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Os fantasmas do Vila Velha: funcionários de teatro em Salvador garantem conexão até com ex-fundador morto em 79; "tem gente cuidando da gente"

O Vila Velha foi construído aos poucos, bloco por bloco, sem muita pressa, com a ajuda de amigos dos fundadores.

Por Bruna Castelo Branco

Os fantasmas do Vila Velha: funcionários de teatro em Salvador garantem conexão até com ex-fundador morto em 79; "tem gente cuidando da gente"  Créditos da foto: Bruna Castelo Branco e Mateus Xavier/Aratu On


O espetáculo era uma releitura de Hamlet, de Shakespeare, que traz a história do fantasma pai. Por um pequeno deslize operacional, a atriz e coordenadora operacional Meniky Marla, que está no Teatro Vila Velha, em Salvador, há quatro anos, não deixou o palco no momento planejado e acabou ficando um pouco mais em cena. Quando veio uma nova deixa e ela conseguiu sair, Meniky sabia que teria pouco tempo para vestir o novo figurino e subir as escadas para entrar em cena novamente. Ela correu para o depósito, que mais parece uma feirinha de antiguidades atulhada de coisas escondidas no teatro, e foi até as escadas. E foi lá que ela viu.


“Eram dez trocas de figurino. Um dos meus figurinos era um voal preto. Eu saí de cena, peguei o voal, só que não tinha mais ninguém. Quando eu olhei para o lado, eu vi um vulto. E eu sabia que todo mundo já tinha subido. Estava todo mundo lá em cima, preparado. Eu peguei o meu voal e fui. Aí, eu vi, de fato, um vulto parecido com o meu voal. Na hora, eu não processei. Eu falei assim: ‘Massa, deve ser, então, né… esse é o meu primeiro contato aqui com os donos da casa’”.


Depósito do Teatro Vila Velha


Há anos, os funcionários do Teatro Vila Velha, que fica no Passeio Público, convivem com uma lenda: de vez em quando, um dos fundadores, João Augusto, aparece por lá para ver como estão as coisas. Ele morreu em 1979.


“Desde que cheguei aqui, em 2018, que eu já tinha escutado, né, o próprio Marcio [Meirelles] tinha comentado. E de uma forma muito tranquila também, relatos de pessoas que já passaram por aqui, atores e atrizes, de já terem visto”, explica Meniky, que ressalta: lá no teatro, ninguém vê esses encontros sobrenaturais como algo negativo. Meirelles, figura carimbada no cenário cultural da Bahia, atualmente dirige o local. 


Outra história bastante conhecida pelos corredores do teatro é de uma atriz que, sem saber, contou que pode ter conversado com João Augusto. Meniky não a conheceu pessoalmente, mas conhece o relato dela.


A atriz Meniky Marla relembra o encontro dela com um vulto: "Eu peguei o meu voal e fui. Aí, eu vi, de fato, um vulto parecido com o meu voal"


“Tem o relato de uma atriz que foi semelhante ao que aconteceu comigo, só que o dela foi muito mais visual. Sempre os espetáculos aqui têm muito coro, então, são muitas pessoas em cena. Ela estava em um determinado local, desses acessos por trás do palco, esperando para atravessar. Ela relata que um homem chegou. Não dava para ver a fisionomia dele, só uma silhueta, por conta da luz do espetáculo. E aí, ela perguntou: ‘Todo mundo já foi?’. E ele respondeu: ‘Todo mundo já foi, está do outro lado, só falta você’. Ela disse que conversou com ele. E, depois, ela chegou para todo mundo: ‘Pô, vocês nem me esperaram. O rapaz da técnica que veio me falar’. Só que, nesse dia, não tinha o rapaz da técnica. Não tinha ninguém lá. Supostamente, pelas características que ela deu, ela conversou com João Augusto”.


SOCIEDADE TEATRO DOS NOVOS


O dramaturgo, encenador e gestor cultural Marcio Meirelles, diretor do Teatro Vila Velha e fundador do Bando de Teatro Olodum, conhece bem a história da fundação da casa, que aconteceu em 1964. Ainda nos anos  de 1950, antes da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (UFBA) nascer, não existiam teatros profissionais em Salvador, apenas “teatros amadores, grupos familiares, teatros dentro das casas das pessoas e teatros de clubes”. O primeiro espaço profissional foi o Teatro Martim Gonçalves, da UFBA, que passou alguns anos sendo o único.


Até que seis artistas se juntaram, criaram a Companhia de Teatro dos Novos e decidiram fundar o Vila Velha em um dos pontos mais bonitos da cidade - o Passeio Público, com vista para a Baía de Todos os Santos -. A companhia era formada por alunos da Escola de Teatro da UFBA que, após romperem com o diretor Martim Gonçalves, decidiram montar a própria sociedade. Eles eram: Echio Reis, Sônia Robatto, Carlos Petrovich, Othon Bastos, Thereza Sá e Carmem Bittencourt. O grupo era liderado pelo professor João Augusto.


“João Augusto era um mentor, né? Ele era carioca, dramaturgo, ator, professor da Escola [de Teatro da UFBA]. Eles [Companhia de Teatro dos Novos] brigaram com Martim Gonçalves, que era o diretor, saíram da Escola e, liderados por João, começaram um movimento. Como eles não tinham um teatro, eles faziam teatros improvisados, na praça, na rua, e no interior. Eles viajaram muito. A estreia deles foi em Ilhéus, em dezembro de 1959. João Augusto era esse cara, ele tinha essa visão”, ressalta Marcio.


O Vila Velha foi construído aos poucos, bloco por bloco, sem muita pressa, com a ajuda de amigos dos fundadores. O show de inauguração, o “Nós, por Exemplo”, ficou por conta de nomes que logo se tornaram os mais importantes da Música Popular Brasileira: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Gal Costa e Maria Bethânia. Nesse dia, ficou registrado: o Vila Velha deu certo.


OUTRAS VISITAS


Com o tempo, mesmo com a casa em funcionamento, os seis fundadores foram se separando, migrando para cidades diferentes. “Othon Bastos foi para o Rio, Echio Reis foi para o Rio”. Mas, o carioca, João, ficou. “Ele ficou na Bahia, formou muita gente, criou muita coisa. João nunca quis sair daqui”. E, depois de escutar uma das histórias sobrenaturais mais marcantes do Vila, que aconteceu nos anos 1990, durante as obras da sala principal do teatro, dá para perceber que não saiu mesmo.


Marcio Meirelles fala sobre um dos fundadores do Vila Velha, João Augusto: “Ele ficou na Bahia, formou muita gente, criou muita coisa. João nunca quis sair daqui”


“Aqui, estava sendo revolvida a terra. A gente estaria, aqui [na Sala Principal, que fica abaixo do nível do solo] debaixo da terra. A sala era mais alta, aí, foi cavada. Estava funcionando, tinha um segurança. Ele ouviu alguma coisa, ou pressentiu, e desceu as escadas. Aí, no andar intermediário, ele viu um rapaz jovem, que disse: ‘Olhe, você toma conta daí para cima. Daqui para baixo, sou eu’. Então, a gente sente que tem uma segurança (risos). Alguém cuidando da gente aqui, cuidando da existência do teatro. Tem gente cuidando da gente”, relembra Marcio. No outro dia, como diz a história, o segurança de cima pediu demissão e não voltou mais.


Mas, mesmo que as histórias pareçam um pouco assustadoras para quem as escuta, quem convive com elas todos os dias não sente medo, pelo contrário - trata tudo com toda a naturalidade -. É o caso de Vania Paixão, que trabalha na administração do espaço e está no Vila Velha há 23 anos. Lá, ela é conhecida como uma das memórias vivas da casa.


“Se me perguntar coisas de 10, 15 anos atrás, eu lembro. Tenho uma história com o Teatro Vila Velha, e o Teatro Vila Velha tem uma história comigo. Acho que ninguém nunca vai esquecer de Vania que passou por aqui, disso eu tenho certeza. Posso estar viva, posso estar morta, mas, o meu nome vai ficar aqui”.


Em todo esse tempo, ela ouviu muitas histórias sobre os passeios de João Augusto e outros artistas pelo teatro. E, em 2006, e somente em 2006, viveu uma delas.


“Já vi muitas histórias do Teatro Vila Velha, de pessoas entrarem e dizerem que viram João Augusto lá na sala [de ensaio], lá no palco, aqui, pelo teatro todo, mas, eu não digo assim: ‘Ah, eu vi o fantasma de João Augusto’. Eu vi uma visão no palco uma vez. Como eu era gerente noturna, eu fechava o teatro todo. Era a última a sair. Então, uma vez, quando eu fechei o palco, eu vi alguma coisa. Um vulto, não sei o que foi. Era como se tivesse uma sombra no meio do palco, parada. Não sei nem dizer que rosto eu vi. Para mim, eu acho que foi João Augusto, que veio visitar. Ele veio visitar a casa dele”.


O Teatro Vila velha foi fundado em 1964 por seis estudantes da Escola de Teatro da Ufba


Por mais que estivesse sozinha na casa, à noite, Vania, assim como Meniky, garante que não sentiu medo. “Para falar a verdade, eu senti que era uma coisa boa. Eu pensei logo: ‘Poxa, é João Augusto que está vindo’. Não senti medo. Acho que a gente tem que ter medo dos vivos, não dos mortos. Foi uma sensação boa. Tem gente que se preocupa e está aqui no Vila”.


Aliás, para ela, ninguém no Vila Velha fica sozinho. O teatro nunca está vazio. “Ainda acho que ele vem todos os dias. Uma visita. Para ver como está a casa dele, como é que o povo está tratando, como está mantendo. Acho que é só uma saudade”.


Vania Paixão trabalha no Teatro Vila Velha há 23 anos: "Já vi muitas histórias de pessoas entrarem e dizerem que viram João Augusto"


O VILA DE HOJE


Assim como outros teatros no mundo todo, o Vila Velha está remontando o palco e reabrindo as portas após o começo da pandemia. Como explica Meniky Marla, o Vila não tem patrocínio, funciona unicamente com recurso próprio - que, por causa da pandemia, caiu nos últimos meses -.


“Cada um faz um pouco de tudo, cada um no seu setor, mas, muito nessa ajuda para que o teatro se mantenha vivo. Literalmente, se mantenha vivo, funcionando. A arte não pode parar, né. O que é a vida sem a arte?”.


Atualmente, além da Universidade Livre de Teatro, que promove a formação de atores, o Vila ainda é a casa da Companhia de Teatro dos Novos - aquela lá de trás, mais antiga do que o próprio teatro -.


VEJA A PROGRAMAÇÃO DO VILA VELHA 


CASALS, PICASSO, NERUDA - Os Três Pablos Guerreiros Contra o Dragão da Maldade

Quando: De 3 de julho à 7 de agosto, sempre aos sábados e domingos às 16:00 horas

Onde: Teatro Vila Velha, Passeio Público - Av. Sete de Setembro, Campo Grande

Quanto: R$ 20,00 (meia), R$ 40,00 (inteira) | Ingressos no Sympla | Há também a opção do ingresso solidário (R$ 60,00) através do qual você garante a sua entrada e de mais duas pessoas de instituições


É obrigatória a apresentação de cartão de vacinação com o ciclo vacinal completo e o uso de máscara em todas as dependências do Vila Velha.


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