ESPECIAL VIDAS ADAPTADAS: O curioso caso do homem que não sente o cheiro da esposa há sete anos
ESPECIAL VIDAS ADAPTADAS: O curioso caso do homem que não sente o cheiro da esposa há sete anos
O Aratu Online inicia nesta terça-feira (25/7) uma série especial sobre doenças misteriosas e as vidas adaptadas dos seus portadores. Levamos em consideração enfermidades que fogem ao senso comum e mudam a forma de percepção de quem precisa conviver com ela.
Neste primeiro episódio contamos a história de Rômulo Alessandro, de 37 anos. Ele sofre com parosmia traumática. Traduzindo: não consegue sentir o cheiro das coisas. Isso aconteceu depois que foi atropelado nas proximidades da Universidade Federal da Bahia (Ufba), no bairro de Ondina.
“Até hoje não sei qual é o cheiro natural da minha esposa, com quem estou junto há sete anos”, diz ele.
A história de sua vida e como conseguiu se adaptar a ela você lê nas próximas linhas.
Boa leitura!
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Rômulo Alessandro, 37, sofreu um acidente há dez anos. Estava nas proximidades da Universidade Federal da Bahia (Ufba), no bairro de Ondina, em Salvador, e bateu a cabeça com o impacto. Apesar de não ter sofrido nenhum trauma aparente ou lesão, ele ficou em coma por um dia e recebeu alta pouco depois. Passadas duas semanas, notou algo estranho.
Rômulo borrifou o perfume, quando ia para a faculdade, mas não conseguiu sentir o cheiro. Sua avó, no entanto, chamou sua atenção. Ela não entendeu o fato de, logo ele que reclamava tanto de quem “tomava banho de perfume”, repetir a prática. A reclamação o fez ligar o sinal de alerta. “Procurei alguns produtos de limpeza, que costumam ter cheiros mais fortes, para saber se era um problema só com o perfume, mas percebi que não sentia nada”, relembra.
Na época, em 2007, ele procurou um neurologista, fez exames e foi diagnosticado com anosmia traumática — em decorrência da pancada na cabeça. Apesar de não ter sido constatada nenhuma lesão, verificou-se que a ‘ponte’ que leva a informação sobre o cheiro até o cérebro tinha se rompido. Para piorar, “a medicina não tinha muitas respostas” para o caso. Ele poderia tentar uma cirurgia através da face, mas a cicatriz seria muito grande e ele optou por não fazer. A partir daí, Rômulo começou a pesquisar bastante sobre o assunto e participar de grupos no extinto Orkut para trocar experiências e aprender a conviver com o problema.
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No início, passou por situações curiosas, como o dia em que comeu um macarrão estragado que a avó tinha separado para jogar fora. “Por sorte, não passei mal”, diz o baiano, hoje agente da Polícia Federal no Pará. “Passei a amar beterraba, que não gostava antes e se tornou um sabor muito bom para mim”, afirmou.
Não é brincadeira quando alguém diz ter revivido uma situação ao sentir determinado cheiro. A memória olfativa é muito forte e acontece porque a informação que vem do olfato é processada no sistema límbico, parte do cérebro onde também são processadas as emoções. Outra característica importante relacionada ao sentido é a sua direta ligação com o paladar. Eles trabalham em conjunto para identificar sabores de comidas e bebidas.
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Devido à importância do olfato na vida do ser humano, é quase inimaginável viver sem ele. Contudo, é uma realidade para várias pessoas. Não poder identificar um perfume, a comida favorita ou o cheirinho de um filho que acabou de nascer são situações recorrentes para quem tem anosmia ou hiposmia, a perda total ou parcial da capacidade olfativa, respectivamente. Além desses, também há o termo parosmia, para qualquer alteração desse sentido, como a distorção dos aromas. Embora comuns, essas condições ainda não tão conhecidas pela população e podem ser congênitas ou adquiridas.
Em entrevista para o Aratu Online, a médica otorrinolaringologista Dra. Clarice Saba explicou que existem algumas prováveis causas dessas condições. Algumas pessoas já nascem assim, mas uma tumoração, um trauma, uma condição psiquiátrica e até mesmo o agravamento de uma gripe ou rinite alérgica podem alterar a capacidade olfativa do indivíduo. “Se já existe uma condição anatômica e a pessoa não se cuida, o nervo [que capta o cheiro e leva a informação para o cérebro] vai perdendo essa capacidade e não conseguimos restaurá-lo, muitas vezes”, alertou ela.
Dra. Clarice sinaliza também que em casos de doenças e alergias, como gripe e rinite, é comum que a pessoa perca parcial ou totalmente a o olfato – naquele período. Para que a situação seja corrigida corretamente é importante procurar um médico responsável e iniciar um tratamento adequado, para que o quadro não se agrave a ponto de se tornar crônico.
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VIDA ADAPTADA
Quando foi morar sozinho, Rômulo recorria aos vizinhos para saber se determinada comida estava boa ou ruim, mas com o tempo foi se adaptando melhor. Passados quase três anos do atropelo, voltou a sentir alguns odores, com restrições. Agora, portanto, tem parosmia traumática. “Sentia cheiros muito fortes, como chorume, e gostava, porque não conseguia distinguir se eram ‘cheirosos’ ou ‘fedorentos’. Gostava do fato de sentir algo novo”, explicou o agente.
Hoje, ele consegue se lembrar dos cheiros de café, cuscuz e terra molhada, por exemplo, mas de forma diferente das demais pessoas. “Tenho novas sensações e consigo definir se algo é ‘bom’ ou ‘ruim’, mas é instintivo”.
Segundo Dra. Clarice, o tratamento para quem sofreu um trauma depende de cada paciente. Alguns voltam a sentir alguns cheiros, tempos depois, como Rômulo, e podem ser auxiliados por intervenções médicas no nariz ou o uso de vitaminas que favoreçam essa captação. Mesmo assim, não é nada conclusivo.
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Embora afirme viver bem com a condição e ser novamente capaz de perceber certos aromas, Rômulo revelou uma frustração. “Até hoje não sei qual é o cheiro natural da minha esposa, com quem estou junto há sete anos”, disse ele, confessando que isso implica até na hora da relação sexual. “O cheiro é um dos principais fatores para a excitação, para qualquer pessoa, mas passa despercebido por ser algo natural do ser humano. Por isso, aprendi a usar melhor os outros sentidos nesse momento”.
Por sorte, a parosmia não o afeta no trabalho. “Na PF aprendemos a evitar colocar o nariz perto de recipientes, pois esses podem conter produtos que ponham nossa vida em risco”, explicou. Afirmou ainda que não é a experiência de vida a principal determinante para discernir as condições de uma cena de crime, mas sim os testes que são treinados a fazer.
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Otimista, ele fala o quanto se anima a cada nova sensação, como o dia em que percebeu o ‘cheiro bom’ que vinha de uma loja, e diz que prefere pensar sempre pelo lado positivo. “Acredito que entre todas as deficiências, perder o olfato é o que te traz menos problemas. Agradeço por estar bem”.
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