Após 7 anos, māe de bebê morto em naufrágio ainda aguarda por justiça: 'A de Deus não falha'
Morando em Mar Grande, na Ilha de Itaparica, Ana Paula Monteiro segue a vida trabalhando e cuidando da criação de mais dois filhos
A vida não tem sido fácil para Ana Paula Monteiro. Amanhã, 24 de agosto, faz sete anos que ela perdeu seu filho, o pequeno Davi Gabriel. À época, seu bebê de apenas seis meses, foi vítima marcante de um emblemático naufrágio que ocorreu na Baía de Todos-os-Santos.
Recentemente, há pouco mais de quatro meses, o pai de Davi, Renivaldo Coutinho, morreu acometido por um câncer linfático. A perda do companheiro aumentou a dor de Dona Ana Paula, pela ausência de mais uma pessoa da família, junto à morosidade da conclusão dos processos judiciais que poderiam aliviar o sofrimento dos envolvidos na tragédia marítima.
Morando em Mar Grande, na Ilha de Itaparica, ela segue a vida trabalhando e cuidando da criação de mais dois filhos: uma garota de 11 anos, sobrevivente do naufrágio, e um adolescente de 16. Ana Paula é autônoma e trabalha como confeiteira. A condição, porém, não lhe dá garantias de estabilidade financeira. "Encomenda de bolo, a gente não tem direto. Tem mês que é bom e tem mês que não é!", disse ao Aratu On.
Antes de estar viúva, Ana Paula tinha a ajuda do marido, que trabalhava com estofamentos, além de polimento e lavagem de carros. Somente Davi era fruto do seu último casamento, mas ela contou que o companheiro não fazia distinção entre as crianças. "Ele sempre abraçou os meus dois filhos. Tá sendo difícil, sem ele! É difícil não ter ele aqui! Era mais ele quem segurava as pontas em casa!", lamentou.
No dia 24 de agosto de 2017, o registro da imagem de Davi, sendo levado no colo de um socorrista do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), passou a fazer parte da triste memória do trágico acidente com a Cavalo Marinho I, uma das lanchas que fazia a travessia entre Salvador e Mar Grande, no município de Vera Cruz.
[caption id="attachment_369178" align="aligncenter" width="700"] Lancha Cavalo Marinho I. Foto: Cedoc/TV Aratu[/caption]
Ao todo, 116 passageiros, além de quatro tripulantes, estavam na embarcação, naquele dia. Entre eles, 20 pessoas morreram – 19 por conta do afogamento e uma em consequência da depressão, supostamente, adquirida, a partir dos traumas acumulados depois da ocorrência.
Apesar da demora, Ana Paula se mantém firme na busca por justiça. "Eu continuo acreditando! Se a da terra falhar, a de Deus não falha!", disse. Contudo, os processos que tramitam no âmbito jurídico teimam em se distanciar de um ponto final.
O escritório de advocacia que defende os interesses dela está cuidando de 25 ações indenizatórias, relacionadas com o acidente. Nelas estão 36 autores, incluindo sobreviventes e familiares de vítimas. São indicados como réus, a C.L. Transportes marítimos Ltda, responsável pela embarcação; a União Federal, pelas responsabilidades da Marinha do Brasil; e a Agerba, agência reguladora de transportes no estado da Bahia.
RECURSOS DE SENTENÇAS
Representante da defesa, José Orisvaldo Brito informou à nossa reportagem que, das 25 ações distribuídas, até o momento, ocorreram sentenças em 14 processos, com condenação solidária entre os 3 réus. Os valores variam entre R$ 20 mil (em juizado federal) a R$ 50 mil (em varas federais), além de indenizações, e uma sentença de R$ 300 mil, em virtude da morte de um dos passageiros.
No entanto, conforme o advogado, as sentenças pronunciadas, ainda, não refletiram em execuções. "Dos 14 processos julgados, 10 deles foram remetidos para o 2º grau para julgamento dos recursos e os demais aguardam a remessa pelo cartório para o 2º grau", explicou.
[caption id="attachment_369159" align="aligncenter" width="700"] Advogado, José Orisvaldo Brito defende 25 ações. Foto: Aratu On[/caption]
Fazendo uma comparação com a situação até agosto de 2023, Brito informou que houve um pequeno crescimento no número de decisões judiciais: "Tínhamos, no ano passado, 9 sentenças prolatadas. De lá até hoje houve mais 6. Aumentou [também] o número das ações enviadas para o segundo grau. Antes eram apenas 3 remetidas, hoje são 10 ações pendentes de julgamento no 2º grau", complementou.
Os pedidos protocolados pela defesa em benefício das vítimas e familiares, pontuou o advogado, envolvem pagamentos por danos materiais, em razão das perdas econômicas no momento do acidente; danos morais, decorrentes do trauma vivido pelos sobreviventes e familiares das vítimas; além do pagamento de pensões em casos específicos.
DEFENSORIA PÚBLICA
Outra parte das ações foi movida pela Defensoria Pública da Bahia. Em nota, a DPE informou que as tramitações seguem, desde o ano de 2017. Contudo, em 2023, quando já havia sido concluída toda a fase instrutória, com a realização de diversas perícias e audiências, no momento em que os processos já se encontravam prontos para julgamento, o judiciário de Itaparica proferiu decisão de ofício declinando a competência de todas as ações para a justiça federal.
Segundo a DPE, foi acatado o argumento dos réus de que haveria interesse da União nos feitos e os processos foram remetidos para a seara Federal, sem sequer intimação prévia. Não conformada com essa decisão do juízo, a DPE de Itaparica, responsável pelo acompanhamento dos processos, interpôs 24 recursos contra as decisões e requereu ao TJ-BA a manutenção dos processos na justiça estadual, ainda pendente de decisão definitiva.
A questão da competência para processamento e julgamento dessas ações indenizatórias, conforme a nota, ainda não se encontra definida em todas as instâncias e, somente após o julgamento dos recursos interpostos pela DPE, os processos retomarão seu curso de onde pararam.
A DPE salientou, ainda, que além dessas ações indenizatórias, existe também a ação criminal contra os réus, em trâmite na comarca de Itaparica. Ela está conclusa para sentença, há 2 anos, mas sem movimentação. Todas as audiências e atos instrutórios também já foram realizados nesta ação penal, encontrando-se pronta para julgamento há mais de 2 anos.
A Defensoria acrescentou que está imprimindo todos os esforços para agilizar o andamento dos processos e cumpriu de forma diligente com todas as suas responsabilidades. Contudo, essa discussão sobre competência e a interposição de recursos pelas outras partes são aspectos processais e procedimentais que precisam aguardar a decisão do Poder Judiciário no feito. Todas as medidas jurídico-processuais, salientou, foram tomadas para que os processos sejam julgados na justiça estadual o mais rápido possível.
IMBRÓGLIOS JUDICIAIS
Além dos recursos impetrados pelas defesas dos réus, outras situações acabaram retardando o andamento dos processos. Durante três anos, desde o acidente, as ações estiveram travadas na justiça, até que o Tribunal Marítimo (TM), especializado em julgar ocorrências da navegação, concluísse esse processo.
[caption id="attachment_369314" align="alignnone" width="600"] Foto: Ascom/TM[/caption]
Porém, de forma surpreendente, mesmo na fase mais crítica da pandemia, o julgamento aconteceu e foram conhecidos os primeiros responsabilizados pela tragédia.
No dia 20 de agosto de 2020, os juízes do TM decidiram que o naufrágio foi decorrente do dolo eventual do engenheiro naval responsável pela embarcação, Henrique José Caribé Ribeiro, do proprietário da Cavalo Marinho I, Lívio Garcia Galvão Júnior, e da empresa CL Empreendimentos EIRELLI-EPP.
A equipe de reportagem do Grupo Aratu tentou entrar em contato com os acusados, mas não obteve êxito até a publicação desta matéria.
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