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A Voz da Presença: Papa Francisco, o improvável guru da tecnologia

Alexandre Darzé
Colunista On: Alexandre DarzéMercado financeiro e desenvolvimento de negócios
Papa FranciscoVatican News

Papa Francisco faleceu. O anúncio veio como um comunicado formal, breve e universal. O mundo soube instantaneamente — embora talvez não intimamente. E isso, de muitas maneiras, captura a tensão que sua vida, e agora sua morte, tornam visível: a tensão entre a imediatidade da informação e a escassez da presença.

Ele foi uma potência de comunicação e carisma — profundamente humano. Falava com humor, calor e uma percepção incomum. E quando abordava as transformações do nosso tempo, não era a partir do medo ou da ignorância. Era a partir de uma clareza moral.

Ele não foi o papa mais doutrinal, nem o mais transformador em termos estruturais. Mas foi uma das últimas figuras globais a insistir — com credibilidade e calor — em algo que o século XXI está esquecendo aos poucos: que ser humano não é ser livre de atritos ou otimizado, mas ser vulnerável — tomar tempo, ser interrompido, existir em relação, através da presença, da atenção e do corpo.

Ele entendeu que o que está em jogo hoje não é apenas estabilidade econômica, liderança tecnológica ou equilíbrio geopolítico. É algo mais sutil, mais íntimo: a forma e o peso da vida humana quando esta é vivida, cada vez mais, por meio de sistemas que não respiram, não tocam, não choram.

Francisco não era um teórico da tecnologia. Nunca falou a linguagem dos códigos ou das redes. E, no entanto, entre os líderes mundiais, foi um dos mais incisivos em nomear o que a tecnologia corre o risco de nos tirar — nossa atenção uns aos outros.

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Em Laudato Si’ e em seus apelos por uma “cultura do encontro”, ele retornava à mesma ideia fundamental: o ser humano não é um nó em uma rede ou um ponto de dados em uma simulação. Não fomos feitos para a fluidez absoluta. Somos moldados pelos limites — e isso não é uma falha a ser corrigida. É o solo da nossa dignidade.

Quando a inteligência artificial começou a dominar o discurso público, Francisco recusou tanto o pânico quanto o fascínio. Em vez disso, ele perguntou se algum sistema, por mais poderoso que fosse, poderia realmente compreender o luto de uma criança, a dúvida de uma mãe, ou o medo silencioso de alguém diante da morte. A pergunta não era retórica. Era ontológica.

"A inteligência artificial deve sempre permanecer uma ferramenta, não um substituto para a dignidade humana. Nenhum algoritmo pode captar plenamente a profundidade do sofrimento humano, ou o mistério da liberdade humana."

"Corremos o risco de construir sistemas de inteligência que não sabem o que significa chorar."

Isso teve um impacto incomum — especialmente porque veio de um homem que chorou pelo mundo, repetidamente.

Ele via claramente que a virtualização da vida não era apenas uma mudança técnica. Era — e é — uma mudança filosófica. Estamos migrando para arquiteturas que não exigem corpos, paciência ou contradições. A vida está cada vez mais otimizada para a distância. Não distância geográfica, mas distância ontológica — entre presença e pessoa.

Francisco não se opôs à tecnologia. Mas resistiu à sua tendência à mediação total. Sua pergunta — O que estamos desaprendendo? — permanece sem resposta, e talvez sem solução. Ainda assim, aponta para um diálogo necessário: se quisermos recuperar a presença, não será através da recusa dos avanços tecnológicos, mas através do design (ou redesenho).

Já há sinais de que esse diálogo está se tornando produtivo. No design de IA centrado no ser humano, há uma crescente insistência na interpretabilidade, no atrito e no contexto — e não apenas na velocidade ou na eficiência. Há interesse em modelos que incorporem a incerteza em vez de apagá-la — reconhecendo a ambiguidade em vez de correr para a conclusão. Ambos são esforços para restaurar o espaço da complexidade — algo de que os relacionamentos humanos dependem. Na arquitetura de plataformas digitais, desenvolvedores estão começando a perguntar como podemos construir para a atenção, não para o vício. Alguns estão projetando para a ausência — reintroduzindo a não-linearidade e limites deliberados em interfaces que antes buscavam apenas o fluxo sem atritos.

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Não buscamos um retorno. Nem pureza. Mas talvez existam caminhos futuros em que nossas ferramentas não escondam nossos rostos — e sim, tornem possível realmente ver uns aos outros novamente.

Francisco nunca ofereceu uma teoria da tecnologia.

Como observou o The Economist em seu obituário, o que ele encarnou — deliberadamente ou não — foi algo próximo a uma interface viva. Não no sentido computacional, mas no humano: uma superfície de contato entre uma instituição milenar e um mundo fragmentado e acelerado. Ele não tentou modernizar a Igreja por meio da abstração. Ele a humanizou — aparecendo nos lugares de onde ela havia se retirado, falando em registros que ela havia esquecido.

Sua presença importava não porque viajava rápido, mas porque permanecia próxima. Em uma época em que a influência é frequentemente medida pela exposição, Francisco insistiu no encontro. Ele não expandiu o alcance da Igreja — ele restaurou seu peso, pessoa por pessoa, lugar por lugar.

Sua morte marca a perda de uma figura que ainda conseguia tornar o moral audível em meio ao ruído da sociedade moderna. Essa vida agora terminou, e o que permanece é a memória da presença. Cheia, frágil, irrepetível, ainda... com a capacidade de se colocar diante de outro e dizer, sem mediações, eu estou aqui.

Você fará falta.

(Também, silenciosamente, para meu pai)

- Tradução de artigo de Alexandre Darzé originalmente publicado na plataforma Substack

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Alexandre Darzé

Alexandre Darzé

Profissional do Mercado Financeiro e de Venture Capital, com experiência em diversos países da América Latina, África e Europa. É sócio da Lighthouse Investimentos & Inovação. Foi executivo da International Finance Corportation (empresa do Grupo Banco Mundial); diretor executivo da Arco Consulting, da Development Alternatives Inc. (DAI Brasil) e da Planet Finace Brasil. Formado em Engenharia Civil pela UFBA e Mestre em Finanças pelo COPPEAD/UFRJ.

Instagram: @alexandre_darze

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