LERÊ LERÊ: Figurantes trabalham 12 horas por menos de 50 reais e não recebem valores adicionais
LERÊ LERÊ: Figurantes trabalham 12 horas por menos de 50 reais e não recebem valores adicionais
Há quem pense que vida de quem está na televisão é só glamour, mas por trás daqueles 15 segundos ou menos de quase fama dos figurantes existe muita ralação – e pouco reconhecimento. Aposentados, atores em busca de contatos e experiência na TV e gente em busca de um complemento de renda são alguns dos perfis de quem se candidata à função, que paga cachês entre R$ 47 e R$ 66 por uma jornada de até 12 horas de trabalho. Uma ou outra participação, que exige uma habilidade específica, como montar a cavalo ou carregar uma bandeja, paga pouca coisa a mais: R$ 90.
O valor baixo do cachê é reclamação da maioria dos figurantes ouvidos pelo UOL, que ainda afirmam que não recebem adicional em gravações noturnas, feriados e finais de semana. Sem contar a dificuldade de receber por parte de algumas agências responsáveis pelo recrutamento dos profissionais para cada produto, como noticiou o colunista Flávio Ricco. “Algumas demoram até 60 dias para pagar e você tem que ficar cobrando”, afirma o ator Heinz Prellwitz, 41, que faz figurações desde 2013, em produções como as novelas “Os Dez Mandamentos”, “Liberdade, Liberdade” e os humorísticos “Tá no Ar” e “Zorra”.
O jeito como os figurantes são tratados até pelos colegas é o que mais incomoda a goiana Elaine, 27 anos. “Eu conheci pessoas maravilhosas, não vou generalizar. Mas já cheguei a discutir com diretor em cena porque ele tratava figurante como se fosse lixo. Até camareira nos trata mal. Já aconteceu de eu ter que gravar uma cena debaixo de uma lâmpada muito quente com casaco de frio. Pedi para colocar uma roupa mais leve, e a figurinista disse: ‘Figurante não fala, só tem direito de calar a boca'”, afirma ela, com experiência de um ano e meio na função, em produções como “Os Dez Mandamentos”, “Verdades Secretas” e “Babilônia”.
O ator e escritor Raymundo Monteiro, 33 anos, reclama da existência de “panelinhas” e não enxerga uma mudança no quadro tão cedo, já que eventuais reclamações repassadas às agências nem chegam às emissoras, segundo ele. Para Raymundo Monteiro, figurantes são considerados “trabalhadores de segunda classe”. “Enquanto tiver gente deslumbrada que se predispõe a fazer qualquer coisa achando que vai aparecer, que vai ficar famoso, vai continuar. Enquanto o pessoal não bater o pé, ninguém vai tomar atitude. Eu sou ator. Tenho muito o que aprender, mas preciso de oportunidade para isso”, diz.
Segundo Prellwitz, greve de figuração é um assunto debatido há anos. “O cachê é muito baixo. Mas sempre alguém vem com o velho argumento: se não formos, tem quem vá. O pessoal está na porta da Globo esperando alguém desistir. O mercado é prostituído e não tem a menor chance de mudar porque o Brasil inteiro quer ser figurante da Globo. Fazer o quê? “, lamenta.
Cristina Schneider, proprietária da agência Natália, reconhece que o valor pago atualmente – e que é determinado pelos contratantes – não é o ideal. “Está defasado há muitos anos, deveria aumentar. Mas estamos em ano de crise, o desemprego está gritante, não temos nem como negociar. Infelizmente, é o que tem para hoje”, diz. Já Celia Lima, dona da agência Luz e Cor, não vê motivos para contestação. “Avisamos que o cachê é tanto. Se acha pouco, não tem que vir”, afirma.
A Globo afirma que trabalha com pelo menos dez agências de figuração experientes no setor, cujo trabalho é acompanhado o ano todo.
“Quando o resultado esperado da agência não é alcançado, ela pode ser substituída, algo natural em qualquer contratação de terceiros. Sempre que recebemos qualquer reclamação, seja de funcionário, terceirizado ou figurante, apuramos e tomamos as medidas cabíveis”, afirma o departamento de comunicação da emissora. Procurada, a Record não retornou até o fechamento da reportagem.
Do UOL*