Júri popular: entenda como funciona e quando é aplicado
Aratu On conversou com as advogadas Daniela Portugal e Mayana Sales para entender quais etapas são necessárias para condenar ou inocentar alguém
“Mas quem sou eu para julgar?”
Essa frase surge em meio a conversas e fofocas, mas você sabia que, de forma legal, é possível julgar alguém próximo a você? É o que acontece no júri popular, onde cidadãos comuns se tornam “juízes leigos” e decidem o destino de um acusado.
Para explicar como funciona esse processo, quem pode participar e quais etapas são necessárias para condenar ou inocentar alguém, o Aratu On conversou com a advogada criminalista Daniela Portugal.
Tribunal do Júri: a sociedade na Justiça
O Tribunal do Júri é um dos pilares do sistema judiciário brasileiro quando se trata de crimes dolosos contra a vida. É nele que cidadãos comuns podem decidir sobre a culpa ou inocência de um réu, garantindo que a sociedade participe diretamente dos rumos da Justiça.
“Esses jurados são cidadãos comuns que, de forma democrática, ajudam a construir a justiça penal ao decidir crimes dolosos contra a vida”, explica Daniela. Ela ressalta, porém, que por serem leigos, os jurados não têm formação técnica suficiente para aplicar a lei como um juiz profissional.
Crimes julgados pelo júri popular
O júri popular lida com crimes dolosos contra a vida, ou seja, aqueles cometidos com intenção consciente. Entre eles:
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Homicídio
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Infanticídio – quando a mãe mata o próprio filho durante o parto ou logo após
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Induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio
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Aborto – provocado pela gestante ou por terceiros
O Tribunal do Júri avalia tanto os crimes consumados quanto os tentados.
Etapas de preparação do júri
Antes do julgamento, o processo passa por investigação e instrução:
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Pré-processual: coleta de provas, oitivas de testemunhas e perícias, normalmente por meio de inquérito policial.
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Fase processual: dividida em duas etapas:
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Judicium Accusationis (juízo de acusação): instrução e produção de provas.
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Judicium Causae (juízo da causa): julgamento em plenário pelos jurados, analisando materialidade, autoria e circunstâncias, decidindo sobre condenação ou absolvição.
Além disso, há decisões intermediárias que podem ocorrer antes do júri:
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Pronúncia: o réu vai a julgamento, pois há provas suficientes.
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Impronúncia: a acusação é afastada por falta de provas.
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Absolvição sumária: o réu é absolvido sem ir a julgamento.
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Desclassificação: o crime não é doloso contra a vida e é julgado por um juiz singular.
Seleção dos jurados
O júri popular começa com 25 cidadãos sorteados, mas apenas 7 compõem o conselho de sentença. Para se tornar jurado, é preciso:
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Ter mais de 18 anos
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Ser eleitor
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Não ter antecedentes criminais
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Concordar em prestar o serviço voluntariamente
Algumas condições impedem a participação, como deficiências auditivas, visuais ou doenças neurodivergentes.
Os candidatos se alistam no Tribunal do Júri da cidade, apresentando documentos como identidade, CPF, certidão negativa criminal e atestado de bons antecedentes.
“Juízes leigos”: experiência e julgamento
Daniela Portugal lembra que todos julgamos, de alguma forma, a partir de nossas experiências pessoais e sociais. “Isso vale tanto para jurados leigos quanto para juízes togados. O que muda é a profundidade técnica, mas o julgamento humano tem sempre um componente social”, afirma.
No júri, os jurados votam em urna secreta. A decisão da maioria, ou seja, 4 de 7 votos, define o destino do réu.
Desafios do júri popular
Segundo a advogada Mayana Sales, especialista em Direito Penal, o júri popular apresenta desafios específicos:
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Produção e valoração de provas: a defesa não tem o mesmo aparato investigativo do Estado.
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Inquirição de testemunhas: é preciso explorar contradições sem perder credibilidade.
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Convencimento dos jurados: traduzir argumentos jurídicos complexos em linguagem clara, acessível e impactante.
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Compreensão sociocultural: conhecer a realidade e perfil dos jurados ajuda na comunicação.
Sanidade mental do réu
Quando há dúvida sobre a integridade psíquica do acusado, o processo é suspenso para análise de inimputabilidade. Se declarado inimputável, o caso não vai ao júri popular, e aplica-se medida de segurança.
Estratégias de defesa e qualificadoras do crime
Mayana explica que cada qualificadora gera estratégias específicas para reduzir a pena:
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Motivo torpe: humanizar o réu, mostrando que não agiu por perversidade.
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Meio cruel: demonstrar ausência de sofrimento especial da vítima.
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Recurso que dificultou defesa da vítima: provar que houve confronto ou resistência.
Papel do juiz e dos jurados
No júri:
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Conselho de sentença (7 jurados): decide sobre materialidade, autoria e qualificadoras, acolhendo ou não teses defensivas.
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Juiz-presidente: fixa a pena concreta em caso de condenação, seguindo critérios legais (art. 68 do Código Penal).
Ou seja, os jurados julgam os fatos, enquanto o juiz aplica a pena.
Casos recentes que foram a júri popular
Iuri Sheik
O influenciador Iuri Sheik foi submetido a júri popular em maio deste ano e deu detalhes sobre o episódio que resultou na morte do empresário William Oliveira, durante uma festa em 2019. Em depoimento no Fórum de Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo da Bahia, cidade onde o crime ocorreu, Iuri negou ter assassinado o empresário.
Antes do início da sessão, em entrevista à imprensa, o réu voltou a negar responsabilidade pela morte de William, que na época tinha 27 anos e era empresário da banda Black Style. A declaração contrasta com o depoimento prestado por ele em 2019, quando confessou o crime.
Em vídeos que circulam nas redes sociais, Iuri Sheik apresenta sua versão sobre a briga que teria ocorrido em uma festa do tipo “paredão”, durante o São João de 2019.
"Eu não atirei nas costas dele. Dei o primeiro disparo, que pegou nele e ele girou. Quando ele girou, pode ser que o segundo tenha sido [nas costas]", disse Iuri Sheik. O réu alegou que era perseguido por William por conta de ciúmes envolvendo uma ex-companheira da vítima.
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