HISTÓRIAS OLÍMPICAS: “Bati na trave quatro vezes até participar da minha primeira Olimpíada”, diz Luiz Dórea
HISTÓRIAS OLÍMPICAS: “Bati na trave quatro vezes até participar da minha primeira Olimpíada”, diz Luiz Dórea
A contagem regressiva continua. Faltam 18 dias para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. E nesta segunda-feira (18/7), o Aratu Online embarca na série ?Histórias Olímpicas?– que traz breves relatos resgatando o valor de cada competição, de cada conquista dos atletas baianos que participaram direta ou indiretamente de uma Olimpíada.
Quem abriu a série foi o ex-nadador Edvaldo Valério, responsável por fechar o revezamento 4×100 m livre, em Sydney, na Austrália, nos Jogos de 2000.
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Desta vez, quem revela a experiência é o treinador de boxe, Luiz Dórea, referência nacional e mundial quando o assunto em pauta é a nobre arte. Pelas mãos do ex-pugilista, já foram revelados mais de 100 atletas. Difícil elencar tantos, mas vamos citar alguns, entre eles: o ex-campeão mundial Acelino “Popó” Freitas, a pugilista Adriana Araújo, primeira brasileira a conquistar uma medalha (bronze) em Jogos Olímpicos.
Este texto foi transcrito pelo repórter Diego Adans a partir do relato de Luiz Dórea.
Aproveite e? Boa leitura!
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Meu nome é Luiz Carlos Dórea. Sou filho de dona Maria da Natividade, a Mariinha, e de seu Ezequiel, o velho Zica. Minha história no esporte começou bem cedo. Desde criança, sempre fui muito agitado e treinava boxe.
Mas vou pular logo para os 19 anos, quando fui Campeão Brasileiro Junior. Foi o primeiro título nacional no esporte conquistado por um baiano. O tempo passou e, em 1990, meu treinador Gilberto Oliveira morreu. Ali, naquele momento foi o divisor de águas da minha vida. Sofri muito com a perda, mas resolvi montar minha própria academia: a Champion. Enxergava que podia fazer muito pelo meu bairro, pelas crianças… Na mesma época, lancei o projeto Campeões da Vida (que já atendeu mais de 6 mil adolescentes e formou dezenas de pugilistas).
Dessa academia, meu primeiro fruto foi o Luiz Cláudio Freitas, irmão de Popó. É com ele que começa minha primeira relação com os Jogos Olímpicos. Por quê? Acontecia o seguinte… Eu era seu treinador e técnico da seleção baiana de boxe. O treinei para as competições estaduais, regionais, nacionais… Em 1991, ele pegou seleção (brasileira de boxe) e foi para o Pan Americano em Cuba.
Lá, o Luiz Cláudio foi bronze (peso mosca). Maravilha!! No ano seguinte, foi a vez da Olimpíada de Barcelona, na Espanha. Conseguimos colocá-lo novamente. Só que eis a questão: eu fiquei de fora. Fiz toda, toda, toda preparação com ele, mas como eu não fazia parte da seleção brasileira… Não podia ir.
Infelizmente, para mim, para minha tristeza, essa mesmo desfecho de história prosseguiu por mais alguns anos, por mais edições de Jogos Olímpicos. Em 1995, o Acelino ‘Popó’ Freitas ( irmão do Luiz Cláudio e tetracampeão mundial por duas organizações diferentes: dois títulos pela categoria super-pena e dois como peso-leve) já era meu aluno, já treinava na Champion. Fomos para o Pan Americano em Mar del Plata, na Argentina. Mas nos Jogos Olímpicos de Atlanta (96), nos Estados Unidos, ele já tinha se profissionalizado. Não mandamos nenhum baiano para as Olimpíadas naquele ano. Eu, novamente, fora da seleção brasileira.
Os anos passam e novas promessas vão surgindo na Champion.
Desta vez, foi o Kelson Pinto. Antes de se profissionalizar, em 2000, Kelson tinha disputado 98 lutas como amador vencendo 94, 60 delas por nocaute. Era certo! Colocamos ele na equipe que foi para a edição dos Jogos Olímpicos de Sydney, na Austrália, em 2000. Mais uma vez, como eu não integrava a equipe da seleção brasileira, não podia ir.
Só se eu bancasse minha própria ida, com passagens, hospedagem, alimentação… Era inviável. Eu até brinco com essa situação (risos). Digo que: ‘trabalhava, trabalhava, trabalhava e na hora de comer o filé, era barrado’. Ao mesmo tempo, era uma frustração muito grande. Fazia todo um trabalho, um preparo, um acompanhamento e na hora ‘h’… outro treinador ficava no corner com meu atleta. Realmente, ficava chateado (Dórea respira fundo e prossegue o relato).
Mas como dizem, né? Tudo tem seu tempo.
A partir de 2000, aí, sim, as coisas começaram a melhorar. Fui convocado para, finalmente, integrar a seleção brasileira de boxe, onde fiquei até 2008. Neste intervalo aí, colocamos diversos pugilistas baianos na equipe verde amarela.
Em 2004, na Olimpíada de Atenas, na Grécia, de uma só vez foram da Bahia: o pena (até 57 kg) Edvaldo Oliveira, o Badola (único brasileiro a vencer uma luta em Atenas) ; o meio-médio-ligeiro Alessandro Matos (64 kg) e o meio-pesado Washington Silva (81). Agora, olha só a situação: faço parte da seleção, aguardo ansiosamente para ir à minha primeira olimpíada e não vou! (risos). Pois é… enfrentei problemas burocráticos com passaporte, tinha também no mesmo período dos Jogos em Atenas, um luta do Rodrigo Minotauro, que, na época, disputava o título do Pride (evento internacional de MMA, sucesso no Japão). Não fui mais uma vez.
Somente, em 2008, em Pequim, na China… Enfim, pude ir à minha primeira Olimpíada.
Uma palavra resume essa experiência: perfeição. É claro, que dentro do ringue, não obtivemos os resultados esperados. O Paulo Carvalho (48kg) e o Whasington Silva (81kg) chegaram a disputar o bronze. Mas não deu… na época, algumas situações me marcaram.
Primeiro, a eliminação do Robson Conceição (57kg). O destino colocou ele para lutar logo com um chinês… Aí, já sabe, né? Ele acabou eliminado… Naquele momento, meu coração ficou despedaçado. Por que quando chegamos na China, o Robson não queria comer e ele estava abaixo até mesmo do peso dele para a luta. Tinha que ficar do lado dele cobrando: ‘bora, rapaz…come!’ Era uma gozação danada. Na luta, ele foi visivelmente superior ao rival e não venceu.
Ainda tinha uma coisa… como agora eu era técnico da seleção brasileira, só podia deixar a Olimpíada após o encerramento. Já os pugilistas, quando perdiam tinham que ir embora. Toda despedida, meu coração se partia… Na frente deles (pugilistas), fazia o papel de durão: ‘ É isso aí, você vai superar isso! Bola pra frente!’. Mas, quando ficava sozinho no quarto para dormir, a tristeza chegava. Passava um flashback de toda a história de vida de cada um deles, afinal, os considero como meus filhos. Então era duro, um pai ver o filho chorando após ser eliminado.
Outro coisa marcante foi a questão cultural. O país parou. Você pensa que está em casa. Eu não sabia uma palavra em mandarim, mas não tive problema algum com isso. Toda delegação tinha um tradutor que ficava conosco o tempo todo. Organização nota mil. Antes mesmo do início dos Jogos, já se tinha definido os horários dos treinos, passeios, janta, almoço. Por falar em comida, lembrei-me de outra coisa. Eu, nascido e criado no bairro da Cidade Nova, acostumado em comer aquele churrasco no espeto, um mistão de carne, frango e calabresa … chega lá e se depara com churrasco de escorpião, gafanhoto, barata. Primeiro, que era não cheirava e, sim, fedia. Até hoje, dá ânsia de vômito (risos). Mas, em resumo, minha primeira olimpíada foi inesquecível.
Em Londres 2012, já não integrava mais a seleção, mas nem por isso, os Jogos deixaram de ser especiais para mim. Afinal, minha aluna por 12 anos, Adriana Araújo, na primeira participação do boxe feminino nos Jogos Olímpicos, fez história e conquistou a medalha de bronze na categoria peso leve (até 60 kg). Foi sensacional. Quanto mais quando ela se lembrou de mim ainda no ringue ao dizer que “estava feliz de ser brasileira, ter feito história… e no fim, ter me agradecido por tudo que fiz por ela?. Agora, no Rio de Janeiro, irei como espectador e espero, que, novamente, façamos história nos ringues. Torço para que apesar dos pesares, tudo dê certo!