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Nem Vitória, nem Horto: veja os "apês" que podem ser os mais valiosos de Salvador e você nem sabe onde ficam

Caso algum morador de um dos três prédios tenha assistido a todas as apresentações que aconteceram no espaço desde março, que foi quando a Concha Acústica reabriu, ele economizou, até agora, R$ 2.380

Por Bruna Castelo Branco

Nem Vitória, nem Horto: veja os "apês" que podem ser os mais valiosos de Salvador e você nem sabe onde ficam Créditos da foto: Bruna Castelo Branco/Aratu On


Se você acha que o metro quadrado mais desejado de Salvador é o Corredor da Vitória, o Horto Florestal, a Graça, a Ondina ou a Barra, chegou a hora de repensar: na verdade, esse lugar é o Garcia, especificamente, a Avenida Leovigildo Filgueiras. E, mais especificamente ainda, os prédios Lótus, Saint Germain e Esmeralda.


Agora você está se perguntando o por quê? Porque quem mora nesses locais pode assistir a qualquer show da Concha Acústica do Teatro Castro Alves de graça - basta abrir as janelas de casa ou descer para o playground -.


Quando os três prédios chegaram no Garcia, a Concha, fundada em 1959, já estava ali, em pleno funcionamento. Então, quem não gosta de barulho, já sabia: lá, não daria para morar. Não é o caso de Márcia Cristina Cruz, que mora no Lótus há três anos. E ela garante, em nome de todos os moradores do edifício que tem uma das melhores vistas para o palco: todo mundo gosta dos shows. “Não abusa ninguém, não chateia ninguém, é alegria. Quem acha ruim, é porque está de mal com a vida. Está tudo 'chuchu' beleza!”.


Naidil Aleluia, que também mora no Lótus, concorda com a vizinha. Nem Márcia, nem ela, que está lá há seis meses, têm vista para o palco do apartamento em que vivem. Por isso, quando querem assistir alguma apresentação, as vizinhas descem para uma área de convivência extra do prédio, mais baixa do que o playground principal, que é um verdadeiro camarote, tão bom ou até melhor do que o camarote da própria Concha.


Vista do camarote do Lótus


“Eu moro de frente para a rua. Então, eu não escuto muito dentro de casa. Mas, dá para ouvir no corredor. E os shows da Concha são bons, teve Djavan e Marisa Monte [por exemplo]. Eu não sabia que dava para ver quando eu aluguei, e quando eu cheguei aqui, eu pensei: ‘Poxa, o show de Marisa está caro, né’. Fiquei triste. Mas, quando eu percebi que daria para ouvir de dentro de casa, eu disse: ‘Vou pegar uma cerveja e ficar aqui escutando’. Depois, eu soube que a gente tinha um acesso para lá. E era um sonho ver o show de Marisa”, conta Naidil.


O ingresso inteiro do primeiro lote do show de Marisa Monte foi o mais caro da Concha este ano: custou R$ 240. Caso algum morador de um dos três prédios tenha assistido a todas as apresentações que aconteceram no espaço desde março, que foi quando a Concha Acústica reabriu, ele economizou, até agora, R$ 2.380, o que corresponde a R$ 595 por mês, contando desde a rebertura. O valor do condomínio do Lótus, por exemplo, é R$ 575.


ORGANIZAÇÃO


Como todo camarote que se preze, o do Lótus é super organizado e cheio de regras. Vender ingresso para gente de fora? Não pode, de jeito nenhum. Para evitar uma superlotação no espaço, só pode três pessoas por apartamento, como explica um dos porteiros do edifício, David Oliveira, que trabalha lá há 17 anos.


“Logo que eu entrei, a gente não perdia um. Nós, funcionários, também temos direito. Cada apartamento tem direito, se descer só um condômino, a mais dois convidados, avisado previamente e assinado com a documentação para a gente liberar a passagem. Não pode haver consumo de bebida alcóolica nem comercialização de nada lá embaixo. É só para ver o show mesmo”.


Camarote do Edifício Lótus


Também não dá para fazer reserva para garantir o acesso ao camarote: como detalha David, só pode colocar o nome na lista e descer a partir de 1 hora antes do começo do show. Já para quem mora nos apartamentos com vista para o palco, é tudo liberado: pode beber, levar quantos amigos quiser, pode até fazer festa.


“Se a pessoa quiser vender ingresso, a gente não tem como saber. Mas, lá embaixo [na área de convivência], a gente tem total controle”. Por isso, de acordo com David, esses apartamentos são os mais cobiçados. “Muitas pessoas alugam a frente [apartamentos com vista para a Avenida Leovigildo Filgueiras], mas ficam sempre no aguardo para um do fundo. O fundo é mais disputado justamente pela vista”.


Quando o show é de um artista que o morador não gosta muito, só há uma solução, como aponta Naidil: “Não vai. Tem alguns moradores que não vão [para o camarote], tem outros que frequentam. A gente meio que reveza de acordo com os shows que a gente quer ir”.


PASSAGEM DE SOM


Alline Brauer, que mora no Esmeralda há seis anos, tem vista para a Concha. Como o prédio é mais alto do que o Lótus e o Saint Germain, a vista para o palco é um pouquinho mais prejudicada, mas ainda dá para ver ou, pelo menos, ouvir todos os shows com conforto. Quando quer ver mais de perto, Alline, assim como os outros moradores do edifício, vai para o playground - e, nesse, não há regras: pode ir quem quiser, com bebidas e sem limite de convidados. Mas, mesmo assim, o espaço nunca fica lotado -.


“Acaba que é sempre bem controlado, porque nem todo mundo traz alguém. Às vezes, tem um show que tem um apartamento específico que traz, e os outros não trazem. Então, nunca fica com muita gente. Por exemplo, eu desci [para o play] agora no de Roupa Nova. No momento em que eu desci, não tinha ninguém. Dificilmente, eu fico o show todo aqui no play, eu desço um pouquinho, vejo um pouquinho, depois eu subo e fico lá no meu apartamento mesmo”.


Vista do playground do Esmeralda


Antes de se mudar para o Esmeralda, que é um empreendimento mais novo, Alline morou 11 meses no Saint Germain. Por isso, barulho na Concha Acústica já é parte da vida dela faz tempo. No Saint Germain, diferente de como é agora, a vista dela não era para a rua - mas sempre tinha uma vizinha gente boa para convidá-la para assistir às apresentações no apartamento do fundo -.


“Quando eu vim para cá, fiquei até na dúvida: ‘Moro do lado da rua, ou moro virada para a Concha?’. Escolhi um apartamento virado para a Concha. A visão do meu quarto, da minha sacada, é para a Concha Acústica. Do meu apartamento, eu não consigo visualizar o palco. Mas, aí, eu desço para o play, e é muito perto. Eu digo que a visão que eu tenho aqui é melhor do que a do camarote da Concha. Eu gosto bastante, porque eu gosto dos shows que acontecem lá. Então, é difícil ter um show que eu fale: ‘Poxa, não queria estar aqui’”.


O único inconveniente - que nem é tão incoveniente assim - é a passagem de som e os ensaios durante o dia. Para Alline, que estuda para concurso, atrapalha um pouco, mas basta fechar as janelas que fica bem mais baixo.


“A equipe técnica acaba fazendo os testes, e depois ainda vem o cantor para fazer a passagem de som. Então, às vezes, esses momentos podem me atrapalhar quando preciso estudar. Mas, na maioria das vezes, eu gosto. Como estou estudando, às vezes me programo para estudar no sábado à tarde. Aí, como eu gosto das músicas, eu acabo me distraindo porque eu começo a cantar. Mas, para mim, é um privilégio”.


Ericson Junqueira, porteiro do Esmeralda há sete anos, não é tão chegado no som que acontece na Concha, mas não chega a se incomodar. Em dias de show, a circulação de gente no prédio aumenta, mas não como antes - com a pandemia, esse movimento caiu -. “Antes, vinham muitos convidados, as pessoas ficavam no play assistindo. Hoje em dia, está mais escasso”.


Vista para os prédios de dentro do Teatro Castro Alves


No Saint Germain, é 8 ou 80: como o playground não tem vista para o palco, só pode assistir aos shows quem tem a varanda de frente para a Concha. Quem não tem, ou faz uma visita aos vizinhos, ou se contenta em só escutar a música mesmo. O porteiro do prédio, Arnoldo Macedo, que trabalha lá há 27 anos, pegava o turno da noite em alguns finais de semana e conta que conseguia ouvir tudinho do posto de trabalho, sem ruídos.


“O som é bem agradável. Fico aqui, trabalhando e ouvindo”. Na pandemia, como relembra Arnaldo, o prédio inteiro ficou triste. “Mas, agora que começou de novo, está legal”. A melhor vista para o palco, de acordo com ele, é do terceiro andar até o décimo. “No primeiro andar, a vista é bem pouca por causa da divisória da garagem. Por sinal, nos apartamentos que têm visão, geralmente vem muita gente para assistir”.


Se quiser fazer amizade com alguém que mora em um desses três prédios, corre que ainda dá tempo - o próximo show da Concha Acústica é o de Duda Beat, no dia 13 de agosto -.


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