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Vítimas e familiares esperam há 5 anos pelo bom senso de responsáveis por tragédia da Cavalo Marinho I

A tragédia resultou nas mortes de 20 pessoas e causou transtornos que alteraram a qualidade de vida dos sobreviventes.

Por Diorgenes Xavier

Vítimas e familiares esperam há 5 anos pelo bom senso de responsáveis por tragédia da Cavalo Marinho ICréditos da foto: divulgação/SSP-BA


Há cinco anos, o naufrágio da lancha Cavalo Marinho I marcou a história das famílias de dezenas de pessoas, vítimas dessa trágica ocorrência durante a travessia marítima de Mar Grande, na Ilha de Itaparica, para Salvador.


A tragédia resultou nas mortes de 20 pessoas e causou transtornos que alteraram a qualidade de vida dos sobreviventes. Entre as cenas de medo, tensão e desespero, a imagem do socorrista Jaeliton Assis, correndo com uma criança no colo, é uma das mais impressionantes.


O técnico de enfermagem do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) tentava salvar Davi Gabriel, um bebê com apenas seis meses de idade. Na ocasião, tudo que podia ser feito pela equipe foi colocado em prática, mas o garoto não resistiu aos impactos sofridos no acidente.


Ana Paula Monteiro, mãe do pequeno Davi, viajava com ele na companhia da avó do menino e da filha Milena, outra criança, àquela época com quatro anos. A família até hoje busca se refazer do trauma que viveu naquele naufrágio.


Há cinco dias, nossa reportagem voltou ao local onde o bebê recebeu atendimentos e reencontrou Jaeliton. O socorrista contou que, naquele dia, estava na base do 5º Centro de Saúde, em Salvador, quando recebeu a missão de atender uma senhora que estava passando mal no Terminal Náutico, no bairro do Comércio.


A vítima era uma mulher que havia chegado ao porto em uma lancha que iniciou a travessia de Mar Grande para a capital baiana, pouco depois que a Cavalo Marinho I havia saído. Ela estava passando mal, porque no caminho teve a triste experiência de presenciar o desespero dos náufragos.


De acordo com o técnico do Samu, logo em seguida, chegou um barco conduzido por um homem que teria visto algumas pessoas no mar e prestou socorro às vítimas. Entre elas, estava o pequeno Davi. Segundo Jaeliton, a criança estava deitada e em parada cardiorrespiratória.



Pela gravidade da situação, ele disse que a equipe médica decidiu dar continuidade ao atendimento de Davi em uma unidade de suporte avançado. É nesse momento que Jaeliton corre com a criança nos braços, atravessando uma passarela que dá acesso ao terminal e vai em direção à ambulância, onde ela acabou morrendo.


O comprometimento de Jaeliton fez com que ele prosseguisse no socorro às outras pessoas, mas confessou que ficou bastante tocado com aquela situação. "Essa ocorrência vai me marcar pra vida toda! A comoção, o ambiente em si, a dor da família, todo o nosso empenho [...], mas foi feito a vontade de Deus!", ressaltou.


Além da tristeza de quem sofre pela perda, existe a sensação de que há um desrespeito com as famílias envolvidas e, principalmente, com a memória dos que morreram. A empresa CL Empreendimentos, dona da embarcação, a Marinha do Brasil e a Agência de Regulação de Serviços Públicos de Energia, Transportes e Comunicações da Bahia (Agerba) foram acionadas na Justiça, mas ninguém, até então, foi indenizado.


"Hoje é difícil viver sentindo saudade do nosso filho e conviver com a questão da impunidade deixa a gente muito triste. Eu e meu marido, a gente só está de pé porque confia em Deus. É uma dor que eu não consigo explicar”, disse Ana Paula ao Aratu On.



A família de Davi Gabriel morava em Mar Grande e continuou na Ilha por mais um ano e meio. Hoje, os pais dele e a irmã estão em Feira de Santana. "Lá estava muito ruim de trabalho e a gente decidiu sair", contou Ana Paula.


Na Justiça, os processos indenizatórios estão tramitando em âmbitos diferentes. Uns mais avançados que outros. Contudo, ainda estão longe de um desfecho que dê às famílias envolvidas na tragédia um alento para a situação. 


DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL


Na Defensoria Pública Estadual da Bahia existem 36 ações em tramitação. A Comarca de Itaparica cuida de 35 delas e apenas uma está em Salvador. Antes haviam 40 processos com a DPE, mas quatro pessoas resolveram ser acompanhadas por advogado particular.


Ao Aratu On, o defensor público estadual, Gil Braga, informou que algumas propostas de acordo acabaram não evoluindo. "Houve tentativa de conciliação nos processos, mas não houve nenhuma com êxito até agora". 


Gil Braga disse, ainda, que as ações de Itaparica estão com processos suspensos, porque está havendo uma discussão sobre a possível participação da União na ação. As de Salvador, porém, não tiveram decisão nesse sentido. “Continuam tramitando e os processos estão sendo impulsionados pela Defensoria do Estado”, afirmou.


De acordo com o defensor, a DPE se manifestou sobre as defesas apresentadas pelo réu em vários processos. “O que cabe à Defensoria está sendo executado. A Defensoria tem feito um acompanhamento diligente e atencioso de todos os processos”, destacou.


Com relação à federalização do caso, Braga ressaltou que, particularmente, considera uma discussão que, de qualquer forma, não invalida as ações estaduais, porque, segundo ele, mesmo que a União venha a participar do processo, não vai afastar a responsabilidade da CL e dos sócios.


DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO


Procurada pela reportagem do Aratu On, a Defensoria Pública da União (DPU) informou que já atua em cinco casos envolvendo pessoas que estavam na embarcação Cavalo Marinho I. As ações apresentadas pela DPU são pedidos de indenização por danos morais e materiais, não havendo nenhum caso relacionado diretamente às vítimas fatais.


Ainda de acordo com a DPU, dos cinco casos acompanhados por esta instituição, um foi julgado procedente, a primeira decisão sobre o tema; um foi julgado improcedente, tendo a DPU já apresentado recurso; e outros três aguardam decisão judicial na primeira instância. Nesses últimos, foi pedido, no mês passado, a celeridade no julgamento da ação, considerando que os autos do processo estão prontos para decisão, desde setembro de 2021.


A DPU acrescentou que, na ação julgada procedente, a União foi condenada a pagar indenização de cerca de R$ 40 mil por danos morais e materiais a um assistido que teve lesões corporais e perdeu dinheiro, documentos, além de equipamentos de trabalho. No entendimento da Justiça Federal, houve omissão na fiscalização da Capitania dos Portos, vinculada à Marinha.  A União recorreu em abril e o processo está na esfera recursal. 


ESCRITÓRIO PARTICULAR


Representando um escritório de advocacia particular, o advogado José Orisvaldo Brito da Silva relatou para o Aratu On que defende, ao todo, 23 processos. Todos continuam em andamento, sendo que agora há seis casos já julgados, porém, pendentes de recursos: uma situação de óbito e os demais sobreviventes. 


Segundo o advogado, o juiz está arbitrando, em média, um valor entre R$ 50 mil a R$ 80 mil para as pessoas que conseguiram se salvar do naufrágio. No caso do falecimento, o Tribunal da 6ª Vara Federal condenou os réus ao pagamento de uma indenização de R$ 250 mil por danos morais. 


"Todos esses processos que já têm sentença foram ajuizados na Justiça Federal, já que envolve a União como ré", ressaltou o advogado, lembrando que naqueles ajuizados pela DPE foi colocado, apenas, a CL e, infelizmente, isso torna o andamento mais lento.



No âmbito federal, contudo, os processos ainda estão na primeira instância, "porque a CL entra com todos os recursos possíveis para atrasar o andamento”. Mesmo assim, Brito entende que chegou o momento de um avanço, diante da decisão pela responsabilidade 


O advogado lembrou que a Capitania dos Portos reconheceu que houve culpa do condutor da embarcação, assim como da Marinha em razão da demora do socorro às vítimas, além de uma série de falhas e problemas estruturais apresentadas pela Cavalo Marinho I.


Brito acredita que os advogados da empresa, pelo que estão fazendo, vão levar o caso a todas as instâncias possíveis e os processos podem acabar chegando ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). 


Por não ser uma matéria de cunho constitucional, Brito não vê razão para o Supremo Tribunal Federal ser acionado. "Eles podem até entrar com um recurso extraordinário no STF, simplesmente, pra ganhar tempo", disse, considerando que o processo retornaria à corte anterior.


A defesa das vítimas avalia que daqui a mais dois anos, haja uma solução de todos esses casos na área federal. Na estância atual, segundo o advogado, ainda em 2022, devem acontecer outras decisões, já que os processos estão todos prontos.


Entretanto, até o pagamento efetivo das indenizações é possível que os autores tenham que esperar um tempo um pouco acima de três anos. Isso porque os processos acionam a União, a Agerba e a CL. "Só que a União tem um problema: ela paga perante precatórios. Então, depois que você ganha a causa e exaura todos os recursos, aí você entra com precatório e isso pode levar um ano e meio”, explicou.


LEIA MAIS: Quanto vale uma vida? Dono da Cavalo Marinho I ofereceu até R$ 5 mil às vítimas de tragédia; "precisam pagar", diz mãe de bebê


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