Salvador é capital do Brasil com maior diferença salarial entre negros e brancos
Informações são relativas a 2022 e expressam o menor valor absoluto da remuneração média em Salvador para as pessoas negras desde o início da série histórica, em 2014
Créditos da foto: Cesar Lopes/PMPA
*Com colaboração da repórter Bruna Castelo Branco
Classificada por pesquisadores como a cidade mais negra fora da África, com mais de 80% da população autodeclarada preta ou parda, Salvador ostentou, em 2022, um dado alarmante para a absoluta maioria dos habitantes: a cidade é a capital brasileira com a maior disparidade salarial entre pessoas brancas e negras, com 52% de diferença.
É o que aponta resultado do cruzamento de dados realizado pelo Aratu On, a partir de levantamento divulgado pelo IBGE na Síntese de Indicadores Sociais, no início de dezembro. As informações são relativas a 2022 e expressam o menor valor absoluto da remuneração média para as pessoas negras desde o início da série histórica, em 2014.
O instituto identificou que, no ano passado, o rendimento mensal médio do trabalho uma pessoa branca, na capital baiana, foi de R$ 4.248, ante R$ 2.020 de uma pessoa negra. O salário médio desta população, inclusive, é o segundo pior do país, atrás apenas de São Luís (MA), com R$ 2.013. São R$ 1.442 a menos que a líder Brasília.
[caption id="attachment_277082" align="alignnone" width="1024"] Fonte: levantamento do Aratu On com dados do IBGE[/caption]
Segundo a supervisora de Disseminação de Informações do IBGE na Bahia, Mariana Viveiros, o instituto não consegue apontar de forma objetiva as causas de Salvador ter, dentre as capitais, as maiores desigualdades salariais por cor ou raça. Ela, contudo, pondera que há possíveis explicações objetivas ou outras que estão além dos critérios adotados pela instituição.
“A gente sabe que, normalmente, as pessoas pretas ou pardas tem, ainda, embora isso tenha melhorado bastante, uma condição de inserção no mercado de trabalho em categorias de ocupação menos valorizadas”, ressalta.
Neste sentido, ela aponta que, no Brasil, há estudos do próprio IBGE que identificam que a maioria das pessoas negras trabalha na informalidade. Nesta modalidade de emprego, em média, se ganha metade da remuneração de um trabalho formal.
Diante deste contexto, ela estima que esta desigualdade é acentuada pelo fato de a maior parte da população negra de Salvador não ter acesso à educação superior. “A gente não tem um dado específico sobre Salvador, mas sabemos que essas pessoas estão muito menos representadas em cargos de chefia e liderança, que são posições que pagam melhores salários”, diz.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, no segundo semestre de 2022, 45,3% da população de Salvador tinha nível superior completo. Entre os negros, o contingente diminui para 20,9%. Somente este critério garante, em média, segundo Viveiros, que o salário seja triplicado na capital da Bahia.
A gestora do IBGE alerta que este é um quadro que não vem apresentando melhora. “Isto é muito mais acentuado em Salvador que na Bahia como um todo. E isso tem a ver com um lado perverso das capitais, que tem economias mais dinâmicas, que são, entre aspas, locais mais ricos, e que, normalmente, nesses locais, quanto mais rico, mais desigual. Nós temos essa característica da concentração de renda” analisa.
Para a especialista em Diversidade, Equidade e Inclusão, Tamiles Alves, mestre em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia, mesmo que esta seja uma “situação estrutural no Brasil”, o quadro se assevera como “um dos mais desiguais do Brasil”.
“É nesta cidade que as pessoas negras são maioria no trabalho informal, no subemprego, nos trabalhos precarizados, e de menores rendimentos”, protesta a pesquisadora, doutoranda em Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial da população negra no Brasil, pela Universidade de São Paulo (USP).
Diante deste panorama, ela reitera a análise feita por Mariana Viveiros a respeito da ausência de pessoas negras em cargos de chefia e liderança. “Para mim, o que explica a diferença salarial entre pessoas brancas e negras é, justamente, a existência do racismo, o qual visa criar uma hierarquia entre os grupos raciais, gerando privilégios para as pessoas brancas e desvantagens para as pessoas negras, privilégios esses que são mantidos no mercado de trabalho”, constata.
Ainda não há dados públicos atualizados sobre a composição racial de Salvador. Os novos números serão apresentados pelo IBGE nesta sexta-feira (22/12), na própria capital baiana. De acordo com aviso de pauta enviado à imprensa pelo instituto, a escolha por Salvador se dá pelo fato de a Bahia ter sido, no censo de 2017, o estado com mais pessoas que se autodeclararam pretas: 2,4 milhões, ou 17%.
"A divulgação dos dados de raça e cor do Censo 2022 em Salvador, tem uma importância grande por conta de sermos a cidade mais negra fora do continente africano e porque é exatamente a partir de informações sólidas que as políticas públicas são embasadas. Essas informações sobre a população negra são de importância estratégica para a expansão e aperfeiçoamento das políticas públicas de reparação e promoção da igualdade racial nos municípios e estados", destacou a Secretária de Promoção da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais da Bahia, Ângela Guimarães.
De acordo com a Pnad Contínua de 2017, 82,1% dos habitantes de Salvador se autodeclaram negros. Embora perca em números absolutos para São Paulo, a capital baiana tem a maior proporção do país.
Na visão de Tamiles Alves, esta população precisa ser priorizada nas políticas públicas formatadas para combater o racismo estrutural institucional. “É preciso se comprometer com as políticas de promoção da igualdade racial, com ações afirmativas raciais, direcionamento que buscaria desmantelar as desigualdades”, opina.
Apesar de citar obrigações que o Estado precisaria cumprir para assegurar a diminuição da desigualdade, a pesquisadora indica que são necessárias ações em conjunto com a iniciativa privada e a sociedade civil. “Não é justo que a cidade com mais pessoas negras do país seja o lugar onde mais se reproduz opressões contra elas”, ressalta.
Se na população negra em geral a diferença salarial é de 52%, entre os homens o quadro se assevera e chega a 60% de discrepância. Enquanto um branco recebe, em média, R$ 4.936, um negro é remunerado com apenas R$ 1.963, abaixo da média nacional, de R$ 2.170.
Para Mariana Viveiros, isto se deve a outro problema social: a disparidade de oportunidades no mercado de trabalho entre homens e mulheres. “Acaba que essa dificuldade que as mulheres têm de entrar no mercado de trabalho, de alguma forma, acaba atenuando um pouco a desigualdade do salário, porque estão todas, mais ou menos, em situação inferior, o que também não é positivo, mas explica um pouco”, descreve.
Tamiles Alves relata que este é um dado novo do ponto de vista da pesquisa. Contudo, para ela, novamente é fundamental mencionar as dificuldades de acesso à educação de qualidade para a população negra. “É justamente entender que não existe igualdade de oportunidades entre homens negros e brancos, e isso impacta profundamente a vida dos homens negros, que, por sua vez, estão mais sujeitos aos trabalhos precarizados e a ocupar cargos com menores remunerações”, lamenta, reiterando que há desvalorização da força de trabalho dos homens negros.
Os dados referentes à piora da remuneração das pessoas negras na capital baiana coincidem com o declínio da participação da cidade na economia nacional. Oitavo PIB do Brasil em 2002, Salvador ocupou, em 2021, a 14ª posição no ranking, duas posições acima do ano anterior.
Entre as capitais, Salvador possui o menor PIB per capita (total da riqueza da cidade dividido pelo número de habitantes). Ao Aratu On, o prefeito Bruno Reis (União) admite que este é o principal problema que o poder público precisa corrigir.
“A gente mostra quanto ainda é uma cidade desigual, o quanto temos que gerar de oportunidades, quanto nós temos que promover de crescimento econômico para reduzir as injustiças sociais para permitir que as pessoas, através do trabalho, possam realizar seus sonhos”, pontua.
LEIA MAIS: Rendimento médio do trabalhador baiano foi o pior do Brasil em 2022, aponta IBGE
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Classificada por pesquisadores como a cidade mais negra fora da África, com mais de 80% da população autodeclarada preta ou parda, Salvador ostentou, em 2022, um dado alarmante para a absoluta maioria dos habitantes: a cidade é a capital brasileira com a maior disparidade salarial entre pessoas brancas e negras, com 52% de diferença.
É o que aponta resultado do cruzamento de dados realizado pelo Aratu On, a partir de levantamento divulgado pelo IBGE na Síntese de Indicadores Sociais, no início de dezembro. As informações são relativas a 2022 e expressam o menor valor absoluto da remuneração média para as pessoas negras desde o início da série histórica, em 2014.
O instituto identificou que, no ano passado, o rendimento mensal médio do trabalho uma pessoa branca, na capital baiana, foi de R$ 4.248, ante R$ 2.020 de uma pessoa negra. O salário médio desta população, inclusive, é o segundo pior do país, atrás apenas de São Luís (MA), com R$ 2.013. São R$ 1.442 a menos que a líder Brasília.
[caption id="attachment_277082" align="alignnone" width="1024"] Fonte: levantamento do Aratu On com dados do IBGE[/caption]
Segundo a supervisora de Disseminação de Informações do IBGE na Bahia, Mariana Viveiros, o instituto não consegue apontar de forma objetiva as causas de Salvador ter, dentre as capitais, as maiores desigualdades salariais por cor ou raça. Ela, contudo, pondera que há possíveis explicações objetivas ou outras que estão além dos critérios adotados pela instituição.
“A gente sabe que, normalmente, as pessoas pretas ou pardas tem, ainda, embora isso tenha melhorado bastante, uma condição de inserção no mercado de trabalho em categorias de ocupação menos valorizadas”, ressalta.
Neste sentido, ela aponta que, no Brasil, há estudos do próprio IBGE que identificam que a maioria das pessoas negras trabalha na informalidade. Nesta modalidade de emprego, em média, se ganha metade da remuneração de um trabalho formal.
Diante deste contexto, ela estima que esta desigualdade é acentuada pelo fato de a maior parte da população negra de Salvador não ter acesso à educação superior. “A gente não tem um dado específico sobre Salvador, mas sabemos que essas pessoas estão muito menos representadas em cargos de chefia e liderança, que são posições que pagam melhores salários”, diz.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, no segundo semestre de 2022, 45,3% da população de Salvador tinha nível superior completo. Entre os negros, o contingente diminui para 20,9%. Somente este critério garante, em média, segundo Viveiros, que o salário seja triplicado na capital da Bahia.
A gestora do IBGE alerta que este é um quadro que não vem apresentando melhora. “Isto é muito mais acentuado em Salvador que na Bahia como um todo. E isso tem a ver com um lado perverso das capitais, que tem economias mais dinâmicas, que são, entre aspas, locais mais ricos, e que, normalmente, nesses locais, quanto mais rico, mais desigual. Nós temos essa característica da concentração de renda” analisa.
Para a especialista em Diversidade, Equidade e Inclusão, Tamiles Alves, mestre em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia, mesmo que esta seja uma “situação estrutural no Brasil”, o quadro se assevera como “um dos mais desiguais do Brasil”.
“É nesta cidade que as pessoas negras são maioria no trabalho informal, no subemprego, nos trabalhos precarizados, e de menores rendimentos”, protesta a pesquisadora, doutoranda em Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial da população negra no Brasil, pela Universidade de São Paulo (USP).
Diante deste panorama, ela reitera a análise feita por Mariana Viveiros a respeito da ausência de pessoas negras em cargos de chefia e liderança. “Para mim, o que explica a diferença salarial entre pessoas brancas e negras é, justamente, a existência do racismo, o qual visa criar uma hierarquia entre os grupos raciais, gerando privilégios para as pessoas brancas e desvantagens para as pessoas negras, privilégios esses que são mantidos no mercado de trabalho”, constata.
RECORTE RACIAL EM SALVADOR
Ainda não há dados públicos atualizados sobre a composição racial de Salvador. Os novos números serão apresentados pelo IBGE nesta sexta-feira (22/12), na própria capital baiana. De acordo com aviso de pauta enviado à imprensa pelo instituto, a escolha por Salvador se dá pelo fato de a Bahia ter sido, no censo de 2017, o estado com mais pessoas que se autodeclararam pretas: 2,4 milhões, ou 17%.
"A divulgação dos dados de raça e cor do Censo 2022 em Salvador, tem uma importância grande por conta de sermos a cidade mais negra fora do continente africano e porque é exatamente a partir de informações sólidas que as políticas públicas são embasadas. Essas informações sobre a população negra são de importância estratégica para a expansão e aperfeiçoamento das políticas públicas de reparação e promoção da igualdade racial nos municípios e estados", destacou a Secretária de Promoção da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais da Bahia, Ângela Guimarães.
De acordo com a Pnad Contínua de 2017, 82,1% dos habitantes de Salvador se autodeclaram negros. Embora perca em números absolutos para São Paulo, a capital baiana tem a maior proporção do país.
Na visão de Tamiles Alves, esta população precisa ser priorizada nas políticas públicas formatadas para combater o racismo estrutural institucional. “É preciso se comprometer com as políticas de promoção da igualdade racial, com ações afirmativas raciais, direcionamento que buscaria desmantelar as desigualdades”, opina.
Apesar de citar obrigações que o Estado precisaria cumprir para assegurar a diminuição da desigualdade, a pesquisadora indica que são necessárias ações em conjunto com a iniciativa privada e a sociedade civil. “Não é justo que a cidade com mais pessoas negras do país seja o lugar onde mais se reproduz opressões contra elas”, ressalta.
Se na população negra em geral a diferença salarial é de 52%, entre os homens o quadro se assevera e chega a 60% de discrepância. Enquanto um branco recebe, em média, R$ 4.936, um negro é remunerado com apenas R$ 1.963, abaixo da média nacional, de R$ 2.170.
Para Mariana Viveiros, isto se deve a outro problema social: a disparidade de oportunidades no mercado de trabalho entre homens e mulheres. “Acaba que essa dificuldade que as mulheres têm de entrar no mercado de trabalho, de alguma forma, acaba atenuando um pouco a desigualdade do salário, porque estão todas, mais ou menos, em situação inferior, o que também não é positivo, mas explica um pouco”, descreve.
Tamiles Alves relata que este é um dado novo do ponto de vista da pesquisa. Contudo, para ela, novamente é fundamental mencionar as dificuldades de acesso à educação de qualidade para a população negra. “É justamente entender que não existe igualdade de oportunidades entre homens negros e brancos, e isso impacta profundamente a vida dos homens negros, que, por sua vez, estão mais sujeitos aos trabalhos precarizados e a ocupar cargos com menores remunerações”, lamenta, reiterando que há desvalorização da força de trabalho dos homens negros.
DIFICULDADES ECONÔMICAS
Os dados referentes à piora da remuneração das pessoas negras na capital baiana coincidem com o declínio da participação da cidade na economia nacional. Oitavo PIB do Brasil em 2002, Salvador ocupou, em 2021, a 14ª posição no ranking, duas posições acima do ano anterior.
Entre as capitais, Salvador possui o menor PIB per capita (total da riqueza da cidade dividido pelo número de habitantes). Ao Aratu On, o prefeito Bruno Reis (União) admite que este é o principal problema que o poder público precisa corrigir.
“A gente mostra quanto ainda é uma cidade desigual, o quanto temos que gerar de oportunidades, quanto nós temos que promover de crescimento econômico para reduzir as injustiças sociais para permitir que as pessoas, através do trabalho, possam realizar seus sonhos”, pontua.
LEIA MAIS: Rendimento médio do trabalhador baiano foi o pior do Brasil em 2022, aponta IBGE
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