Existe segredo para criar uma 'música do Carnaval'? Compositores comentam
Aratu On conversou com Ramon Cruz e Arthur Ramos para entender melhor esse universo
Festa de Dodô e Osmar, do samba reggae, da guitarra baiana e do trio elétrico, o Carnaval de Salvador já passou por muitas fases. Viu o nascimento - e auge - do axé music, de grandes estrelas, novas vertentes musicais, acolheu ritmos de fora e vem crescendo com o pagode. Mas, ano a ano, algo prevalece: a escolha da MÚÚÚÚSICA DO CARNAVAL (gentileza ler com a voz de Márcio Victor).
Mas qual será a “fórmula secreta” para que uma canção seja eleita dessa forma? Um refrão marcante, a percussão... a coreografia? Para entender melhor sobre esse universo, o Aratu On conversou com dois compositores baianos, autores de grandes sucessos carnavalescos (mas não só), Ramon Cruz e Arthur Ramos, também cantores do projeto ‘Mudei de Nome’ e da banda ‘Filhos de Jorge’, respectivamente.
https://youtu.be/zEsGmqX_Zw0
Aos 28 anos, Arthur Ramos acumula alguns hits - não só gravados pela banda da qual faz parte, mas também por artistas como Claudia Leitte, Xanddy Harmonia, Tomate e Ivete Sangalo (parceria) e Juliette. "Saudade de Você", "Álcool e Gasolina", "Não Me Olha Assim" e "Dengo Meu" são alguns de seus trabalhos. "Sou muito de intuição, de vontade", afirma ao Aratu On.
Para ele, tal característica pode ser boa e ruim ao mesmo tempo. "É sempre legal ter um violão por perto. Você ouve uma melodia, alguma pessoa te fala alguma coisa e você já começa a mentalizar aquilo ali, já percebe que pode dar música e pode ser uma boa compor sobre aquilo", explica. "E é ruim porque compor é um trabalho, então a gente precisa colocar a composição como rotina para a gente, né?", acrescenta, pontuando que há cerca de dois anos vem fazendo isso, definindo dias e horários para compor - majoritariamente - com parceiros.
Apesar da pouca idade, a música entrou cedo na vida de Arthur, na igreja. "Fui fissurado naquilo ali. Um dia, porque não tinha alguém para fazer o louvor, me chamaram com outro brother, a gente cantou e, assim, eu descobri que eu queria aquilo para minha vida toda. Foi assim que a música entrou realmente na minha vida", conta.
A composição profissional, no entanto, começou na fase adulta, em uma "inquietação de colocar os pensamentos para fora" e vontade de "falar de amor na rua". "Já tinha escrito algumas outras músicas antes, mas, profissionalmente, [iniciei] em 2017, através de um grande amigo meu, Neto de Lins", lembra Ramos.
Por considerar Salvador uma cidade muito plural, Arthur avalia que a música do Carnaval deve ser uma "que a rua goste". "Acho que você tem que conversar com a rua, com o povo... você não pode fazer uma música que segregue", destaca. "Aquela mensagem tem que ser passada ‘unanimemente’. Acho que essa é uma boa dica. Saber o que a rua tá falando e o que quer ouvir. Independente se é falar de amor, se é música ‘pra frente’, se é dancinha… é tocar na rua. Tocou na rua, você já sabe o que é um hit", analisa.
Diferente de Arthur, Ramon Cruz, 55, costuma compor sozinho, e foi dessa única pessoa que saíram músicas como "Quando a Chuva Passar", bastante conhecida na voz de Ivete, mas regravada por mais de cinco artistas, "Doce Paixão" e "Bola de Sabão", sucessos do Babado Novo, então comandado por Claudia Leitte. "Bola de Sabão", de 2006, foi a primeira com a qual o compositor concorreu à 'música do Carnaval'.
Os primeiros contatos de Ramon com o universo musical ocorreram em casa. Seu pai gostava de serestas e seu irmão, na Marinha, no Rio de Janeiro, sempre voltava para Salvador com discos de rock, acabando por influenciá-lo. Ainda assim, ele não quis compor logo "de cara". Sua paixão era a bateria. "Queria bateria, mas meu pai meus pais, de modo geral, acharam que o violão seria mais interessante, porque era um instrumento que me daria uma autonomia maior do que a bateria. Não precisava ter alguém me acompanhando", fala.
Apesar dos conselhos, ele não desistiu da "batera". Deixou para trás, na verdade, a faculdade de Economia e a vida de concursado (era servidor público federal) para correr atrás do sonho na música.
Com a bateria, adquiriu noção de melodia e, naturalmente, começou a compor. Integrou banda baile, de pop rock, e chegou a ganhar o Troféu Caymmi, com uma delas, na categoria "banda revelação", até que surgiu a oportunidade de fazer parte da banda de Daniela Mercury.
"Já fazia barzinho com a irmã dela, Vânia Mercury (hoje Vânia Abreu), e então Daniela me chamou para fazer esse show dela", conta. "Algum tempo depois ela resolveu fazer a carreira solo, de fato, de axé, e me chamou", completa. Ele considera essa situação uma virada de chave. "Daniela foi a primeira artista grande que gravou uma música minha", lembra Ramon. A canção era 'Feijão de Corda', faixa do álbum 'Feijão com Arroz', gravado em 1996 e considerado um clássico do gênero.
Passado um tempo, as composições de Ramon chamaram atenção de outra artista, então em ascensão, Ivete Sangalo. Canções como "O Farol" e "Dengo de Amor", do repertório de Veveta, são dele, além da já citada "Quando a Chuva Passar". A curiosidade é que essa última tinha uma versão diferente e quase entrou no DVD de Ivete na Fonte Nova, em celebração aos seus 10 anos de carreira. Mudando algumas coisas, mas mantendo o mesmo refrão, a pedido da cantora, integrou a setlist do DVD da baiana no Maracanã, tornando-se um sucesso imediato.
Ramon Cruz | Foto: Reprodução/Instagram
Ao longo da carreira, Ramon conciliou diversos instrumentos, voz e composição. Também criou, com outros músicos baianos, o projeto Alavontê, cujo objetivo era resgatar antigos Carnavais. Com a saída de Manno Goes, o projeto se transformou no "Mudei de Nome", responsável pela criação do trio estilo "pranchão" e presença certa no período carnavalesco.
Quanto às letras que escreve, confessou ao Aratu On que tem se adaptado a uma nova forma de criar, em parcerias. "Você troca experiências e continua aprendendo. É massa, estou curtindo bastante", afirma, mesmo já tendo saído bastante da sua zona de conforto, citando a música "Fodinha", feita em um "song camps" (como são chamados os encontros de diversos compositores com o intuito de criar). "Sou um dos compositores, ainda que não tenha sugerido [o nome]", explica, divertindo-se.
Em certo ponto, ele critica letras "muito erotizadas", mas entende que faz parte do jogo, principalmente se o sucesso é pensado no quesito retorno financeiro: "Se você for olhar um top 30 de Spotify ou de qualquer streaming, vai ver várias músicas com aquela letra 'E' ao lado (de 'explícito'). Quando não, é algo de duplo sentido ('vuc vuc', 'poc poc', senta', 'quica', etc). É o que a galera está curtindo, para fazer as dancinhas e tal. Não é muito meu estilo, mas se está acontecendo, é porque faz sucesso".
Ele frisa, porém, que não é tão criterioso. "Afinal de contas, sou compositor e tenho que exercer minha função, mas, se depender de gosto, vou priorizar poesia, algo que fale de amor e uma mensagem positiva", comenta, citando a recém-lançada "Mundo Colorido", lançada pouco antes deste Carnaval pelo Babado Novo, agora liderada por Mari Antunes. "Existe o lado também da satisfação pessoal do compositor", conclui.
DIREITOS AUTORAIS
O órgão que organiza a questão de arrecadação no que diz respeito aos direitos autorais é o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, o Ecad. "Ele analisa onde sua música foi tocada, por quem foi tocada e quantas pessoas estavam ouvindo aquela canção. É um cálculo que nós, compositores, não sabemos exatamente", explica Arthur Ramos. O Ecad passa os valores correspondentes para a associação na qual o compositor é cadastrado, a exemplo da Associação Brasileira de Música Geral (Abramus), Associação de Músicos Arranjadores e Regentes (Amar) e a União Brasileira de Compositores (UBC), que repassam o dinheiro para o artista.
Cabe ao Ecad, ainda, organizar as execuções públicas, shows de praças, do Carnaval, de Camarote, entre outros. "São eles que vão lá olhar. Eles pedem pra Filhos de Jorge, por exemplo: ‘vi que vocês tocaram no Carnaval de Salvador. Por gentileza, me mandem qual foi o repertório que vocês tocaram naquele dia’, e com base naquele repertório, eles cobram o valor da gente ou do órgão - a prefeitura, nesse caso, que por sua vez repassa os valores aos compositores", complementa.
Segundo Arthur, no caso de plataformas digitais, é importante ter a música registrada em alguma editora, que pode ser própria ou não. "Essa editora corre atrás dos valores da Internet. Então Spotify, Deezer, YouTube music… tudo isso a editora corre atrás", finaliza.
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