Consciência Negra no Esporte: atletas baianas mostram força e conquistam o mundo
Conheça as histórias de três atletas baianas que mudaram os próprios destinos e se tornaram exemplos no esporte
Quando o Barão Pierre de Coubertin trouxe os Jogos Olímpicos à modernidade, a imagem do herói da antiguidade foi levada ao esportista moderno, que supera os limites físicos para levar o corpo humano ao extremo. Nos anos seguintes, esta filosofia foi ampliada, com o esporte se tornando o caminho de mudança e superação de desafios sociais, tornando os praticantes exemplos da igualdade do ser humano em todo o mundo.
Dentro disso, barreiras foram superadas ao longo dos anos e quebraram paradigmas que segregavam a humanidade em diferentes aspectos. Em um primeiro momento, mulheres foram adicionadas timidamente ao contexto esportivo e derrubaram gradativamente a narrativa de que o gênero não tinha capacidade de atuar em exercícios físicos de alto rendimento. Logo depois, foi a vez das barreiras raciais serem desafiadas a cada novo ciclo, tornando-se um dos caminhos de combate ao preconceito.
Neste contexto, o Aratu On traz a trajetória de três atletas negras baianas, de diferentes modalidades, para mostrar muito mais do que apenas suas histórias. Estas competidoras foram além de suas trajetórias pessoais e inspiram outros indivíduos, além de elevar comunidades que antes eram alvo de preconceitos e exclusão social.
Mary (Remo)
“Já passei fome, perdi minha mãe e quatro irmãos. Sofri para caramba, mas esse sofrimento foi o que fez eu crescer”, afirma Marilene Barbosa, a Mary, remadora que superou obstáculos na vida e no esporte, tornando-se uma referência em uma das modalidades mais tradicionais de Salvador.
“Fui a primeira mulher a remar. Naquela época, a mulher não remava. Sou cinco vezes campeã brasileira, já representei a Seleção Brasileira e hoje sou campeã mundial de Masters”, celebra a atleta, que atua no tradicional clube São Salvador e usa a experiência de vida e no esporte para formar atletas em um projeto social, buscando dar um novo significado à vida dos alunos.
“Muito mais que atletas, quero formar cidadãos de bem. Mais o meu querer é muito, meu coração é grande. Hoje tenho mais de 40 filhos. Um só é biológico, mas os outros são todos filhos, que eu trato da mesma forma. O que digo a um, digo a todos”, diz Mary, que cobra dos alunos o respeito e as obrigações perante à 'família' como ideais a se seguir.
“O pouco que ganho, eu divido com eles. Cobro escola, o respeito com a mãe, que ajude em casa… que respeite a entidade de remo e se cobre, além de cobrar aos seus colegas o mesmo”, diz ela, emocionada.
Formadora de atletas e cidadãos, Mary se torna um exemplo para os jovens da região da Ribeira e de toda a Salvador, sempre lembrando que superou obstáculos por conta do gênero e da cor da pele, para mostrar o próprio valor dentro e fora das águas.
“Implorei para poder remar. Os dirigentes não queriam, eram contra as mulheres remarem. Mas, depois da primeira vitória, ninguém mais duvidou de mim”, concluiu.
Camila Lima e Luciana Costa (Canoagem)
Antes de Isaquias Queiroz, a cidade baiana de Ubaitaba já figurava no cenário mundial da canoagem. Isso por conta do ímpeto e da perseverança de duas atletas negras da cidade que, como dupla, ganharam destaque no Brasil e fora dele.
Camila Lima e Luciana Costa estão juntas há 24 anos e foram as primeiras brasileiras a conquistarem medalhas em um mundial da modalidade. Para chegar lá, as duas enfrentaram dificuldades na vida e no que diz respeito ao reconhecimento da modalidade no estado.
“A canoagem salvou a minha vida. Por tudo que vivi da minha infância, das dificuldades que tive, devo tudo à canoagem”, se emocionou Camila, em entrevista ao Aratu On em 2023. Na oportunidade, as duas contaram um pouco de suas trajetórias e da batalha que tiveram para chegar até o mundial.
“Tivemos problemas para conseguir um patrocinador local, pois muitos não nos reconheciam como atletas e não acreditavam que poderíamos chegar tão longe”, afirma Luciana. Esta não foi a primeira vez que as portas se fecharam para as duas. No ano passado, elas foram barradas ao tentarem tirar um visto para disputar um torneio nos EUA.
“Não tínhamos dinheiro, fomos para o Rio de Janeiro com meu cunhado, que era carreteiro. Chegamos lá, pagamos R$ 300, fizemos entrevistas e tivemos os vistos negados. Voltamos para cá e, um dia depois, nos contataram para dizer que existiu um erro, que era para voltarmos. Mas não tínhamos mais dinheiro e não pudemos voltar”, lamenta Luciana.
Diferente do desejo de competir nos Estados Unidos, desta vez a solidariedade de outros conterrâneos as levou para a Polônia, onde conquistaram uma medalha de bronze.
“Nossa modalidade não era olímpica, a Confederação não podia nos dar o apoio de passagem e alimentação. A prefeitura da nossa cidade, na época, nos confirmou o apoio. Mas, faltando 15 dias para a viagem, eles voltaram atrás e disseram que não poderiam nos ajudar por corte de gastos. Uma pessoa que assistia nossos treinos nos recomendou ir à Sudesb, e fomos a Salvador na cara e na coragem. Chegamos lá, contamos nossa história, e uma pessoa de lá que era de nossa cidade se comoveu, e conseguimos falar com o secretário. Ganhamos a passagem e alimentação, fomos pra Polônia e ficamos em terceiro”, comemora Camila.
Hoje, as duas ainda disputam provas como atletas e também exercem cargos de dirigentes. Enquanto Camila é presidente da Federação Baiana de Canoagem (Febac), Luciana é vice-presidente da Confederação Brasileira de Canoagem (CBCa). Mesmo assim, as duas não deixaram suas origens de lado e criaram um projeto que ajuda e ensina novos canoístas, o Remando em Águas Baianas, com mais de 400 crianças em diversas cidades.
“A gente pode comparar nosso centro de canoagem com os grandes centros da Europa. Hoje, temos galpão de barcos, refeitórios, vestiários, academia”, diz Luciana.
Todo este esforço tem dado resultado e levado outros conterrâneos à conquista de títulos. É o caso de atletas como Isaquias Queiroz, Erlon de Souza, Felipe Santana, Valdenice Conceirão e Lorrane Santos, de apenas 14 anos.
“Lorrane não só treina e tem resultados, como também não deixa de estar com sua família, ajudando e melhorando a vida de todos ao seu redor. O esporte transforma”, conclui Luciana.
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