Comunicação e Marketing

O homem que queria saber tudo

Alexandre Darzé
Colunista On: Alexandre DarzéMercado financeiro e desenvolvimento de negócios
Tyler CowenReprodução

A ideia de querer saber tudo soa quase risível hoje em dia — fora de lugar e absurda. E, no entanto, esse é justamente o título de um artigo recente da The Economist sobre Tyler Cowen, o economista e escritor cuja curiosidade inquieta lhe rendeu uma legião de seguidores no Vale do Silício.

Tyler Cowen (em casa?)

Desde então, não consegui parar de pensar nisso. Não porque Cowen em si seja particularmente importante, mas porque essa frase soa cada vez mais estranha — quase cômica — em uma cultura como a nossa. Uma cultura em que o valor da curiosidade profunda e sustentada foi culturalmente deixado de lado em favor de demonstrações superficiais de conhecimento. O suficiente para postar. O suficiente para argumentar. O suficiente para sinalizar.

Construímos um mundo otimizado para a velocidade, não para a profundidade — onde a atenção é fragmentada, a memória é terceirizada e a curiosidade foi reduzida ao ato de rolar a tela. O que estamos presenciando é uma mudança na forma como nos engajamos intelectualmente: da reflexão genuína ("O que você pensa?") para a opinião performática ("Qual é o seu 'take'?"). E a diferença não é sutil.

"Takes" são rápidos; pensamentos se desdobram devagar.  
"Takes" reagem; pensamentos voltam e reconsideram.  
"Takes" performam; pensamentos se envolvem.

No cerne desse contraste está a diferença entre a exibição superficial e o envolvimento profundo. Um "take" é calibrado para ser visto — ele quer causar impacto. Um pensamento, por outro lado, é mais silencioso e lento. Ele não busca plateia. Pensar de verdade é ser transformado pelo processo, é carregar o peso daquilo que se considera. Não se trata de ser visto pensando, mas de permanecer com a pergunta muito depois que o momento passou.

E, no meio de tudo isso — à medida que a disciplina intelectual se enfraquece, e a fome por aprender de verdade é substituída pela conveniência de comandos no ChatGPT — estamos abrindo espaço para a inteligência artificial (IA) em todos os cantos da vida. Máquinas que conseguem replicar o pensamento, mas não se importam com o pensar. Máquinas que conseguem recuperar qualquer fato, mas não sentem o prazer de descobrir um.

Não me entenda mal — sou um grande defensor da IA. Uso bastante. Invisto nisso. Acredito que ela resolverá problemas que nenhum humano conseguiria enfrentar sozinho. Mas, quanto mais terceirizamos nossa inteligência, mais essencial se torna proteger aquilo que as máquinas não conseguem replicar (pelo menos por enquanto) — nosso próprio desejo de compreender; nossa curiosidade. O risco não é que as máquinas fiquem inteligentes demais — é que a gente pare de cultivar mentes que querem ser desafiadas, não apenas otimizadas.

Imagem ilustrativa do ChatGPT | Crédito: Pexels

Há uma distinção crucial que precisamos fazer quando falamos de inteligência — uma que se torna cada vez mais importante à medida que os sistemas artificiais se tornam mais capazes. De um lado, há a inteligência computacional: a habilidade de processar informações, detectar padrões, otimizar resultados. Essa é a inteligência das máquinas — eficaz, escalável e indiferente. Ela não precisa de curiosidade; só precisa de dados de entrada. Por outro lado, a inteligência humana não é apenas uma capacidade técnica, mas um modo de consciência. É moldada pela ambiguidade, guiada pela intenção e constantemente reorganizada pela experiência. O que lhe dá profundidade não é apenas a capacidade de resolver problemas, mas o impulso de perguntar por que eles importam. Nesse sentido humano, inteligência e curiosidade não são a mesma coisa — mas estão profundamente entrelaçadas.

Esse entrelaçamento importa porque a curiosidade é o que dá direção, autonomia e sentido ao pensamento. É a curiosidade que escolhe o que aprender, quando insistir, como se importar. Ela resiste ao fechamento. Ela reabre perguntas. Ela torna a inteligência recursiva, e não apenas reativa. Mais importante ainda: a curiosidade é autogerada — não é uma reação a um comando, mas um comando em si mesma, um movimento interior em direção a algo que ainda não se conhece. Quando perdemos isso, a inteligência humana não desaparece — mas começa a entrar em modo de espera. Ela se achata. Perde o encantamento. Até Albert Einstein — um homem não exatamente conhecido por falta de inteligência — foi direto ao ponto: “Não tenho talentos especiais. Sou apenas apaixonadamente curioso.”

Nesse cenário, a ideia do “homem que quer saber tudo” já não soa antiquada. Começa a parecer um ato silencioso de resistência — uma recusa a cair na passividade intelectual. Não porque saber tudo seja possível, mas porque querer saber — obsessivamente, irracionalmente, infinitamente — parece simplesmente certo.

Curiosidade, então, não é uma peculiaridade pessoal ou um hobby intelectual. É uma postura cultural, uma forma de se relacionar com o mundo — aberta, inacabada, em processo. Ela nos impede de nos tornarmos espectadores da nossa própria inteligência — ou da inteligência de outra pessoa (!). Por isso acho que todos nós deveríamos desconfiar um pouco de nós mesmos — quando paramos de fazer perguntas, quando começamos a postar mais do que lemos, quando achamos que já sabemos.

Vivemos numa época em que a inteligência pode ser simulada. Mas o interesse, não. Essa parte ainda é nossa. Se a quisermos.

Tradução de artigo de Alexandre Darzé originalmente publicado na plataforma Substack

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Alexandre Darzé

Alexandre Darzé

Profissional do Mercado Financeiro e de Venture Capital, com experiência em diversos países da América Latina, África e Europa. É sócio da Lighthouse Investimentos & Inovação. Foi executivo da International Finance Corportation (empresa do Grupo Banco Mundial); diretor executivo da Arco Consulting, da Development Alternatives Inc. (DAI Brasil) e da Planet Finace Brasil. Formado em Engenharia Civil pela UFBA e Mestre em Finanças pelo COPPEAD/UFRJ.

Instagram: @alexandre_darze

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