“Deu em nada”, diz mãe de Emanuel e Emanuelle seis meses após absolvição de Kátia Vargas
“Deu em nada”, diz mãe de Emanuel e Emanuelle seis meses após absolvição de Kátia Vargas
“Por mim, não falava disso nunca mais”. Foi com essa frase desconsertante que Marinúbia Gomes Barbosa, de 49 anos, recebeu a reportagem do Aratu Online no prédio onde mora, no bairro do Imbuí, em Salvador. Repetidamente citando o nome de Deus, foi a própria enfermeira obstetra quem quebrou o gelo e fez a pergunta que ninguém tem coragem de retribuir: “tudo bem?”. Há quase cinco anos, Marinúbia perdeu os dois filhos durante uma colisão fatal no trânsito, em frente ao hotel Bahia Othon Palace, em Ondina, orla da capital baiana.
A acusada de ter provocado a morte de Emanuel e Emanuelle Gomes, de 21 e 23 anos, é a médica oftalmologista Kátia Vargas Leal Pereira, de 50, absolvida durante o júri popular que aconteceu no Fórum Ruy Barbosa, nos dias 5 e 6 de dezembro de 2017. Seis meses após o caso que repercutiu nacionalmente, Marinúbia continua com o pensamento naqueles dois dias. Mesmo tentando tocar a vida, a enfermeira segue a busca pelo que chama de Justiça.
Esta é a primeira de três reportagens que o Aratu Online preparou para relembrar um semestre do julgamento de um dos casos que mais chamou a atenção em Salvador nos últimos anos. Nesta quarta (6/6), você vai saber como a mãe do casal enfrentou os dois dias no Tribunal. Na quinta-feira (7/6) nossa personagem continua sendo Marinúbia. Porém, ela relata como foram os meses depois da batalha judicial. Já na sexta (8/6) o tema é passos Judiciais.
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Quem entra no apartamento onde Marinúbia vive sozinha dá de cara com uma mesinha de canto, ao lado da televisão, preenchida com fotos de Emanuel e Emanuelle em família, misturadas a estátuas conhecidas do catolicismo, religião da enfermeira. As orações de todos os dias são o que têm fortalecido a mãe das vítimas, que deve enfrentar novo júri no futuro. Isto porque, um dia após o julgamento, o Ministério Público da Bahia (MP-BA) entrou com recurso para anular a decisão que inocentou Kátia. O pedido teve parecer favorável no último dia 17 de maio, assinado pela procuradora de Justiça Criminal Maria Augusta Almeida Cidreira Reis. A decisão final está nas mãos de quatro desembargadores do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA).
“Agora eu tenho fé de que a justiça será feita. Porque, pela forma como o julgamento foi conduzido, ficou clara a parcialidade de alguns envolvidos no júri. Foi uma verdadeira vergonha, uma decepção, tanto para mim quanto para a população aqui de Salvador”, desabafou. O sentimento de justiça que busca desde 2013 se transformou em frustração e sensação de que “nada aconteceu”. “A análise dos fatos não foi feita, porque quem deveria julgar não soube fazer isso e, por isso, foi aquele desastre. O júri dizer que aquela mulher que perseguiu meus filhos e tirou a vida deles, os deixando jogados no chão, partidos em vários pedaços, é inocente, é muita dor pra mim”. As duras críticas proferidas por Marinúbia se referem principalmente à forma como o julgamento foi direcionado.
A começar pela distribuição de senhas: foram 432, capacidade máxima comportada pelo plenário. A mãe das vítimas queria que outro perfil de público estivesse presente. “Eu queria que mães dos bairros de toda cidade participassem. Alguém de lá de Periperi, por exemplo, que se comoveu verdadeiramente com o acontecido, e não estudantes de direito que fizeram do júri uma sala de aula”.
“ESTUDANTES DE DIREITO FIZERAM DO JÚRI UMA SALA DE AULA”
UM DEZEMBRO TRÁGICO
Com a galeria cheia, o primeiro dia foi marcado pela audição das testemunhas. Quem sentou primeiro na cadeira de depoente foram os convidados da acusação, todas oculares, ou seja, estavam próximas do local onde as mortes aconteceram. Logo depois, foi a vez das testemunhas de defesa da ré deporem.
Os nomes levados pelos advogados da médica foram: Ana Teresa Walter – professora de dança que estava com a oftalmologista minutos antes do episódio -; Ivete Perez – amiga de infância de Kátia -; Edmilton Pedreira – amigo e paciente da médica -; Carina Caldeira – amiga da oftalmologista, com quem participava de um projeto social voltado para a área de saúde – e o perito Alberi Espíndula. O último, inclusive, foi pago pela médica para acompanhar a reconstituição do caso. Na opinião de Marinúbia, a presença do profissional foi o grande erro da audiência.
“Pessoas boas cometem erros. O júri não tinha o objetivo de discutir se Kátia Vargas é ou não uma boa pessoa. Ela perseguiu brutalmente meus tesouros e tinha que responder por isso, pelo que fez naquele dia, e não pelo que fez antes. Era isso que eu esperava do julgamento, que a ação dela de tentar machucar meus filhos fosse colocada da forma correta. Mas a Justiça permitiu que um homem muito bem pago fosse testemunha e isso me decepcionou”, revelou. Durante a apreciação, a única testemunha que garantiu que não houve contato entre o carro de Kátia e a moto de Emanuel foi o perito contratado pela ré.
“A JUSTIÇA PERMITIU QUE UM HOMEM MUITO BEM PAGO FOSSE TESTEMUNHA”
A equipe que defendeu a médica, composta por advogados como José Luis Oliveira Lima – famoso por ter clientes denunciados no âmbito da Operação Lava Jato – foi comparada aos juristas do Ministério Público. “Doutor Davi Gallo, Luciano Assis e Daniel Keller são pessoas incorruptíveis, diferente daquele senhor que foi trazido por Kátia Vargas, que eu não conheço e nem quero saber quem é, porque ele só me trouxe dor, ironizando ao dizer que as testemunhas que levamos podem ter ‘se confundido’ e ‘acharam’ que viram algo que não viram no dia da perseguição”.
A mãe de Emanuel e Emanuelle criticou ainda outro momento da defesa da médica. “Eles mesmos disseram que Kátia deveria ser condenada, enquadrada como homicídio culposo, quando não há intenção de matar. Então, havia a tendência de todos acharem que Kátia é culpada”, completou. O pensamento da enfermeira é o mesmo do advogado de acusação, Daniel Keller que, na oportunidade, reforçou o argumento do Ministério Público. “Primeiro ela disse que se envolveu em uma discussão de trânsito. Hoje ela disse que não teve discussão. Eles confessaram aqui hoje que ela deu causa à morte das vítimas, porque quando dizem que ela praticou homicídio culposo, querem dizer que Kátia matou”, disse Keller durante o julgamento.
ASSISTA A ENTREVISTA DE MARINÚBIA EM VÍDEO:
INOCENTE?
“Fiquei paralisada”. A reação de Marinúbia ao saber o resultado do júri chamou atenção até mesmo da juíza da 1ª Vara do Tribunal do Júri, quem presidiu o julgamento, Gelzi Maria Almeida de Souza. Foi ela quem assumiu a função de contar para a mãe das vítimas a decisão dos jurados. Marinúbia foi levada pelo advogado de acusação para uma sala anterior ao plenário e soube da absolvição de Kátia Vargas antes mesmo dos populares que acompanharam os dois dias de apreciação. “Eu senti uma tristeza que, claro, não se compara à perda dos meus filhos, mas foi uma sensação de angústia e decepção, por saber o quanto lutei por justiça e vi que não deu em nada, mas, no fundo, eu tinha a sensação de que poderia acontecer”.
“LUTEI POR JUSTIÇA E VI QUE NÃO DEU EM NADA”
Ao final do julgamento, Marinúbia deixou claro que “perdeu a batalha, mas não perdeu a guerra”, durante entrevista concedida ao Aratu Online enquanto deixava o Fórum, ainda sob forte emoção. Hoje, seis meses após o júri popular que inocentou aquela que ela acredita ser a causadora da morte dos seus dois únicos filhos, a enfermeira só reafirma os motivos que a fazem insistir na sua busca por justiça. “Esse não valeu. Para mim, não valeu. Vamos vencer a guerra e eu vou provar que Emanuel e Emanuelle não morreram em vão. A minha força para falar desse julgamento vem daí. Não quero que outras mães sintam a dor que eu sinto todos os dias”.
“VOU PROVAR QUE EMANUEL E EMANUELLE NÃO MORRERAM EM VÃO”
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