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HISTÓRIAS OLÍMPICAS: “Dei um vacilo que quase custa a medalha”, relembra Edvaldo ‘Bala’ Valério

HISTÓRIAS OLÍMPICAS: “Dei um vacilo que quase custa a medalha”, relembra Edvaldo ‘Bala’ Valério

Por Diego Adans

HISTÓRIAS OLÍMPICAS: “Dei um vacilo que quase custa a medalha”, relembra  Edvaldo ‘Bala’ ValérioArquivo Pessoal

A exatos 25 dias para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, o Aratu Online inicia a contagem regressiva com a  série ‘Histórias Olímpicas’. Toda segunda-feira serão publicados breves relatos resgatando o valor de cada participação, de cada conquista dos atletas baianos que participaram diretamente ou indiretamente de uma Olimpíada.


Quem abre a série é o ex-nadador Edvaldo Valério. Carinhosamente conhecido como ‘Bala’, ele foi o responsável por fechar o revezamento 4×100 m livre, em Sydney, na Austrália, nos Jogos de 2000. Ao completar a prova em  49seg12 milésimos, ajudou o Brasil a faturar a medalha de bronze e, de quebra, escrever seu nome na história.


Este texto foi transcrito pelo repórter Diego Adans a partir do relato de ‘Bala’ Valério.


Aproveite e… Boa leitura!


***


“Meu nome é Edvaldo Valério Silva Filho, tenho 38 anos. Sou filho de Aína do Santos Silva e Edvaldo Valério Silva. Tenho um filho de 12 anos, Eduardo Valério Marinho Silva. Para contar minha conquista olímpica, preciso antes, voltar no tempo.


Minha história na natação começa aos 3 anos, quando eu comecei a nadar por sugestão de uma pediatra, porque eu vivia constantemente gripado. Aos 6, já era treinado por Sérgio Silva (atual presidente da Federação Baiana de Desportos Aquáticos), que foi meu treinador por anos.


Minha rotina era bem desgastante. Nasci e fui criado no bairro de Itapuã. Acordava de madrugada para treinar na piscina da antiga Fonte Nova. Era um trajeto de quase 25 quilômetros que fazia de ônibus.


Da piscina, seguia para a escola e, em seguida, voltava para casa. Pela tarde, nova viagem para mais um treino no Clube Olímpico de Natação. Vou adiantar um pouco a história… Senão será um livro (risos).


Bem, fui crescendo, melhorando… E tive um ‘boom’ na carreira. Cheguei a faturar oito medalhas na Copa do Mundo de Natação. No Pan Americano de Winnipeg 1999, no Canadá, fui reserva da equipe brasileira do 4 x 100 m livre e fiquei naquela: ‘pô, ano que vem, quero ir para essa festa lá na Austrália, quero ir para essa Olimpíada também. Vou me esforçar ao máximo e irei ‘”.


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Dito e certo. Carimbei minha vaga de titular da equipe para os Jogos Olímpicos de Sydney na Austrália. Na época, fiz o terceiro melhor tempo do grupo (perdendo para Gustavo Borges e Fernando Scherer, o Xuxa).


RACISMO


A equipe da natação foi um mês antes para fazer a aclimatação, se acostumar com clima, a comida, a cidade… Aí, encarei logo meu primeiro adversário: o preconceito, que não era escancarado, mas ficava evidente nas entrelinhas.


No aeroporto, quando chegamos lá, todo mundo passou na alfândega, só eu fui parado. Ficou claro: os caras pensaram ?tem coisa na mala desse neguinho!?. Ao longo de toda minha carreira, convivi com o preconceito. Gente olhando torto para mim, como se eu não fosse capaz de nadar, competir…


De fato, engoli ‘muitos sapos’. Enfim… Iniciamos os treinos, a rotina era árdua. Vou te confessar: Aquilo lá… as Olimpíadas era como se fosse a Disneylândia. Tinha de tudo… Quem não tivesse realmente focado, com um objetivo em mente, se perdia facilmente (risos). Dia 15 de setembro de 2000 foi a abertura dos Jogos. No dia seguinte, já caímos na piscina para disputar o 4 x 100 m livre.


Por estratégia, mudamos a programação da equipe. O Gustavo Borges sempre fechava os revezamentos, mas na final, seria eu. Ele e Xuxa acharam por bem abrirem, levar vantagem para os rivais.


Eu e o Carlos Jayme, que eram os mais novos, ficaríamos para brigar no bolo. Já tínhamos noção que seria difícil vencer os quartetos da Austrália (Michael Klim, Chris Fydler, Ashley Callus, Ian Thorpe) e dos Estados Unidos (Anthony Ervin, Neil Walker, Jason Lezak, Gary Hall Jr).


Nós brigávamos pelo terceiro lugar. A largada foi dada. Eu estava muito concentrado. Quando o Carlos Jayme bateu na borda da piscina e eu caí na água sabia que que primeiro e segundo lugares eram justamente Austrália e Estados Unidos. Percebia porquê estava na raia 2 e como nadava respirando pelo lado direito, via todas as outras raias. Virei nos 50 metros e vi que estava entre quarto e quinto. Quando passei dos 25 finais, por debaixo d?água vi que dava e fui à exaustão. Graças a Deus, deu certo! (risos). E o que eu sentia na chegada? Um misto de sentimentos.



Quando bati na borda da piscina, subi o mais rápido para respirar e de cara, vi que o  Xuxa estava ajoelhado e chorando muito e me agradecendo. O Gustavo (Borges) e o Carlos (Jayme) , em seguida, vieram me abraçar.


Eu não sabia se chorava, gritava… Passava muita coisa na minha cabeça. Confesso: somente nos dias seguintes à conquista, a ficha caiu. Andava para lá e para cá com a medalha no peito na Vila Olímpica, orgulhoso pelo feito… Um brasileiro, baiano, nascido e criado em Itapuã, negro…


Esqueci um detalhe: tivemos um torcedor ilustre na arquibancada do Centro Aquático Internacional de Sydney, o Gustavo Kuerten, o Guga. Ele foi nos prestigiar durante nossa prova, ficou lá o tempo todo. Ele sempre muito alegre, contagiante, acessível. Bem diferente do Alexander Popov (nadador russo, ídolo de Valério). Na época, Popov era o mito, o cara da natação. Ele era muito quieto, reservado… Quando ele ia treinar, todo mundo precisa sair, ninguém podia ficar. Mas cheguei a falar com ele, cumprimentar”.


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VACILO


Muitos ainda desconhecem, mas um ?vacilo? meu  por pouco não rendeu a perda da medalha de bronze.


Tudo por conta do uso de um simples maiô, presente de meu patrocinador. Foi o seguinte: durante os Jogos Olímpicos, os atletas só podem usar equipamentos, roupas, etc.. da empresas, marcas que patrocinam o evento.


Só que na final, eu resolvi usar um maiô, que eu tinha ganho de meu patrocinador. Era um maiô mais confortável e era meu amuleto, o da sorte. Pronto, fui lá, fomos bronze…massa! Quando eu completei a prova e subi para respirar, os fotógrafos dispararam os flashes. No outro dia, os jornais do Brasil todo estampavam minha foto e o polêmico maiô com o patrocínio.


Só que por ter infringido o regulamento da competição, a equipe brasileira estava passível de punição com a perda da medalha. Desde que, no período máximo, de 30 minutos após a prova, houvesse contestação. Por sorte, a equipe da Alemanha, quarta colocada, tampouco as demais seleções notaram. Foi minha sorte!!! Já pensou? Perder a medalha por um vacilo desses e eu não sabia disso, dessa regra.


No outro dia após a conquista, o presidente da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos me liga e soltou o verbo: ?Negão p*****, que m**** é essa que você fez? Rapaz, você é maluco p***  Graças a Deus, que não deu em nada? (risos)”.


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Na volta ao Brasil, mais surpresas. Aeroporto  de Salvador lotado, centenas de pessoas me esperando. O coração batia mais forte. Quando vi aquela multidão… veio um filme na minha cabeça.


De tudo que passei, as dificuldades, foi emocionante. Desfilei num carro do Corpo de Bombeiros por toda cidade. Foi realmente marcante. Porém, mais marcante ainda foi um telefonema que recebi dias depois. Já tinha voltado à rotina, era engraçado que todo mundo falava comigo nas ruas, dava entrevista pra rádio, tv, site.


Num dia, tinha ido ao banco sacar um dinheiro. Estou eu na fila e o telefone toca, olhei o número desconhecido. Aí, pergunto: ?Quem é??’ Para minha surpresa, Ivete Sangalo, de quem sou fã, fala dou outro lado: ?Sou eu negão, Ivete Sangalo! Tô ligando para dar seus parabéns, muito orgulho de você, você broca! Sei que você é meu fã, fico feliz por isso. Quando você quiser ir pra qualquer show meu, vou lhe dar o número de minha assessora e pode falar com ela?.


Aquilo pra mim foi de outro mundo. Imagine aí, Ivete Sangalo lhe ligando, do nada, e falando isso pra você.


Mas nem tudo foi só alegria. Larguei as piscinas em 2010 (então aos 32 anos). Antes, passei quatro anos nadando em Belo Horizonte e Porto Alegre. Isso por falta de apoio local.


Dois anos depois de Sydney, eu perdi praticamente todos os meus patrocinadores e tive que ir para outros estados. A realidade da natação baiana é cruel. Passamos seis anos sem uma piscina olímpica, uma geração foi perdida. No Rio (de Janeiro), poderíamos ter mais atletas baianos na natação e não temos. Espero que se mude a mentalidade dos políticos, que haja mais políticas públicas voltadas ao esporte, que minha história, minha conquista em Sydney sirva de motivação para outros jovens”.


 



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