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URINA PRETA: Católicos ignoram doença e vão comer peixe na Semana Santa; Igreja libera fiéis

URINA PRETA: Católicos ignoram doença e vão comer peixe na Semana Santa; Igreja libera fiéis

Por Diorgenes Xavier

URINA PRETA: Católicos ignoram doença e vão comer peixe na Semana Santa; Igreja libera fiéisDinaldo dos Santos

Muitos dos fiéis católicos, seguidores da tradição que defende a presença do peixe no almoço da Sexta-Feira Santa, se deparam este ano, em Salvador e outras cidades baianas, com uma preocupação ou, pelo menos, insegurança para adquirir e preparar o alimento.


Dessa vez, o problema não é só o preço, normalmente majorado nessa época, mas o surgimento de uma inquietante doença que faz a urina ficar preta e, tudo indica, está associada à ingestão de certos tipos de pescados.


O mal que fez mais de 70 vítimas, desde o final do ano passado até o último mês de março, provoca, também, mialgia ? fortes dores musculares ? e sua relação com o consumo do alimento passou a ser defendida por06 pesquisadores do Hospital Aliança, após os estudos dos casos de 15 pacientes, que apresentaram os sintomas.


A equipe de especialistas liderada pelo infectologista Antônio Bandeira concluiu que se trata da manifestação da síndrome de Raff, uma doença relacionada ao consumo de pescados. Dos 15 pacientes investigados, 14 consumiram peixe do tipo ‘badejo’ ou ‘olho de boi’. O único que não havia ingerido o alimento comeu abará e vatapá, que podem ter levado peixe em sua mistura.


Apesar das evidências, Bandeira minimiza as preocupações e adverte que não deve ser criado um clima de pânico. Ele explica que essa é uma situação rara, possivelmente, ligada a fatores ambientais e não deve acontecer com grande frequência. “Se a gente considerar que em um universo gigantesco de pessoas que consomem peixes, apenas, pouco mais de setenta apresentaram a doença, não há motivos para que seja recomendada a abstinência”, informou o médico ao Aratu Online.


De acordo com o infectologista, os últimos casos que chegaram ao seu conhecimento, aconteceram há, aproximadamente, vinte dias. As vítimas, duas mulheres, haviam consumido o ‘olho de boi’, em Praia do Forte, no Litoral Norte Baiano. “Elas são amigas, não se viam, há algum tempo, e a ingestão se deu durante um almoço que foi oferecido por uma delas em sua casa”, relatou.


“Não há motivo para pânico”, Antônio Bandeira. Foto: Reprodução / TV Aratu.


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Diante do panorama e com a proximidade da Sexta-Feira Santa, nossa reportagem quis saber como está a venda de peixes, em Salvador, e no último sábado (31/3) esteve no local onde funcionavam as instalações provisórias do Mercado de Água de Meninos e verificou uma intensa movimentação com a presença de boa clientela.


Ao ser questionado pelo impacto da venda dos pescados, em um momento de expectativa da alta estação, o proprietário da Peixaria Santo Antônio, conhecido como Antônio do Camarão, admitiu que a preocupação existe por parte do cliente, mas, segundo ele, estão fazendo uma grande confusão.


?A gente explica que não é o badejo que está apresentando esse problema. É outro tipo de peixe, com carne preta, que estão colocando como o badejo,? garantiu o peixeiro.



Acompanhado da esposa e sem medo de ser feliz, o securitário Carlos Eduardo, de 59 anos, aguardava que fossem tratados os dez quilos de pescados variados, que havia comprado. ?Tenho feito uso de peixe, normalmente, e não acho que ele tenha relação com essa doença?, opinou.


Dona Hildete, cabeleireira de 46 anos, estava mais desconfiada, mas não ia deixar de fazer a sua comprinha. ?Não vou mentir, dizendo que a gente não fica um pouco com a pulga atrás da orelha, mas não vou ficar sem levar o peixe da Semana Santa?, disse.


De uma só vez, Carlos Eduardo comprou 10 kg de peixe. Foto: Dinaldo dos Santos


DESCONFIANÇA NÃO AFASTA O PEIXE DA MESA


Fora do reduto de compras de pescados, o Aratu Online conversou com outras pessoas e, apesar dos receios observados, percebeu que as desconfianças delas não são suficientes para fazer com que deixem de consumir o alimento que protagoniza o ?santo almoço?.


?A gente não deixa de ficar apreensiva e, por isso, estou evitando comer badejo e olho de boi?, disse Janeide Macedo, de 50 anos. Ela é adepta do espiritismo, mas segue a tradição dos católicos. ?Nesta Sexta-Feira Santa devo preparar um vermelho ou uma corvina, porque é mais seguro?, disse.


Dona Janete Conceição, 73 anos, é evangélica, mas respeitando a crença dos filhos não vai deixar a mesa sem o pescado. ?Disseram que os peixes que estão causando essa doença são aqueles do fundo do mar. Vou comprar corvina ou cavalinha e também um pouquinho de bacalhau?, declarou.


José Reinaldo Alves de Souza, 51 anos, disse que, antigamente, seguia mais à risca a tradição, mas, ultimamente, come na Semana Santa o que tiver em casa e for mais conveniente, mas não tem nenhum tipo de temor com relação ao consumo do peixe. ?Já comi algumas vezes, depois dessa doença e não senti nada?, revelou.


Mesmo desconfiadas, as pessoas continuam consumindo peixes. [Na sequência: José Reinaldo, Edvaldo, Graça, Janete e Janeide]. Fotos: Dinaldo dos Santos


Adepta do candomblé e sintonizada com o sincretismo religioso, Graça Regina, 55 anos, lembra do preço alto do alimento e diz que só não come quando não dá para comprar, mas de sua parte não existe receio ao consumo. ?Se ficar difícil pra mim, compro uma sardinha ou vou almoçar na casa de algum parente?, comentou.


O jovem Edvaldo Miranda, 22 anos, não demonstrou preocupação com a doença da urina preta e garantiu que vai comer peixe na Sexta-Feira Santa. “Não estou com receio disso. Sei que a minha mãe vai fazer lá em casa e vou comer, sem problema algum,” afirmou.


IGREJA NÃO OBRIGA O CONSUMO


Apesar da forte relação atribuída à tradição com o catolicismo, a igreja não obriga os fiéis a consumirem o pescado na Semana Santa. Segundo o  pároco da Catedral Basílica, Lázaro Muniz, não há uma recomendação para fazer o consumo do peixe.


“A prescrição é abster-se da carne e fazer a vivência da austeridade da fé”, informou o padre, acrescentando que a orientação é para que seja feita uma experiência espiritual que nos leve a romper com coisas que nos relacione com os prazeres do mundo, no momento em que é lembrado o sacrifício de Jesus Cristo .


“A prescrição é abster-se da carne”, Padre Lázaro. Foto: Reprodução – Arquidiocese de Salvador


Ainda de acordo com o sacerdote, o peixe passou a ser muito utilizado por se tratar de uma carne branca e de pouca referência com o sangue, “mas os fiéis podem fazer uso de outros alimentos como ovos e verduras, até porque se encher de peixe é também um pecado, principalmente, da forma como é feito com muito dendê e outros acompanhamentos”, lembrou.


O padre fez questão de ressaltar que não há algum tipo de rigidez por parte da igreja relacionada ao assunto e citou, por exemplo, que existem portadores de algumas enfermidades que necessitam consumir carne e podem fazer isso sem problemas.




SESAB NÃO RELACIONA DOENÇA AO CONSUMO DE PEIXES


Apesar da conclusão apresentada pelos equipe que realizou os estudos no Hospital Aliança, a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) informou ao Aratu Online que, até o momento, não se pode fazer uma associação direta da mialgia ao consumo de peixes.


Segundo informações da assessoria de comunicação da Sesab, após resultado das análises realizadas nos Estados Unidos, constatou-se ausência de biotoxina marinha (ciguatoxina) associada às espécies de peixes envolvidas: Seriola rivoliana (conhecido como Arabaiana ou Remeiro) e Carangoides bartholomaei (conhecido por Garajuba). O que ficou evidenciado nas análises é a infecção por enterovirus em alguns casos notificados.


Ainda de acordo com a Sesab, do dia 14 de dezembro de 2016 até o dia 5 de março de 2017 foram informados 71 casos de mialgia aguda no estado. Desses, 66 foram em Salvador; 1 em Vera cruz; 1 em Dias D´Ávila; 1 em Camacã; 1 em Feira de Santana e 1 em Alcobaça.


A Secretaria esclareceu que os dois óbitos ocorridos entre o final do ano passado e início deste ano (um de Salvador e outro em Vera Cruz) não podem ser associados aos casos de mialgia, pois embora tenham apresentado os sintomas da doença, o paciente de Vera Cruz era portador de comorbidades (associação de outras doenças) e os exames do paciente de Salvador apresentaram alterações cardíacas, com histórico de trombose há 15 anos.


Concluindo, a Sesab informou que após análise desses óbitos por uma equipe multidisciplinar, verificou-se falta de indícios que assegurassem que os óbitos fossem decorrentes da mialgia.


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