episódios como esse levam Benedito a acreditar que foram motivos para ser injustamente acusado pela vizinha.
?Eu não fiz nada para estar preso. Além disso, muito raramente via a menor?, afirma. Ele garante que tem um álibi e pode ser inocentado. O repentista disse que pode indicar pessoas que estiveram com ele no, exato, momento em que foi dito que ele teria cometido o delito. Pra isso, precisaria de uma nova chance.