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Trabalho infantil: a história da mulher que venceu após ser explorada na infância

Trabalho infantil: a história da mulher que venceu após ser explorada na infância

Por Diorgenes Xavier

Trabalho infantil: a história da mulher que venceu após ser explorada na infânciaMonica Vasku / Aratu Online

Simples, sorridente, simpática e bem articulada. Esses são alguns atributos facilmente identificados em Cleusa Maria de Jesus Santos, 47 anos, por aqueles que têm a oportunidade de conhecê-la, ainda que em uma rápida conversa. Ela preside, atualmente, o Sindicato das Empregadas Domésticas do Estado da Bahia, mas a competência que lhe credenciou ao cargo foi conquistada em meio a uma experiência sofrida, ao longo de sua infância e juventude.


Cleusa foi vítima de uma das formas mais comuns da exploração do Trabalho Infantil ? o trabalho doméstico ? que atinge principalmente as meninas e, na maioria das vezes, é confundido como um gesto de caridade ou solidariedade. Além disso, a atividade que integra a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil só é permitida para jovens maiores de 18 anos, por conta dos inúmeros prejuízos causados ao trabalhador.


O trabalho doméstico pode submeter o seu executor a riscos ocupacionais como esforços físicos intensos, isolamento, abuso físico, psicológico e sexual; além de longas jornadas. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), cerca de 10,5 milhões de pessoas em todo o mundo, a maioria das quais são menores de idade, atuam como trabalhadores domésticos, em alguns casos em condições perigosas e análogas à escravidão.


No Brasil, segundo a última pesquisa do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), o número de casos diminuiu de 325 mil, verificados em 2008 para 258 mil, no ano de 2011. A redução de 67 mil casos, em número absoluto, pode parecer significativa, mas em termos proporcionais, ela representou apenas 0,2 ponto percentual, baixando de 7,2% para 7%.


Ainda de acordo com a pesquisa, 93,7% das crianças e adolescentes inseridas no trabalho doméstico são meninas (241 mil). Os meninos somam 16 mil (confira o gráfico abaixo). Além disso, 67% do grupo é formado por negros (172.666) enquanto o número de não negros equivale a 85.026.


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Do universo desses 258 mil jovens que realizam o Trabalho Infantil Doméstico no Brasil, o estado da Bahia tem o segundo maior número de explorados. São 26.564 casos, ficando atrás, apenas, de Minas Gerais que tem 31.316. Com números significativos, aparecem, também, São Paulo (20.381) e Pará (19.309).


A difícil missão longe de casa

Cleusa contou à nossa reportagem que, aos 12 anos, vivia com mais sete irmãos, sob os cuidados da mãe: uma lavadeira, separada do marido e de condições financeiras precárias, quando foi doada para uma família que prometeu criá-la e lhe dar melhores condições de educação.


?Minha mãe achou que estava fazendo a coisa certa e que eu teria uma vida melhor?, considerou, sem demonstrar mágoas, diante daquela decisão. No entanto, ao trocar de endereço, a menina encontrou uma realidade bem diferente. ?Lá, eu lavava, passava, cozinhava e cuidava de uma criança. Era uma criança tomando conta de outra?, argumentou, dizendo que era bem mais feliz, quando podia brincar com seus irmãos. ?A gente jogava bola, brincava de gude e costumava subir em uma goiabeira que tinha no quintal da casa?.


O afastamento do convívio familiar, a falta de acesso aos estudos, além das responsabilidades precoces do trabalho, não foram as únicas mazelas da exploração experimentadas por Cleusa, que sofreu, também, com os preconceitos e o assédio moral da ?patroa?.


Ela lembra que alguma vezes foi chamada de burra e de neguinha, o que deixou marcas profundas em sua vida. O local onde a garota dormia era um depósito de coisas velhas. ?Eu me deitava em um colchão num vão onde eram guardadas coisas como botijões, livros que não eram mais usados e gaiolas de passarinhos?, relata.


Cleusa se tornou líder sindical e sua história estampou páginas de revistas nacionais. Foto: Monica Vasku

Cleusa se tornou líder sindical e sua história estampou páginas de revistas nacionais. Foto: Monica Vasku


Educação: uma nova fase na vida de Cleusa

Normalmente, a defasagem escolar das crianças submetidas ao serviço doméstico é muito acentuada e acaba comprometendo as suas perspectivas de futuro. Para Cleusa, no entanto, a vida ofereceu oportunidades de tomar atitudes que foram decisivas. Aos vinte anos de idade, influenciada por outras empregadas domésticas que conhecia, ela resolveu abandonar a casa onde era explorada e passou a trabalhar, de forma remunerada, para outra família.


Nessa nova fase de sua vida, buscou meios de alfabetizar-se e começou a estudar no período noturno. O breve contato com o aprendizado lhe permitiu conhecer o movimento sindical, que, na sua história, significou o início da mudança. ?Depois de ler um boletim informativo que recebi na rua, comecei a participar de palestras e reuniões, daí fiquei mais sabida?, comenta. No sindicato, ela encontrou também cursos de formação e acompanhamento psicológico que foram importantes na reconstrução de sua vida.


Após algum tempo, Cleusa, que conseguiu concluir o ensino médio regulamentar, com toda dificuldade que se tem para estudar e trabalhar, principalmente como doméstica, convenceu os patrões de que merecia ter um vínculo empregatício legalizado e conquistou a primeira assinatura em sua carteira de trabalho.


Com a nova condição, ela preferiu adotar um estilo de vida mais independente e passou a custear sua própria moradia. As palafitas de uma favela no bairro do Lobato, localizado no Subúrbio de Salvador, eram o cenário de sua nova comunidade. Lá, já engajada como sindicalista, engravidou de um namorado com quem acabou não convivendo.


Porém, o fruto desse relacionamento é hoje um jovem de 21 anos, que não precisou ser adotado por outra família. ?Ele ficava em uma creche no período em que eu trabalhava, conseguiu fazer o ensino fundamental, concluiu o segundo grau e está cursando uma faculdade de pedagogia?, conta de forma orgulhosa.


Cleusa já não mora nas palafitas há dez anos. Ela adquiriu um apartamento de dois quartos, incentivada por um Programa Habitacional do governo federal e se considera uma privilegiada. A líder sindical busca, agora, entre outras atividades que lhe competem, ajudar com o crescimento pessoal de outras vítimas da exploração que sentiu na pele.


 


Saiba um pouco mais sobre Cleusa:



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