Ou o Brasil se livra de apostas online, ou as bets acabam com o Brasil
Pode ser que você rebata: “esse problema não é comigo, ninguém está obrigando ninguém a jogar, e não sou otário de gastar meu dinheiro nisso”. É uma forma de pensar. Mas já há um problemão de finanças públicas e crise no comércio e nas aposentadorias
Fonte: Pablo Reis
Houve um tempo que a preocupação era saber se aquele irmão de sua mãe, canastrão, chamado pejorativamente de Leleco, estava desviando boa parte da aposentadoria “pra dar vida boa à novinha”. Hoje, algumas famílias comemorariam se o problema financeiro de Tio Jaime ou Abílio fosse sustentar duas ou três amantes.
É que dois milhões de idosos do país gastam dinheiro em apostas e jogos de azar online. É como se fossem três Feiras de Santana inteiras, só com pessoas acima de 60 anos, e todos colocando o dinheiro de aposentadorias para queimar nesse cassino virtual. Pra piorar, não é pouca grana. A média que cada um destes milhões usa é de R$ 3 mil. Por mês. De média!
Foto ilustrativa feita por Inteligência Artificial (IA)
Entre os mais de 10 milhões de jovens adultos, na faixa de 20 a 30 anos, que desperdiçam dinheiro nessa estripulia de adultos, a média é de R$ 100. A brincadeira de mau gosto e mau bolso fez com que 22 milhões de brasileiros (10% de nossa população) tivessem participado dessa roleta em 30 dias. E piora: 4 a cada 10 estão endividados e um terço de todos os apostadores pediram empréstimo para quitar as dívidas.
A blindagem midiática
Os dados são absurdos, grotescos mesmo, assustadores. E não precisam de grandes investigações pra serem encontrados, são informações públicas. A maioria está contida numa análise técnica disponibilizada pelo próprio Banco Central em Setembro de 2024. Certamente, você não tinha conhecimento, até então.
Ainda que pese a gravidade dessa contabilidade maligna, não há muito interesse da mídia em dar visibilidade. Aliás, não há qualquer interesse. Sabiamente, as bets repassam uma parte do faturamento, ainda que minúscula, para as empresas de comunicação e os influenciadores fazerem uma blindagem de imagem. Ainda que não recebam pra falar bem, eles também não ousariam criticar publicamente.
Conheço um que me contou o quanto é difícil recusar. Recebeu a proposta para fazer as publis e seduzir seguidores a embarcarem nessa roleta russa digital. Ele me falou que, pra fazer a mesma entrega, ele iria receber um cachê seis vezes maior do que o melhor que já tinha negociado até então.
Bomba-relógio econômica
Pode ser que você rebata: “esse problema não é comigo, ninguém está obrigando ninguém a jogar, e não sou otário de gastar meu dinheiro nisso”. É uma forma de pensar. Sem levar em conta o impacto na saúde pública (vários relatos de depressão associada e tentativas de suicídio, que já rendem um artigo à parte), há um problemão de finanças públicas. Isto, sim, pode recair em seu bolso.
A Confederação Nacional do Comércio calculou que o varejo no país perdeu mais de R$ 103 bilhões por causa da relação direta com as bets. E mais: 1,8 milhão de consumidores passaram a dever por causa das apostas.
"A inadimplência elevada pode levar a uma redução no consumo, desaceleração econômica, aumento da taxa de juros e instabilidade financeira", afirmou a CNC, em nota. Em apenas um mês, os beneficiários do Bolsa Família desviam R$ 3 bilhões dos recursos do programa social para essas empresas. De cada R$ 100 movimentados no setor, R$ 80 são direcionados para operações semelhantes ao Jogo do Tigrinho. O volume para apostas esportivas é bem menor.
Foto ilustrativa feita por IA
Futuro sequestrado e falido
Isso tudo foi a gente falando em presente. Precisamos também falar em futuro. E o futuro das nações é comumente projetado a partir do quanto elas investem em pesquisa, tecnologia e educação. O montante que o Brasil dedica a projetos de inovação, tanto no poder público, quanto em ações da iniciativa privada, é da ordem de 1,2% do PIB. Países como Coreia do Sul e Israel aplicam 4% do PIB. Em números absolutos, o economista Marcos Troyjo, ex-presidente do Banco dos Brics e criador do BRICLab, na Universidade de Columbia, estima em R$ 110 bilhões ao final deste ano. Por outro lado, o Banco Central projeta que as bets devem movimentar R$ 240 bilhões no período de 12 meses.
Resumindo para o bom português, nosso país gasta mais que o dobro com empresas que não geram empregos, que podem nem estar sediadas no Brasil, que comprovadamente podem adoecer parte da população. Estamos queimando dinheiro, em vez de colocá-lo a serviço do futuro. Enquanto a banca vence no presente, estamos, deliberadamente, implodindo gerações.
Ou o Brasil se livra das bets, ou as bets acabarão com o Brasil. O que vamos escolher?
Aqui estão os principais dados sobre bets e apostadores, organizados do relatório do Banco Central, de setembro de 2024
1 - Número de Apostadores no Brasil
- 22 milhões de brasileiros realizaram algum tipo de aposta nos últimos 30 dias.
- Esse número representa mais de 10% da população brasileira (considerando 210 milhões de habitantes).
- Inclui menores de idade (16 anos ou mais).
- Dado semelhante foi encontrado em estudo do Banco Central.
2 - Perfil Econômico dos Apostadores
- 32% dos apostadores estão fora do mercado de trabalho.
- 27,5% são desocupados (não trabalham e nem procuram trabalho).
- Faixa de renda dos apostadores:
- 52% ganham até 2 salários mínimos.
- 35% ganham entre 2 e 6 salários mínimos.
- 13% ganham mais que 6 salários mínimos
3 - Perfil Etário dos Apostadores
- Maioria tem entre 20 e 30 anos e gasta em média R$ 100 por mês.
- Aposentados (60 anos ou mais) são a menor parcela, mas gastam acima de R$ 3 mil mensais.
4. Apostas e Endividamento
- 42% dos apostadores estão endividados.
- 30% dos apostadores buscaram empréstimos em bancos para apostar.
- Endividamento inclui empréstimos pessoais, cheque especial e cartão de crédito.
5. Uso de Benefícios Sociais em Apostas
- Entre janeiro e agosto de 2024, as casas de apostas receberam R$ 10 bilhões de beneficiários do Bolsa Família.
- Apenas em agosto de 2024:
- O governo pagou R$ 14,1 bilhões em benefícios.
- R$ 3 bilhões foram usados para apostas (cerca de 20% do valor total do Bolsa Família).
6. Perdas Financeiras e Lucro das Casas de Apostas
- Gasto total em apostas (junho 2023 - junho 2024): R$ 68,2 bilhões.
- Valor devolvido como prêmios: R$ 44,3 bilhões.
- Casas de apostas ficaram com 35% do valor apostado (cerca de R$ 23,9 bilhões).
- Casas de apostas dominam o patrocínio esportivo no Brasil devido ao alto lucro.
7. Crescimento do Mercado e Influência
- Aposta online se popularizou com o patrocínio massivo em esportes e publicidade na mídia.
- Influenciadores digitais recebem ofertas altíssimas de patrocínio para promover casas de apostas.
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