Salvador 476 anos: conheça as maiores lendas urbanas da capital baiana

Para comemorar o aniversário de 476 anos de Salvador, o Aratu On reuniu as principais lendas urbanas da cidade

Por Bruna Castelo Branco.

Se a gente, que vive, em média, uns 75 anos, - segundo dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - passa a vida inteira ouvindo "disse me disse" sobre a gente e descobrindo boatos que espalharam sobre o nosso nome por aí, imagine uma cidade com quase 476 anos de existência?

Como toda grande cidade velha - com todo o respeito -, Salvador, que celebra 476 anos no dia 30 de março, é cheia de fofocas, ou melhor, lendas urbanas, que se perpetuam de geração em geração desde os tempos em que Diogo Álvares Correia, mais conhecido como Caramuru, viveu por aqui.

Entre as principais histórias, estão o tesouro escondido na Arena Fonte Nova, as assombrações da Feira de São Joaquim, o fantasma do Teatro Vila Velha, a Loira do Palácio Rio Branco, a Voz Misteriosa da Igreja do Carmo, a lenda da Casa das Sete Mortes, a Mulher de Roxo, e por aí vai. Se você ainda não conhece nenhum desses "causos", chegou a hora de conhecer - e, por sorte, passar para a frente.

O Tesouro da Arena Fonte Nova

Quem vai à Arena Fonte Nova, que fica no bairro de Nazaré, em Salvador, para curtir um show ou ver o Bahia ganhar (ou não), talvez não saiba que, debaixo do gramado, há um tesouro escondido há séculos - pelo menos é o que reza a lenda que circula na cidade desde a década de 1920.

De acordo com os relatos, historiadores soteropolitanos acreditavam que religiosos, ou famílias abastadas, haviam escondido tesouros nos arredores do estádio, com o intuito de proteger o patrimônio durante a invasão holandesa de 1624. Mas, mesmo com diversas buscas de curiosos e de pesquisadores, nada foi encontrado.

Em 1950, quando a arena começou a ser construída pelo governador Otávio Mangabeira, toda a área foi coberta pr estacas de concreto e ferro. Então, se realmente havia algum tipo de tesouro enterrado ali, ele está escondido para sempre.

A lenda da Fonte Nove circula na cidade desde a década de 1920. | Foto: Ilustrativa/Pexels

Espíritos da Feira de São Joaquim

João Bonfim, que trabalha na Feira de São Joaquim, em Salvador, há mais de 50 anos, se arrepia quando conta das visões que já teve nos corredores da feira que, durante o dia, está sempre cheia de gente. A questão, como comenta ele, que já dormiu muitas vezes por lá, é à noite. “Já vi muitas coisas aqui. Coisa de assombração, já vi. Ficava com medo, aí, saía daquele lugar e ia para outro”.

Antigamente, como relata o prancheiro, uma parte do fundo da feira era um matadouro de porcos. Para João, que diz ainda lembrar bem daquela época, esse é um dos motivos para o local ser mal-assombrado.

Em uma reportagem publicada pelo Aratu On sobre a feira, em 2022, o historiador Rafael Dantas, especialista na cidade de Salvador, explicou que, como a região do Centro sempre foi muito movimentada, recebendo gente de fora do estado e do país, se tornou um terreno fértil para o nascimento e crescimento de lendas urbanas. E, quanto mais curiosa, chocante e assustadora for a história, mais ela é contada e recontada por aí.

“Essas histórias são muito antigas. Histórias que falam sobre assombrações, vultos e almas penadas nos antigos sobrados e igrejas da Bahia foram recorrentes no decorrer dos séculos 18 e 19, ou mesmo em épocas anteriores. No caso da Feira de São Joaquim, esses relatos são de antigos feirantes, de que há uma série de assombrações, de vultos. Por que? Ali, no final do século 18 e início do século 19, era uma zona portuária importante, um lugar de entreposto comercial, de parada de pequenos barcos, saveiros, entre outros navios”.

Lojistas falam sobre fantasmas na Feira de São Joaquim. | Foto: Amanda Oliveira/Salvador da Bahia

Fantasma do Vila Velha

Há anos, os funcionários do Teatro Vila Velha, que fica no Passeio Público, em Salvador, convivem com uma história, no mínimo, curiosa: de vez em quando, um dos fundadores da instituição, João Augusto, aparece por lá para ver como estão as coisas. Ele morreu em 1979.

Em entrevista ao Aratu On, em 2022, a atriz Meniky Marla disse que, desde que chegou lá, ouviu histórias de assombração, e ressaltou: lá, ninguém vê esses encontros sobrenaturais como algo negativo:

Tem o relato de uma atriz que foi semelhante ao que aconteceu comigo, só que o dela foi muito mais visual. Sempre os espetáculos aqui têm muito coro, então, são muitas pessoas em cena. Ela estava em um determinado local, desses acessos por trás do palco, esperando para atravessar. Ela relata que um homem chegou. Não dava para ver a fisionomia dele, só uma silhueta, por conta da luz do espetáculo. E aí, ela perguntou: ‘Todo mundo já foi?’. E ele respondeu: ‘Todo mundo já foi, está do outro lado, só falta você’. Ela disse que conversou com ele. E, depois, ela chegou para todo mundo: ‘Pô, vocês nem me esperaram. O rapaz da técnica que veio me falar’. Só que, nesse dia, não tinha o rapaz da técnica. Não tinha ninguém lá. Supostamente, pelas características que ela deu, ela conversou com João Augusto”.

E não para por aí: uma das histórias mais famosas sobre esses encontros é de um vigia da instituição, que trabalhava no local na década de 1990, época em que o teatro estava em reforma. Quem contou ao Aratu On foi o dramaturgo Márcio Meirelles:

Aqui, estava sendo revolvida a terra. A gente estaria, aqui [na Sala Principal, que fica abaixo do nível do solo] debaixo da terra. A sala era mais alta, aí, foi cavada. Estava funcionando, tinha um segurança. Ele ouviu alguma coisa, ou pressentiu, e desceu as escadas. Aí, no andar intermediário, ele viu um rapaz jovem, que disse: ‘Olhe, você toma conta daí para cima. Daqui para baixo, sou eu’. Então, a gente sente que tem uma segurança (risos). Tem gente cuidando da gente”. No dia seguinte, como dizem, o "segurança de cima" pediu demissão e nunca mais voltou.

Segundo a lenda, o fundador do Teatro Vila Velha, que morreu em 1979, costuma fazer aparições no local. | Foto: Bruna Castelo Branco/Aratu On

A Loira do Palácio Rio Branco

O Palácio Rio Branco, antiga sede do governo da Bahia, construído em 1919, guarda uma lenda que desperta arrepios até nos mais céticos: a história da Loira do Palácio. Segundo o que contam, durante um Carnaval, quando todo mundo estava de folga, uma funcionária da secretaria, que trabalhava no local, viveu uma experiência assustadora.

Enquanto caminhava pelos corredores vazios do palacete, onde apenas os sons distantes da festa na rua podiam ser ouvidos, ela escutou um grito. Momentos depois, de acordo com a lenda, uma mulher loira, vestida com roupas de uma época distante, apareceu na frente dela.

Segundo a secretária, a aparição era muito parecida com um dos quadros do palácio, que retratava a figura de uma mulher loira, com os cabelos presos por um pente, mas com o restante dos fios desarrumados, exatamente como a figura fantasmagórica.

Em entrevista ao Aratu On, em 2022, o historiador Rafael Dantas apontou que, por mais que essas histórias sejam muito conhecidas, não há documentação que as comprove. Elas só resistiram, como indicou Rafael, por causa de mim e de você: porque foram repassadas entre amigos, familiares, conhecidos, e assim foi, de um século para o outro.

“São registros orais, que são passados dos mais velhos para os mais novos. A importância dessas histórias da tradição oral para a nossa cultura é, antes de qualquer coisa, uma resistência. É um traço de uma força de saberes populares que perpassam séculos”, detalhou.

O Palácio Rio Branco, antiga sede do governo da Bahia, guarda uma lenda. | Foto: Ronaldo Silva/Agecom

A Voz da Igreja do Carmo

Há cerca de 20 anos, um grupo de 10 amigos decidiu jogar futebol na frente da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, no Centro Histórico. Como em toda competição esportiva, cada gol era comemorado com muitos gritos, mas, apesar do barulho, ninguém da vizinhança parecia se incomodar - pelo menos, não os moradores de carne e osso.

Depois de um tempo, um dos amigos ouviu uma voz pedindo silêncio, em um tom baixo. No começo, ele pensou que era coisa da cabeça dele, uma ilusão. Quem nunca? Mas, a voz voltou e, dessa vez, todos conseguiram ouvir. Em seguida, os portões da igreja tremeram violentamente, como se atingidos por uma ventania, apesar de não estar ventando no local. Assustados, os jovens fugiram e nunca mais voltaram a jogar ali.

Será que não era só mais um padre cansado, determinado a manter a paz na porta da igreja? Fica o questionamento.

Há cerca de 20 anos, um grupo de 10 amigos decidiu jogar futebol na frente da igreja. | Foto: Tereza Torres

A Lenda da Casa das Sete Mortes

A Casa das Sete Mortes é uma mansão colonial construída no século 17 para ser a casa do padre Manuel de Almeida, no Centro Histórico de Salvador. A residência, que tem dois andares e um sótão, abriga um pátio interno revestido com azulejos do século 17 e piso de mármore. No banheiro, há uma banheira incrustada de conchas, e o vestíbulo é revestido com azulejos ingleses do século 19.

Em 1943, o casarão foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Hoje, a Escola Técnica da Casa Pia funciona no local.

Durante anos, a Casa das Sete Mortes foi a morada do padre Manuel de Almeida. Até aí, tudo bem. Só que, em 1756... ele foi assassinado a facadas. Além do padre, outras três pessoas foram mortas: dois escravizados e um trabalhador liberto. O culpado nunca foi descoberto.

Mas... não tá faltando gente aí? Até onde se sabe, e segundo o que está registrado no Arquivo Público da Bahia, "apenas" quatro pessoas foram assassinadas no local. Quem colocou outras três aí nesse bolo? Assim como a autoria do crime, esse mistério, até hoje, não foi solucionado.

Durante anos, a Casa das Sete Mortes foi a morada do padre Manuel de Almeida. | Foto: Wikimedia Commons

A Mulher de Roxo

A Mulher de Roxo, na verdade, nem é lenda: ela, de fato, existiu, mas era uma figura tão única e misteriosa que se tornou quase mítica, como uma aparição.

Durante mais de 30 anos, entre 1960 e 1997, a Mulher de Roxo perambulou pela icônica Rua Chile, no Centro Histórico de Salvador. Ela costumava ficar em frente à antiga Casa Sloper, onde vivia pedindo esmolas aos transeuntes que passavam por ali e, curiosamente, não aceitava moedas.

Sempre com um vestido roxo e um crucifixo enorme pendurado no pescoço, ela despertava curiosidade por onde passava. Todo o folclore sobre a Mulher de Roxo se tornou tão parte da história de Salvador que virou música, composta em parceria por Pitty e a Banda Cascadura em 2012:

"Já veio louca, um salmo na boca
Com a roupa roxa, toda roxa
A Chile é a casa que tem
Bruxa-fada, dragão sem asa
Fez coisa errada, falam
Tá condenada a viver na solidão
Voz educada, cuspindo mágoa
Santa danada, tá retada
Na Sloper pede um vintém
Salvou uma alma, perdão por nada
Cabeça come água
E faz sinal da cruz pra garantir
Com olhos de quem vê o final
Nos deu sua mercê".

Entre 1960 e 1997, a Mulher de Roxo perambulou pela icônica Rua Chile. | Foto: Fundação Gregório de Mattos

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