Salvador perdeu mais de 100 linhas de ônibus em 4 anos, indica estudo; entidades cobram recomposição
O movimento visa pressionar o prefeito Bruno Reis (União) a reverter a situação, reinstalando parte das linhas desativadas e modernizando a frota de ônibus
Organizações da sociedade civil de Salvador lançaram uma campanha para pressionar a prefeitura a reverter os cortes e reduções de itinerário de 134 linhas de ônibus na cidade (veja aqui), identificados desde 2020 por pesquisadores do transporte público. A ação acontece em meio à crise na mobilidade urbana, apontada pelo prefeito Bruno Reis (União) como o principal problema da capital baiana.
O movimento reivindica reinstalação de parte das linhas desativadas, além da modernização e recomposição da frota da capital, que teria perdido 700 ônibus em 10 anos – a pesquisa aponta que, entre 2013 e 2024, houve queda de 2.500 veículos para cerca de 1.700, o que representa redução de 32%. “Quando você vai pegar o ônibus e demora de passar, é também por conta disto”, critica o doutor em Arquitetura e Urbanismo Pablo Florentino, pesquisador pelo Instituto Federal da Bahia (Ifba).
Ele capitaneou o estudo junto ao Observatório da Mobilidade de Salvador (Obmob), entidade da qual é coordenador. O grupo aponta, ainda, que os cortes das 134 linhas de ônibus foram identificados, principalmente em áreas periféricas da capital baiana. A pesquisa foi feita em parceria com jornalistas e outros especialistas em mobilidade urbana.
Segundo Florentino, as reduções vêm acontecendo desde 2013. No entanto, a partir de 2020, se tornaram “mais gritantes” em função da inauguração do BRT, em 2022. “A prefeitura fez cortes errôneos e equivocados nessas linhas, ao invés de pensar num sistema de alimentação do metrô, de integração e que considere o tempo de espera do passageiro nas estações e nos pontos”, analisa, em entrevista ao Aratu On.
Para a coordenadora do Obmob, Erica Telles, caso não haja recomposição das linhas num curto prazo, Salvador ficará “imóvel, degradada e ainda mais desigual”. "Essa situação vem agravando o quadro de pobreza e segregação, além de obrigar parte da população a gastar com transporte individual", afirma, em conteúdo enviado ao Aratu On pela assessoria de comunicação do Obmob.
Doutor em Engenharia de Transportes e líder do Centro de Estudos de Transportes e Meio Ambiente da Universidade Federal da Bahia (Cetrama/Ufba), Juan Moreno Delgado relembra que, em 2024, mais de R$ 205 milhões do orçamento municipal podem ser destinados ao subsídio do transporte público – movimento que aconteceu também em 2023, em razão de autorizações concedidas à prefeitura pela Câmara de Vereadores.
Ele alerta que o sistema atual possui 60% menos usuários em comparação com a década de 1990, resultando em “crescente imobilidade urbana”. "A população não sai mais dos seus bairros ou tem de se aventurar sobre mototáxis para poder acessar serviços e trabalhos. Muitos se endividam usando os carros por aplicativos que não são uma forma sustentável de deslocamento, mas tem sua demanda ampliada. Enquanto isso, os rodoviários são demitidos”, afirma Delgado.
Na visão de Florentino, o atual traçado do BRT é um dos gargalos para este problema. “Não torço contra o BRT, mas acho que esse BRT que temos é um projeto equivocado. O Plano de Mobilidade tinha, ao menos, sete projetos de BRT em regiões com maior demanda por ônibus, mas a prefeitura priorizou este. No entender de vários estudiosos, e me incluo nisso, não é um local que tinha essa demanda”, opina.
Para o pesquisador, diante deste cenário, é necessária reformulação completa do sistema de transporte público e das linhas de ônibus da cidade. “Existem várias linhas problemáticas há décadas em Salvador”, denuncia.
As organizações que subscrevem a campanha incluem, além do Observatório da Mobilidade de Salvador, Buzu Ponto Com, Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá), Associação Cultural e Esportiva da Comunidade de Canabrava, Sindicato dos Rodoviários, Articulação do Centro Antigo de Salvador, Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto da Bahia (MSTB), Mobicidade, Centro de Estudos de Transportes e Meio Ambiente da Universidade Federal da Bahia (Cetrama/Ufba), Centro Acadêmico de Urbanismo da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), União da Juventude Comunista (UJC), Escritório Bákó, Coletivo Educar na Luta, Manifesta Coletiva e Pajeú - Resistência em Movimento.
CORTES DAS LINHAS DE ÔNIBUS
De acordo com Florentino, parte das linhas eliminadas ou reduzidas teve divulgação por parte da Secretaria de Mobilidade (Semob). A maioria, no entanto, argumenta ele, foi feita sem transparência. “Muitos cortes a prefeitura realmente não quis divulgar, ou fez uma divulgação pequena, num determinado bairro, em momentos específicos”, analisa.
Ele considera que este cenário faz parte do que ele classifica como transparência problemática por parte da administração municipal. "A prefeitura tem uma grande dívida na questão da abertura dos dados sobre o transporte público. Os dados não são abertos. Fizemos, via Lei de Acesso à Informação, várias solicitações que não foram respondidas. Fomos ignorados solenemente ou recebemos respostas pela metade”, reclama.
Veja abaixo as linhas cortadas ou reduzidas:
O QUE DIZ A PREFEITURA
Em nota enviada ao Aratu On, a Semob assegurou que “as mudanças nas linhas de ônibus são realizadas após estudos técnicos que visam melhorar a mobilidade na cidade como um todo”. A pasta sustenta que as alterações visam reduzir o tempo de viagem dos passageiros.
“A cidade de Salvador é uma das poucas no mundo que possui integração tarifária e interoperabilidade entre diferentes modais. Esse sistema de integração permite reduzir sobreposições e aumentar a eficiência do sistema para os passageiros”, diz trecho do posicionamento.
Quanto à redução de aproximadamente 700 ônibus, a secretaria justifica que o panorama do transporte público soteropolitano, em 2024, é diferente do observado em 2013, quando não havia metrô, tampouco BRT. “Não é possível manter o mesmo modelo de deslocamento que era realizado há 10 anos ou mais. Esses novos modais permitem com que os passageiros trafeguem por vias exclusivas, sem interferências de congestionamentos, o que reduz significativamente o tempo de viagem”, argumenta.
Confira posicionamento completo da prefeitura:
"A Secretaria de Mobilidade (Semob) informa que as mudanças nas linhas de ônibus são realizadas após estudos técnicos que visam melhorar a mobilidade na cidade como um todo, buscando reduzir o tempo de viagem dos passageiros. A cidade de Salvador é uma das poucas no mundo que possui integração tarifária e interoperabilidade entre diferentes modais. Esse sistema de integração permite reduzir sobreposições e aumentar a eficiência do sistema para os passageiros.
A pasta destaca que a cidade hoje conta com três diferentes modais de transporte integrados – ônibus, metrô e BRT – e, portanto, não é possível manter o mesmo modelo de deslocamento que era realizado há 10 anos ou mais. Esses novos modais permitem com que os passageiros trafeguem por vias exclusivas, sem interferências de congestionamentos, o que reduz significativamente o tempo de viagem. Neste processo, naturalmente, temos de um lado um número expressivo de passageiros que migram para essas linhas de corredores exclusivos. Por outro lado, linhas que antes eram extensas e que ficavam presas em congestionamentos, passam a realizar itinerários mais eficientes, resultando em uma oferta maior de viagens, reduzindo o tempo de espera e otimizando a rede.
Se comparado o número de viagens ofertadas de 2023 com 2019 (pré-pandemia) teremos o total de 104%. Ou seja, o número de viagens cresceu, apesar da demanda transportada atual representar apenas 81% do período pré-pandemia. Esse aumento de viagens ofertadas ocorre por conta do aumento da eficiência dos itinerários, com influência direta dos corredores exclusivos implantados na cidade. Ou seja, um ônibus que antes estava preso no congestionamento, consegue realizar um número maior de viagens, aumentando a eficiência operacional de toda a rede. O desafio de retomada de passageiros pós-pandemia é vivenciado por cidades de todo Brasil e, até o momento, poucas conseguiram superar os 80% da demanda anterior.
Técnicos da Semob avaliam diariamente a operação, e as decisões são guiadas por estudos e análises para fazer os ajustes necessários para garantir o atendimento e aumentar a eficiência do sistema para os passageiros. Inclusive, recentemente realizou a contratação de serviços especializados para revisão da rede futura e a consolidação de matriz de origem e destino com dados móveis de telefonia celular, o que permitirá ainda mais assertividade na tomada de decisão.
Além disso, vale destacar que os custos para o transporte aumentaram significativamente, sendo 81% em custos operacionais e 112% na aquisição de novos ônibus. Esses aumentos ocorreram especialmente após a pandemia, o que resultou em prejuízos para o sistema. Em Salvador, para evitar um colapso no sistema de transporte, a Prefeitura chegou a intervir em uma das empresas, além de subsidiar a tarifa nos últimos anos. Apesar disso, a cidade manteve os investimentos em renovação de frota e hoje conta com quase metade dos ônibus da cidade climatizados, com a previsão de chegar a 100% nos próximos anos."
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