Com crítica social e amor ao audiovisual, 'O Estúdio' ganha o público pela sátira bem realizada
Há um caos que permeia o mundo contemporâneo e ele está ali, presente em cada milímetro da série "O Estúdio". Nova comédia da Apple TV, a obra mescla inúmeras camadas de humor, conseguindo ser refinada e escrachada, inclusive em uma única sequência. Ao mesmo tempo, os autores sabem convocar múltiplos níveis das personalidades das personagens, equilibrando o tom da narrativa.
É curioso observar como os traços sofisticados do caráter de cada figura da história são administrados cuidadosamente pelo roteiro. O espaço do cômico não se perde, mas as emoções e detalhes profundos sobre as personagens também não se esvaem. No entanto, é ainda melhor acompanhar a qualidade das reflexões sobre os problemas da sociedade atual.
Os conflitos morais, as necessidades fúteis e as tolices da grande indústria audiovisual estadunidense estão presentes na narrativa. Há algo inteligente e interessante em como isso é feito. As questões mais graves e/ou sérias são ditas de forma quase corriqueira, no pânico, na graça, no chiste, porém servem como um soco no estômago.
Enquanto isso, os momentos embaraçosos são lentos, para que a plateia possa degustar de uma grande vergonha alheia. No entanto, o texto se vale das bases mais antigas da comédia e cria a intimidade e a graça através da repetição. A impressão de proximidade com o enredo e as personagens vem dessa consciência da equipe de que é necessário que o receptor se sinta imerso naquele universo.
Nesse sentido, o elenco fortalece essa estratégia, colocando organicidade em frases absurdas e sabendo como se jogar em cena. Apesar da equipe de atores ser toda afinada, os destaques são Seth Rogen, Kathryn Hahn, Catherine O’Hara, Zoë Kravitz e Dave Franco. Há uma organicidade no trabalho dos intérpretes, que eleva a qualidade das falas e dos deslocamentos.
As expressões faciais, juntamente com as pausas, aumentam a efetividade das piadas e da própria reflexão sobre o contexto que a série mostra. Nesse sentido, toda a encenação usa a mesma estratégia de convocar um realismo orgânico para entregar o estranhamento que a comédia precisa para ser bem realizada.
O jogo de planos fechados e abertos, de câmera retida e em movimento, e a própria montagem que seleciona a duração e os pontos de corte – entre mais ligeiros e mais espaços –, trabalham nessa imersão do público com o mundo contraditório de Hollywood. Todavia, é importante ressaltar que a crítica à indústria está ali, mas a relevância da arte e da cultura para a sociedade também.
A trama reforça, sempre que possível, como o audiovisual impulsiona e transforma a vida das pessoas e, mesmo em todo esse cenário de futilidades hollywoodianas, no final do dia, as produções cinematográficas são fundamentais para a sociedade. Há, assim, uma mistura de defesa ao setor e crítica ao modo como as coisas ocorrem, que elevam ainda mais esse potencial argumentativo do roteiro do seriado.
Por fim, para dar conta de entregar essa atmosfera coesa, são destacáveis as sonoridades da série. Seja no desenho de som em si ou na escolha das músicas incidentais, o público mergulha com as personagens através das escolhas sonoras. Entre consonâncias e dissonâncias com a imagem, a graça e a sátira têm suas interpretações aumentadas. Além disso, até mesmo um certo clima de suspensão é instaurado, pelas dinâmicas do som.
Dessa forma, é por conseguir imprimir na tela, na encenação e nas sonoridades, uma alta gama de camadas técnicas e discursivas, que O Estúdio é uma grande série. Talvez, ela conte demais com piadas internas para amantes do audiovisual, porém, mesmo que a plateia não seja uma grande connaisseuse do meio, pode se divertir com as camadas mais gerais presentes na obra.
*Este material não reflete, necessariamente, a opinião do Aratu On
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