EDUCAÇÃO QUE LIBERTA: Conheça a história dos presos aprovados pelo Enem e a luta que travam para ingressar na universidade
EDUCAÇÃO QUE LIBERTA: Conheça a história dos presos aprovados pelo Enem e a luta que travam para ingressar na universidade
A vida de pelo menos cinco detentos de unidades prisionais baianas começou a tomar novos rumos depois que realizaram as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) . Esses internos obtiveram boas notas e por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) foram aprovados em cursos oferecidos pela Universidade Federal da Bahia (Ufba).
Dentre eles, quatro são reclusos do Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador: dois no Centro de Observação Penal (COP), um na Penitenciária Lemos Brito (PLB) e o outro no Presídio Salvado (PS). Todos estão festejando a nova oportunidade de dar uma guinada na vida e aguardam ansiosos pela efetivação das matrículas. O problema é que ainda precisarão driblar alguns entraves antes de garantir o acesso definitivo na universidade (leia mais abaixo).
O Aratu Online foi até o Conjunto Penal da capital baiana e conheceu de perto esses personagens. Mesmo em privação de liberdade, eles pretendem retornar às salas de aulas em busca de uma graduação. A maioria concordou em conversar com a reportagem, mas foram unânimes — por vergonha, talvez — em não revelar os motivos de suas prisões.
O interno do PS obteve 920 pontos na prova de Redação. A prova vale mil pontos. Ele está inscrito no curso de Língua Estrangeira Moderna ou Clássica. Porém, E.S.C., de 28 anos, foi o único que não quis comentar o seu feito. Orientado pelo advogado, disse que devido às circunstâncias que o levaram para o presídio não seria conveniente “estar na mídia” neste momento.
Por outro lado, Osmar Santos Lisboa que está no COP, cumprindo pena de 14 anos, não titubeou em compartilhar sua alegria. Ele tem 42 anos e somou 700 pontos na Redação. Disse que gosta de escrever e, inclusive, já produziu um romance policial de 900 páginas intitulado: ?A Testemunha?. ?Estou agora escrevendo a minha segunda novela, vai se chamar ?Desafios??, revelou o interno, que aguarda confirmação de sua inscrição no curso de Administração de Empresas.
Osmar é bem articulado e até topou fazer um vídeo para o Aratu Online. Na gravação, ele conta que não esperava obter bom desempenho no Enem, devido às condições adversas do cárcere. Ele fala ainda sobre sua vida escolar, antes de chegar à prisão, e agradece a todos que lhe deram oportunidade nessa conquista.
Dono da segunda maior nota da Prova de Redação no sistema prisional da Bahia ? 860 pontos ? M.M.S., de 35 anos, vai optar pelo curso de Letras Vernáculas, apesar de também ter sido aprovado em Ciências Contábeis. Ele é interno da PLB, onde cumpre pena de 13 anos, atua como monitor de informática na unidade de ensino regular do Complexo Penitenciário e participa de atividades laborais, trabalhando na área de padaria.
O detento fez questão de relatar que a Coordenadora de Atividades Laborativas e Educacionais, Tânia Lúcia Santos, é a sua grande incentivadora. ?Logo quando eu cheguei aqui, ela foi a primeira pessoa que me aconselhou a fazer o Enem?, disse, acrescentado que sempre gostou de buscar o aperfeiçoamento através dos estudos e ficou muito feliz com a oportunidade que encontrou.
Detido há mais de 4 anos no COP, Josevaldo Barreto da Silva, 51 anos, é mais um selecionado. Ele gosta de compor músicas e, por isso, pretende fazer o curso Interdisciplinar de Artes. O interno já foi a duas audiências, mas ainda não recebeu sua sentença. Apesar da ansiedade, Josevaldo não perde a esperança de ganhar sua liberdade, nem a inspiração de continuar compondo.
Ele lembrou durante a entrevista, que, em determinada ocasião, teve a oportunidade de encontrar a dançarina e atual repórter da TV Aratu, Rosiane Pinheiro, quando lhe mostrou uma de suas composições. ?Ela disse que a música tinha a cara da Mariene de Castro?, comentou. Aproveitou também, para pedir ao repórter que mostrasse algumas de suas composições para o apresentador do programa ?Universo Axé?, Alex Lopes, na esperança de que o ?Muleke? possa lhe dar um empurrãozinho . Ouça as músicas compostas por Josevaldo:
Vitória da Conquista
No Presídio Nilton Gonçalves, em Vitória da Conquista – sudoeste da Bahia – mais um detento superou suas dificuldades e também vai ingressar na Ufba: Silvio Silva de Oliveira, de 27 anos, foi aprovado para o curso de Ciências Biológicas. Ele teve a terceira maior nota em redação, 780 pontos e foi na prisão que o interno concluiu o 2º grau, onde se tornou monitor de educação.
Inscrições nos Programas
No Complexo da Mata Escura, o processo de inscrição e acompanhamento de desempenho dos internos nos Programas de Educação é feito pela Coordenação Educacional Laborativa das unidades. No caso do COP, onde não acontecem atividades laborais, o Serviço Social se encarrega da função. ?Como aqui não tem oficinas, eu abracei essa demanda. Quando o Enem deu inicio às inscrições, divulguei nas galerias e depois organizei reuniões com aqueles que manifestaram interesse, para explicar como acontece o processo?, explicou a assistente social, Michele Pimenta.
Reunir a documentação exigida para a matrícula dos detentos não é tarefa fácil. Afastados do convívio social, fora da prisão, muitas vezes, eles possuem pendências que não tiveram oportunidade de resolver. No momento desta entrevista Michele tinha uma missão complicada: ela precisava, com certa urgência, providenciar uma segunda via do Certificado de Conclusão Escolar e outra da Carteira de Reservista de Josevaldo Barreto.
Ensino Regular
Nem todos os presidiários que chegam às unidades prisionais tiveram a oportunidade de frequentar a escola. Muitos nem concluíram o nível fundamental. Porém, no Complexo da Mata Escura, eles dispõe de uma unidade de ensino regulamentar, vinculada à Secretaria de Educação do Estado, onde podem recuperar o tempo perdido.
O Colégio Professor George Fragoso Modesto funciona em três turnos na modalidade EJA (Educação de Jovens e Adultos), em parceria com a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap). De acordo com a diretora pedagógica, Maria das Graças Barreto, a escola encerrou o ano letivo de 2015 com 1160 alunos. ?A gente percebe que há um interesse muito grande dos internos e temos percebido um avanço no desempenho deles, mesmo com a condição de privação. Tem pessoas que chegaram aqui sem saber ler e escrever e hoje conseguiram evoluir bastante?, relatou.
Entrave no acesso à Universidade
O clima de comemoração é grande entre os selecionados e pode se estender ainda mais. De acordo com a Seap, neste ano, 913 detentos fizeram provas do Enem. Ao todo, 163 foram inscritos no Sisu e o número de aprovados pode aumentar com a segunda chamada.
No entanto, um pequeno entrave preocupa os selecionados. Como esses presos não cumprem pena em regime aberto ou semi-aberto, eles ainda terão que aguardar a decisão de um juiz da Vara de Execuções Penais, que deverá avaliar a viabilidade das saídas dos internos de suas unidades prisionais.
Segundo o advogado criminalista Rafael Porto, a Constituição Federal e a própria Lei de Execução Penal (LEP) garante o acesso do detento à educação. ?Inclusive, essa é uma ferramenta importante no processo de remição de pena, já que a cada 12 horas dedicadas ao estudo, um dia é reduzido no cumprimento da sentença?, considerou.
Porém, o advogado ressaltou que não existe um dispositivo indicando que o Estado garantirá este acesso. Ele disse, ainda, que uma simples deficiência na questão da logística, durante a retirada do preso, pode inviabilizar o deslocamento. ?Isso envolve, também, idas em bibliotecas da Universidade, realização de estágios, provas e outras situações?, pontuou Porto.