Sem medo de ser sombria, série adolescente Yellowjackets traz passado e presente de sobreviventes de uma queda de avião
Procurando manter mistérios sobre o que aconteceu depois que adolescentes de um time de futebol sofrem um acidente de avião e precisam sobreviver numa floresta, Yellowjackets é, muitas vezes, brutal. Dos mesmos roteiristas de Narcos (Ashley Lyle e Bart Nickerson), e com a primeira temporada disponibilizada pela Netflix, a produção parece ser, inicialmente, mais uma obra teen de fantasia. No entanto, rituais macabros e mortes violentas imprimem uma atmosfera de terror em um tom mais intenso do que se costuma ver em produções adolescentes.
Além disso, em uma espécie de recurso Lost (ABC, 2004-2010), flashbacks se misturam com o tempo atual, entregando também a ambientação de thriller. Por fim, a obra mostra conflitos destas meninas já adultas, colocando pautas mais sérias, do cotidiano de mulheres com mais de 40 anos, o que amplia o seu range de público. Nesta lógica, também há aqui uma coesão narrativa na construção das personagens de antes e depois. Tanto na elaboração do roteiro quanto no trabalho de atuação, cada figura ficcional principal consegue manter os seus traços, criando coerência para aquelas personas e deixando espaço para que suas camadas de complexidade sejam exploradas.
O lado bom e perverso de cada uma das meninas é intercalado, ajudando também na elevação do suspense e deixando o espectador sempre tenso. Neste sentido, é possível afirmar que o seriado, de uma maneira geral, apresenta uma boa premissa e a sabe utilizar em boa parte da temporada. Além disso, apesar de contar com diferentes diretoras e diretores, existe um olhar unificado, que garante personalidade para Yellowjackets, fazendo que não seja perdido de vista que este é um produto serializado. Assim, as escolhas de movimentação de câmera são as que mais chamam a atenção.
Para mergulhar na insanidade vivenciada pelos sobreviventes da queda de avião, existe um deslocamento de câmera que mescla visões externas e internas dos acontecimentos. Em alguns shots, o público pode se sentir imerso naquele mundo secreto e de ausência de lucidez. Ao mesmo tempo, há uma rigidez maior nas sequências atuais, nas quais os frames são, inclusive, mais fechados do que as do passado. De certo, o objetivo é provocar o sentimento de caos na época da adolescência das garotas principais e na centralização das emoções delas na vida adulta, procurando investigar as consequências destes traumas, para este grupo, que precisou lutar contra muitas intempéries, em uma fase tão jovem da vida.
Esta preocupação com as vítimas da história se dá também pelo trabalho do elenco adulto. Melanie Lynskey, Tawny Cypress, Juliette Lewis e Christina Ricci compõem personagens com camadas plurais, sem definições maniqueístas. Cada atriz convoca traços físicos corporais e vocais para marcar as fragilidades, forças, bondades e perversões de seus papéis. O quarteto faz com que, inclusive, a ligação com as jovens que aparecem nos flashbacks sejam mais intensa, justamente por essa conexão e empatia criadas por Shauna, Taissa, Natalie e Misty, respectivamente.
No entanto, apesar de possuir mais méritos do que o contrário, a primeira temporada de Yellowjackets peca por certas obviedades, que tenta esconder de maneira ingênua. Desde o início dos primeiros episódios, algumas questões são bem perceptíveis – como a gravidez Shauna (Melanie Lynskey/ Sophie Nélisse) ou a morte de uma das companheiras de time. Estes são alguns exemplos, mas, recorrentemente, a season contém situações fáceis de prever, o que pode deixar algumas passagens mais arrastadas e/ou entediantes.
O que equilibra mais o tom da série é, de fato, as sequências de ação, com os elementos mais gráficos e as tensões vividas pelas garotas, criadas pela empatia que o espectador pode sentir por elas. Com direções coesas e interpretações afiadas, acompanhar Yellowjackets é uma boa ideia, caso quem assista não foque no que vai ser mostrado, porém no como vai se mostrado!
*Este material não reflete, necessariamente, a opinião do Aratu On.