Acarajé: história, preparo e onde comer o bolinho mais famoso da Bahia
De matriz africana, o acarajé é patrimônio cultural de Salvador
Por Juana Castro.
O acarajé é muito mais que um quitute. De origem africana e com profundo significado religioso, o bolinho de feijão-fradinho frito no azeite de dendê é um ícone da culinária baiana e um patrimônio cultural de Salvador e do Brasil.
Origem do acarajé: do Golfo do Benim à mesa brasileira
A história do acarajé começa no Golfo do Benim, na África Ocidental, de onde a receita foi trazida para o Brasil por imigrantes africanos durante o período da escravidão. A palavra, derivada do idioma iorubá, significa "comer bola de fogo" (akará = bola de fogo e jé = comer), uma referência direta ao mito de Xangô e Iansã, orixás do candomblé.
Segundo a tradição, Iansã, a deusa dos ventos e das tempestades, foi agraciada com a capacidade de cuspir labaredas de fogo após provar um preparado mágico. Em sua homenagem, o acarajé é ofertado aos orixás, sendo o preparo com nove bolinhos uma oferenda comum para Iansã.
Inicialmente, o consumo do acarajé era restrito a negros, escravos e pessoas de baixa renda. Sua comercialização se tornou uma fonte de renda para os terreiros, com as 'escravas de ganho' vendendo o quitute para se sustentar. Hoje, o acarajé é uma iguaria popular e um símbolo da identidade baiana.
As baianas de acarajé e o ofício sagrado
A venda do acarajé está intrinsecamente ligada às baianas, mulheres que, em sua maioria, são mães ou filhas de santo. Elas não apenas preparam a comida, mas também preservam uma tradição ancestral. O Ofício das Baianas de Acarajé foi reconhecido como Patrimônio Nacional pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 2005.
O tabuleiro, onde elas expõem o acarajé e outras iguarias como abará, cocada e vatapá, é mais que um ponto de venda. É um espaço que reflete a cultura e a fé, abrigando também objetos rituais como figas e colares de conta. A indumentária tradicional das baianas — com seus vestidos longos e brancos e panos na cabeça — é um sinal de sua religião e status social.
A receita do verdadeiro acarajé
O segredo de um bom acarajé reside na sua massa. O quitute é feito de feijão-fradinho que, após ser quebrado e hidratado, é triturado em moinho ou liquidificador. A massa, temperada apenas com cebola e sal, é batida vigorosamente para incorporar ar, garantindo que o bolinho fique macio por dentro e crocante por fora após a fritura.
O preparo final é feito em um tacho de azeite de dendê. As baianas, moldam os bolinhos e os colocam para fritar. Para servir, o bolinho é cortado ao meio e opcionalmente recheado com vatapá, salada, camarão seco e, para quem gosta, pimenta. Em vídeo disponível no YouTube, a chef baiana Lili Almeida e Elaine Assis, filha da lendária Dinha do Acarajé, ensinam a fazer a receita tradicional e reforçam que a iguaria é "uma comida sagrada e oriunda de matriz africana".
Confira abaixo os ingredientes e o modo de preparo do acarajé:
- Hidratar o feijão-fradinho quebrado em água por algumas horas (hoje em dia já há possibilidade de comprar a massa pronta);
- Triturar o feijão com cebola e sal até obter uma massa consistente;
- Bater a massa para aerar;
- Fritar colheradas da massa em azeite de dendê quente;
- Pode servir recheado com vatapá, camarão, salada, caruru e/ou pimenta.
Influenciador nigeriano viraliza ao comer acarajé em Salvador
Em junho, o influenciador nigeriano Jamal Capable viralizou nas redes sociais após ele compartilhar a emoção ao provar o acarajé em Salvador. A experiência culinária tocou profundamente o criador de conteúdo, que associou o prato à sua infância e juventude na Nigéria, especialmente por ele ser do povo yorubá, cuja cultura tem forte presença na Bahia.
No primeiro vídeo, publicado no dia 22 de junho, Jamal aparece surpreso ao encontrar a iguaria que se assemelha ao “akara elepo”, bolinho de feijão frito típico de seu país. “Eu encontrei o akara nigeriano na Bahia, Brasil. Eles chamam de acarajé”, escreveu na legenda.
Na gravação, ele descreve a experiência como uma das mais impactantes de suas viagens: “Esse é o maior choque da minha trajetória como viajante nigeriano, assim como yorubá. Você não consegue imaginar ver isso. Isso é 'akara elepo'. A última vez que comi foi talvez há duas décadas, quando eu era bem pequeno e minha avó fazia akara ou a gente comprava na rua. Não lembro a última vez que comi isso.”
Encantado com os sabores, ele comenta os detalhes do prato: “Estou no Brasil, Bahia, pra ser exato, e eles estão fazendo acarajé fresco. Isso é insano. É tão empolgante. Nunca vi algo assim em minhas viagens até agora. Eles colocam camarão dentro, pimenta por cima…”.
Jamal ainda brinca sobre o sabor do prato: “Isso é moi moi [ou moin moin, prato semelhante ao abará]. Eu sei que não é, mas tem um gosto ótimo. Quando você me vê mordendo isso e tendo essa reação, prometo que é real. Estava tão gostoso que eu não via a hora de voltar pra Bahia, Brasil, só pra comer 'akara'. É por isso que eu nunca posso ser pobre, de verdade.”
Veja abaixo um dos vídeos:
Onde comer acarajé em Salvador?
Em Salvador, o acarajé é um patrimônio cultural e está quase em cada esquina. Um dos mais tradicionais é o da saudosa Dinha, no Largo de Santana, que hoje é comandado por sua filha, Elaine Assis. O local, situado no Largo de Santana - que é mais conhecido, inclusive, como "Largo da Dinha" - no Rio Vermelho, é uma parada obrigatória para turistas e moradores.
Outros pontos de destaque incluem os tabuleiros da Cira, em Itapuã, e da Regina, na Graça, conhecidos por manter a tradição e a qualidade do quitute baiano.
Veja abaixo alguns pontos para se deliciar com um acarajé:
- Acarajé da Dinha:
Rua João Gomes, Largo de Santana, Rio Vermelho;
Rua Arthur de Azevêdo Machado, 3447, Costa Azul (Supermercado G Barbosa) - Acarajé da Meire:
Av. Dom João VI, 487, Brotas (em frente à Farmácia Santana); - Acarajé da Cira:
Av. Aristides Milton, Itapuã (em frente à Ladeira do Abaeté) - Acarajé da Regina:
Largo de Santana, Rio Vermelho;
Rua da Graça, s/nº, em frente ao Colégio Sartre, Graça. - Acarajé de Dona Emília:
Largo do Porto da Barra - Acarajé da Olga
Rua Professor Jairo Simões (na rua da Unifacs), Imbuí - Exagero de Acarajé (acarajé de 1kg):
Rua Ladeira da União, n°4, Engenho Velho de Brotas - Acarajé da Lu:
Rua Armando Taváres, n° 2 – Vila Laura - Acarajé Porreta:
Rua Luis Anselmo, n° 4, Matatu - Acarajé da Chica:
Avenida Manoel Dias da Silva, Praça Brasil, Pituba - Acarajé da Mary:
Praça da Sé, Pelourinho - Binha da Liberdade (acarajé de 1kg):
Ladeira São Cristovão, n° 65, Liberdade
Bolinho de estudante: a sobremesa amiga do acarajé
Doce de tapioca com coco, açúcar e canela, também é frequentemente vendido no tabuleiro das baianas, assim como o acarajé. Seu nome surgiu porque, antigamente, o quitute era vendido nas portas das escolas, conquistando gerações de crianças e jovens. A curiosidade é que, em algumas cidades, ele é conhecido como "punhetinha".
As receitas do bolinho de estudante e de outros doces típicos da Bahia estão disponíveis no Aratu On.
Acarajé e outras comidas baianas nas festas populares
É quase impossível falar de cultura baiana sem ao menos citar a gastronomia da terra de todos os santos. Do milho como queridinho nas festas juninas às oferendas aos orixás, a comida é um elemento central que une religiosidade e celebração em diversos eventos ao longo do ano. Mais que sabores, os pratos carregam histórias e tradições.
Então... o que se come nas festas populares?
No 2 de fevereiro, Dia de Iemanjá, a culinária tem papel mais que simbólico. As oferendas à Rainha do Mar incluem pratos como o acarajé e o abará, mas a divindade também aprecia pratos à base de arroz e de milho, como o arroz doce e a canjica cozida no leite de coco. Outras opções populares são a cocada mole e o manjar de coco com calda de ameixa ou de pêssegos, além de, claro, frutas e flores que também compõem as cestas levadas ao mar, em um gesto de fé e gratidão.
Quando chega setembro, o baiano já anuncia que está aberta a temporada de aceitar convites para carurus. É que no dia 27 do mês o prato é o carro-chefe do Dia de São Cosme e São Damião, conhecidos como “santos gêmeos”, no catolicismo, ou ibejis, no candomblé.
A tradição popular, inclusive, diz que a iguaria deve ser servida primeiro a sete crianças. Por isso, a prática é conhecida como “caruru de sete meninos”. E quem encontrar um quiabo inteiro no prato deve oferecer um caruru completo no ano seguinte, com direito a vatapá, xinxim, feijão fradinho, acarajé, entre outros acompanhamentos.
Cabe ressaltar que em setembro de 2024 o caruru de São Cosme e São Damião se tornou patrimônio imaterial da Bahia. O título ao prato feito com quiabo, camarão seco e azeite de dendê foi aprovado por unanimidade pelo pleno do Conselho Estadual de Cultura (CEC).
*Com informações da Fundação Palmares
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