Filmes e séries

Western do Sertão, Cangaço Novo entrega maestria técnica e um elenco afiado e carismático

Colunista On: Enoe Lopes PontesPesquisadora, jornalista e crítica de cinema e séries
Western do Sertão, Cangaço Novo entrega maestria técnica e um elenco afiado e carismáticoVictor Jucá-Divulgação
Dramaturgia potente, personagens intensos e bem construídos e uma direção cuidadosa, tornam a tarefa de encontrar algum ponto que não seja positivo em Cangaço Novo algo nada fácil. Nova série brasileira do Prime Video, a produção encanta por saber conduzir a sua história, com uma progressão dramática, que conecta o espectador profundamente com a obra. Contando a trajetória de Ubaldo, jovem que retorna para sua cidade natal, interessado na herança de seu pai biológico, há uma transformação progressiva do protagonista de garoto da capital em cangaceiro.
O roteiro é inteligente ao revelar com paciência as informações sobre Ubaldo e da sua família, os Vaqueiros, principalmente nos detalhes sobre ele e suas irmãs, Dinorah e Dilvânia – interpretados por Allan Souza Lima, Alice Carvalho e Thainá Duarte, respectivamente. O uso do flashback – que pode ser perigoso, quando reitera demais informações – eleva a força da suspensão criada pelos plots da vida adulta de Ubaldo e amarra a premissa central da temporada com o que parece ser o conflito maior, de todo o seriado.
É desta maneira que é revelada a noção profunda da equipe do que é a construção de serialidade. Mas, não apenas neste aspecto. Há toda uma ambientação no universo ficcional dos moradores de Cratará, de toda uma mitologia por trás de figuras históricas do cangaço do Nordeste, ligando isto a uma espécie de elaboração do que é este imaginário ao redor dos Vaqueiros. Através do trabalho das direções (geral, de arte e fotografia) o público consegue entender a geografia da cidade, os sentimentos e conflitos das personagens e os riscos que eles correm, todos seus enfrentamentos contra seus inimigos.
Existe uma força das sequências de combate físico e das perseguições, que aumentam por conta deste olhar apurado para enquadramentos, vestimentas, iluminação, objetos de cena, etc.
Mas nada seria igual se não fosse o fato de que há o grande carisma do trio central. É preciso torcer pelos principais para que toda a adrenalina que as cenas de ação possuem funcionem! Porque é nela que as emoções se baseiam. Nesta lógica, é notável como não apenas Allan, Alice e Thainá estão afinados, mas também todo o elenco que está ao redor deles. É impressionante notar como os atores conseguem imprimir uma corporeidade única para cada um de seus papéis, deixando todos eles marcantes, ainda que alguns tenham passagens mais breves, como é o caso da família que é obrigada a ceder sua cada para os cangaceiros.
Neste sentido, é possível dizer que a direção de ator é eficaz e revela que houve uma preparação efetiva na pré-produção. Além disso, o subgênero do Nordestern é bem representado em sua decupagem, movimentação de câmera e iluminação. O espectador não perde nenhum detalhe das fugas, das trocas de tiro, dos olhares de afeto e desafeto, das tensões, de toda emoção que transborda na tela. Isso ocorre justamente porque direção e fotografia dialogam para uma realização coesa, que está a serviço da narrativa e também carrega consigo a consciência exata de qual é a importância de cada sequência, o que precisa ser dito e mostrado é feito e ainda feito com detalhes.
Já sobre a representação do Nordeste na ficção, talvez possa ser dito que ela aparece com justeza, sem estereótipos ou clichês que o Brasil é acostumado a ver, em obras feitas no passado. Todavia, isso, na realidade, não é o grande louro aqui, porque ao não trazerem um retrato caricato de um povo de uma região tão rica, de gente sagaz e com tanta a luta contra a ignorância dos outros Estados do país – menos o Norte, que está junto com o Nordeste nessa batalha – eles não fazem mais do que sua obrigação. Dito isso, é preciso destacar, por fim, os elementos sonoros do seriado, que tanto em seu desenho de som, quanto mixagem e seleção musical, fomentam o estabelecimento de sua atmosfera.
Esta observação inclui as escolhas de usar o silêncio. A imersão com a série se dá nestas estratégias, que talvez passem despercebidas para alguns, em um sentido mais consciente, porém que vão ser notadas de forma sensorial, criando todo este impacto que Cangaço Novo consegue convocar.
A única queda qualitativa acontece do episódio 06 para o 07, quando há um investimento em prolongar certos pontos da trama, demorando para chegar no ápice do problema principal que Ubaldo irá enfrentar. De todo modo, este fator não chega a incomodar tão amplamente, apenas pode cansar o público um pouco, mas esta sensação se esvai logo na metade no 1x07. Assim, a melhor forma de encerrar esta crítica é recomendando que quem não viu Cangaço ainda, vá fazê-lo, porque não existirão arrependimentos.
*Este material não reflete, necessariamente, a opinião do Aratu On.

Importante: Os comentários são de responsabilidade dos autores e não representam a opinião do Aratu On.

Enoe Lopes Pontes

Enoe Lopes Pontes

Doutoranda e mestre em Comunicação, formada em Artes Cênicas e em Comunicação Social, Enoe Lopes Pontes é pesquisadora, jornalista e crítica de cinema e séries. É membro da ABRACCINE e do Coletivo Elviras. Cinéfila desde os 6 anos, sempre procurou estar atenta para todo tipo de produção, independentemente do gênero, classificação ou fama. Do cult ao pipoca, busca observar as projeções com cuidado e sensibilidade. Filmes preferidos: Hiroshima Mon Amour e Possession.

Enoe integra a equipe do Coisas de Cinéfilo, como crítica.

Instagram: @enoelp

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