'Dia de Rock é Todo Dia': documentário original expõe força, dificuldade e futuro do rock em Salvador
O Aratu On ouviu 10 empresários e músicos sobre as possibilidades, obstáculos e promessas do rock na capital baiana
Créditos da foto: Carla Galrão/Aratu On
A frase do título é do produtor e músico baiano Wilson Santana, conhecido como Wilson P.D.M., fundador da banda Pastel de Miolos e um dos nomes mais influentes do cenário do rock em Salvador. Aproveitando o ‘Dia do Rock’, comemorado no último 13 de julho, o Aratu On reuniu rockeiros da cena soteropolitana para investigar a expressividade do gênero na terra do Axé e do Pagode, definida como "forte, resistente e perseverante” pelo baterista da banda Retrofoguetes, Rex Crotus.
Com a participação dos produtores e músicos Rogério BigBross, Nancy Viégas, Tom Silva, Irmão Carlos Psicofunk, Midorii Kido, Ivan Motosserra, Lucas Fink e Gabriele Sousa, o portal questionou figuras emblemáticas e novas no rock em Salvador em busca da realidade do gênero na cidade, as dificuldades enfrentadas por quem está na linha de frente e alguns temas espinhosos, como o acolhimento do movimento e a disputa por espaço envolvendo bandas autorais e cover.
Além desta reportagem, as entrevistas também estão no mini documentário "Dia de Rock é Todo Dia", lançado nesta terça-feira (18/7):
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O ROCK NA TERRA DO PAGODÃO
Gerado nos Estados Unidos, na primeira metade do século XX, pela mistura de Jazz e o Rhythm and blues (R&B), o rock teve como “mãe”, a cantora negra Sister Rosetta Tharpe, que gravou a primeira canção do gênero no mundo, a “Strange Things Happening Every Day”, (Coisas estranhas acontecendo todos os dias, em tradução livre) no ano de 1944. Depois de Rosetta, todos os outros rockeiros que apareceram beberam de sua influência, desembarcando no Brasil, especialmente, com a música dos Beatles e de Elvis Presley.
Na Bahia, mais precisamente em Salvador, o rock caiu nas graças dos jovens após o sucesso do filme “Sementes da Violência”, em 1956. A primeira banda foi formada no ano seguinte, a “Waldir Serrão e Seus Cometas”. Músico e agitador cultural, Waldir se juntou a Raul Seixas, em 1959, para criar o fã-clube “Elvis Rock Club”. Eram os primeiros esboços da cena que, na década seguinte, ganharia ainda mais força e alçaria Raulzito ao posto de “pai do rock brasileiro”.
LEIA MAIS: Dia do Rock: gênero foi criado por mulher negra e estourou na Bahia após filme na década de 1950
Para Rogério "BigBross", um dos principais produtores musicais da cena na Bahia, Salvador sempre foi a cidade de outros ritmos e o rock foi é um "intruso". "O que Pitty, Raul Seixas, Marcelo Nova e Camisa de Vênus têm em comum é o fato de terem saído da Bahia para fazer sucesso", afirma. De acordo com BigBross, essa é uma característica do movimento e a falta de visibilidade, principalmente nas grandes mídias, acontece em todo o país.
A opinião é compartilhada pelo músico e produtor Ivan Motosserra, fundador da banda Ivan Motosserra Surf&Trash. O artista também acredita que o movimento não tem o devido protagonismo na cidade: "De certa forma, isso está certo. Porém, quando a gente vai olhar, Salvador sempre teve uma tradição [em formar grupos de rock]. Temos muitas bandas de metal, de punk, de rock em geral”.
Ivan também chama atenção para o desconhecimento popular sobre o rock soteropolitano, que, segundo ele, possui um grande público em Salvador, mas que, como não há tanta veiculação na mídia, se tem a impressão de que o movimento é pequeno ou inexistente. "Às vezes, o pessoal [fala] 'pô, Ivan, mas metal tem público?' Eu digo que sim, que é um dos mais fiéis que tem!".
Companheira de banda na Ivan Motosserra Surf&Trash, a baixista Gabriele Sousa também fala com carinho sobre o gênero musical e a relação que ela tem com a cena soteropolitana. "Para mim, o rock nasceu aqui, é daqui [da Bahia]", afirma. Além disso, a artista relembra grandes bandas originadas no estado. "A gente fala das referências de fora, mas para mim, minhas referências pessoais são de bandas daqui. Dead Billies, Charles Chaplin, Crânio Metálico, misturando um pouquinho com ritmos latinos também", pontua.
ACOLHIDOS PELO ROCK
De fora, pode parecer que é um movimento pouco acolhedor, com seu som base com guitarras - e suas distorções, bateria e baixo, o rock e seus subgêneros são esteticamente "barulhentos". O dress code do rockeiro é a roupa preta e como coreografia dos shows temos a "batição" de cabeça. Mas essa é uma imagem completamente errada, conforme conta BigBross; para o produtor, o rock é um movimento que abraça aquelas pessoas que não estão "enquadradas" em nenhum nicho:
"O rock aceitou todo tipo de maluco, de desajustado, de gente que não se encaixava no trivial. Foi o lugar mais inclusivo em que eu me encaixei. Eu não dançava fricote, não me entendia com lambada. Ninguém convidava o gordinho para dançar. O lugar que foi inclusivo para mim foi o rock".
Quem também reforça a inclusão do movimento é Midorii Kido, artista drag queen que participa da cena musical cantando Metal Rock. Se apresentando desde 2019 com músicas autorais, a cantora, que iniciou fazendo dublagens, diz que durante a adolescência viveu casos em que foi ameaçada e até agredida, abandonando o movimento. Porém, após retornar à cena, assumida e mostrando sua arte como drag, ela afirma perceber uma melhor aceitação dos rockeiros.
"Eu vejo que a galera amadureceu muito mais, porque a gente já começou a conversar mais sobre essa questão do drag, do LGBT+. Então, quando eu voltei para a cena, já tinha algo novo, as pessoas estão mais mente aberta para várias coisas", afirma Midorii.
Originalmente gerado por uma artista negra, na periferia, há um movimento de acolhimento que é natural dentro das vertentes do rock, segundo o músico e produtor Tom 'Exillium' Silva. "Independente da sua raça, da sua cor, sua religião, política ou do local que você mora, você vai ser abraçado”
Proprietário do espaço "Brothers of Metal", em Cajazeiras, ele conta como a questão racial impacta no movimento, sendo ele vocalista de uma banda de metal e também proprietário de uma casa de shows. "Não é de costume ver um vocalista preto. Geralmente as pessoas pretas não são donas dos seus próprios negócios, não são os produtores, não estão no local de visibilidade no meio do rock. O Brothers of Metal partiu dessa necessidade de direcionar também os olhos para a periferia” pontua Tom.
DIFICULDADES E POLÍTICAS PÚBLICAS
Sobre a questão de políticas públicas e formas de incentivos ao rock, BigBross é bem direto ao afirmar que há uma descrença na cena do rock local em ser escolhida em seleções de financiamento público. "O rock está tão desesperançoso em passar em um edital, que ele nem se inscreve mais. Não adianta a gente se inscrever se quem vai estar lá julgando não conhecer a realidade da cidade", diz.
O produtor comenta, ainda, a dificuldade em se ter uma estrutura adequada em eventos públicos de rock local, como o Palco do Rock, que acontece durante o Carnaval e, de acordo com o entrevistado: "Não tem um banheiro, não tem uma cozinha comunitária. Tem gente de toda a região metropolitana que acampa cinco dias lá. [É preciso] olhar com mais carinho para essas condições!", diz BigBross.
Sobre as dificuldades enfrentadas para sobreviver de arte, a produtora e também artista, Nancy Viégas, trouxe um panorama geral sobre o atual momento da cena musical em Salvador, principalmente após o isolamento social. "Com a pandemia, todo mundo ficou meio sem saber o que ia acontecer na vida, e quando tudo começou a voltar, eu percebi que as pessoas estão com mais disposição para esse recomeço", diz Nancy.
E ela concluiu: "apesar do retorno do público, a pandemia aumentou a escassez de espaços para o rock na cidade. Porém, a gente tem enfrentado situações que a gente basicamente estaria enfrentando no início das nossas carreiras, porque se fecharam muitos espaços”.
Wilson P.D.M, que também é sócio do Blá Blá Blá - Arte & Cultura, localizado no bairro do Rio Vermelho, tem uma visão parecida sobre essa dificuldade dos músicos em encontrar lugares dispostos a acolher a cena do rock e seu público, sendo esse um dos motivos para a abertura do espaço.
"A gente trava uma batalha gigante em relação a outros estilos musicais, matando um leão por dia. Mas eu não sou de ficar reclamando, 'ah, a gente não tem espaço', eu acho que a gente tem que ir lá e fazer. Eu, como músico, senti essa necessidade de ter um espaço para tocar. Veio a pandemia, basicamente todas as casas fecharam", conta Wilson.
Acostumado a dar ritmo às bandas, o baterista Rex acredita que a oscilação e as dificuldades impostas pelo sistema fazem parte da carreira de qualquer artista, mas que há sempre possibilidade de melhorias. “A gente espera que as casas que surgiram consigam se estruturar, cresçam e criem uma estrutura melhor para a gente trabalhar. E que outras casas surjam para receber as bandas e movimentar essa cena”, pontua o integrante da Retrofoguetes.
COVER x AUTORAL
Durante as entrevistas, recorrentemente um debate apareceu na fala dos entrevistados: a disputa por espaço entre bandas autorais e grupos de cover. Uns encaram como parte do trabalho, outros acham uma prática prejudicial para o meio a preferência das casas de shows por bandas cover, algo que acaba tirando a oportunidade de músicos com trabalhos autorais, segundo os entrevistados.
O produtor e diretor musical Irmão Carlos Psicofunk compartilha desta opinião: "teve um momento que a gente teve uma queda assim no autoral, porque as casas de show estavam meio que focando na onda do cover, tinha que ser cover, tinha que ser cover". A disputa, diz ele, não chega a ser uma briga entre os artistas dos dois segmentos. "Teve um momento de treta entre cover e autoral, mas não era uma treta de briga, era uma treta filosófica".
Ivan Motosserra segue uma linha de raciocínio semelhante sobre essa questão do cover ter a preferência dos espaços. "Nada contra ter uma banda cover, mas eu fico triste que uma banda cover tenha mais visibilidade, mais gente indo pro show, que uma banda autoral, que pode ser muito boa, que as pessoas elogiam, mas que não pagam para ir ver", lamenta o músico.
Com mais de 30 anos tocando, Rex não vê problema em se fazer cover, mas sim na diferença no tratamento entre as cenas. "Não é demérito para ninguém fazer o cover, eu acho que é um trampo honesto assim, não vejo nenhum problema. A única ressalva que eu faço é porque eu acho que, às vezes, esse cenário ganha uma proporção muito grande e tira o espaço das bandas autorais”, declara o baterista.
RENOVAÇÃO DO MOVIMENTO
Um dos novos nomes da cena, o guitarrista e vocalista da banda Dalmantas X, Lucas Fink, é a prova viva de que o rock em Salvador não apenas tem se renovado, como tem sido acolhido pela grande maioria dos membros desse movimento. Segundo o jovem músico, há uma atuação dos mais jovens no rock através das redes sociais.
"Eu vejo que a galera tá curtindo mais do que há uns anos atrás e falo isso na experiência que eu tenho de ver o pessoal nos shows, compartilhando na internet. É uma sensação realmente de que tá se renovando. Vejo que, com ajuda da internet, a galera está curtindo bastante", afirma Lucas Fink.
Com mais de 20 anos de trabalho no rock, Irmão Carlos do Psicofunk também tem uma percepção parecida sobre a renovação do público. "Principalmente agora, nesse momento de pós-pandemia, a gente tá vendo que tem uma movimentação nova, tem uma turma mais jovem curtindo vários tipos de som", afirma Irmão Carlos. Ele diz que se surpreendeu com o público jovem nas apresentações que fez recentemente. "Fiquei assustado, porque eu tava voltando e tinha uma turma que eu não conhecia, jovens, uma galera que tinha 28, no máximo 30 anos".
Mesmo com os empecilhos da estrada e em se fazer rock em Salvador, há um sentimento geral entre os músicos de que o pós-pandemia motivou um grupo mais jovem a buscar o contato com quem já está na cena há algum tempo. Se novos lugares surgiram para cultivar a linha melódica do rock, como em Cajazeiras, a internet e as várias plataformas digitais também tem papel fundamental nessa disseminação de sons e canções, conforme diz Irmão Carlos:
“Se no passado, a gente tinha poucos artistas tocando para milhões de pessoas, hoje a gente tem milhões de artistas tocando para milhões de pessoas. Então tá tudo meio que dividido em nichos e esses nichos têm uma turma boa querendo consumir e consumindo”.
E mesmo após quase oito décadas de seu surgimento, o rock segue como um dos segmentos musicais mais populares, no Brasil e no mundo, com turnês e shows sempre lotados, a exemplo das apresentações de Skank e Titãs, em todo o país.
Na cena regional, da realidade soteropolitana, quem entra nesse universo do rock and roll fica “apaixonado”, como relatou a baixista Gabriele Sousa; se sente "abraçado", como disse o músico Tom Silva; e tem no gênero um "berço" para fugir das normas, como contou o produtor Rogério BigBross.
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Com a participação dos produtores e músicos Rogério BigBross, Nancy Viégas, Tom Silva, Irmão Carlos Psicofunk, Midorii Kido, Ivan Motosserra, Lucas Fink e Gabriele Sousa, o portal questionou figuras emblemáticas e novas no rock em Salvador em busca da realidade do gênero na cidade, as dificuldades enfrentadas por quem está na linha de frente e alguns temas espinhosos, como o acolhimento do movimento e a disputa por espaço envolvendo bandas autorais e cover.
Além desta reportagem, as entrevistas também estão no mini documentário "Dia de Rock é Todo Dia", lançado nesta terça-feira (18/7):
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O ROCK NA TERRA DO PAGODÃO
Gerado nos Estados Unidos, na primeira metade do século XX, pela mistura de Jazz e o Rhythm and blues (R&B), o rock teve como “mãe”, a cantora negra Sister Rosetta Tharpe, que gravou a primeira canção do gênero no mundo, a “Strange Things Happening Every Day”, (Coisas estranhas acontecendo todos os dias, em tradução livre) no ano de 1944. Depois de Rosetta, todos os outros rockeiros que apareceram beberam de sua influência, desembarcando no Brasil, especialmente, com a música dos Beatles e de Elvis Presley.
Na Bahia, mais precisamente em Salvador, o rock caiu nas graças dos jovens após o sucesso do filme “Sementes da Violência”, em 1956. A primeira banda foi formada no ano seguinte, a “Waldir Serrão e Seus Cometas”. Músico e agitador cultural, Waldir se juntou a Raul Seixas, em 1959, para criar o fã-clube “Elvis Rock Club”. Eram os primeiros esboços da cena que, na década seguinte, ganharia ainda mais força e alçaria Raulzito ao posto de “pai do rock brasileiro”.
LEIA MAIS: Dia do Rock: gênero foi criado por mulher negra e estourou na Bahia após filme na década de 1950
Para Rogério "BigBross", um dos principais produtores musicais da cena na Bahia, Salvador sempre foi a cidade de outros ritmos e o rock foi é um "intruso". "O que Pitty, Raul Seixas, Marcelo Nova e Camisa de Vênus têm em comum é o fato de terem saído da Bahia para fazer sucesso", afirma. De acordo com BigBross, essa é uma característica do movimento e a falta de visibilidade, principalmente nas grandes mídias, acontece em todo o país.
A opinião é compartilhada pelo músico e produtor Ivan Motosserra, fundador da banda Ivan Motosserra Surf&Trash. O artista também acredita que o movimento não tem o devido protagonismo na cidade: "De certa forma, isso está certo. Porém, quando a gente vai olhar, Salvador sempre teve uma tradição [em formar grupos de rock]. Temos muitas bandas de metal, de punk, de rock em geral”.
Ivan também chama atenção para o desconhecimento popular sobre o rock soteropolitano, que, segundo ele, possui um grande público em Salvador, mas que, como não há tanta veiculação na mídia, se tem a impressão de que o movimento é pequeno ou inexistente. "Às vezes, o pessoal [fala] 'pô, Ivan, mas metal tem público?' Eu digo que sim, que é um dos mais fiéis que tem!".
Companheira de banda na Ivan Motosserra Surf&Trash, a baixista Gabriele Sousa também fala com carinho sobre o gênero musical e a relação que ela tem com a cena soteropolitana. "Para mim, o rock nasceu aqui, é daqui [da Bahia]", afirma. Além disso, a artista relembra grandes bandas originadas no estado. "A gente fala das referências de fora, mas para mim, minhas referências pessoais são de bandas daqui. Dead Billies, Charles Chaplin, Crânio Metálico, misturando um pouquinho com ritmos latinos também", pontua.
“O rock direcionou a minha vida, desde os meus 10 anos de idade” - Rex Crotus, baterista
ACOLHIDOS PELO ROCK
De fora, pode parecer que é um movimento pouco acolhedor, com seu som base com guitarras - e suas distorções, bateria e baixo, o rock e seus subgêneros são esteticamente "barulhentos". O dress code do rockeiro é a roupa preta e como coreografia dos shows temos a "batição" de cabeça. Mas essa é uma imagem completamente errada, conforme conta BigBross; para o produtor, o rock é um movimento que abraça aquelas pessoas que não estão "enquadradas" em nenhum nicho:
"O rock aceitou todo tipo de maluco, de desajustado, de gente que não se encaixava no trivial. Foi o lugar mais inclusivo em que eu me encaixei. Eu não dançava fricote, não me entendia com lambada. Ninguém convidava o gordinho para dançar. O lugar que foi inclusivo para mim foi o rock".
“O rock and roll, em si, é um berço para pessoas que fogem da normativa da sociedade" - Rogerio BigBross, produtor musical
Quem também reforça a inclusão do movimento é Midorii Kido, artista drag queen que participa da cena musical cantando Metal Rock. Se apresentando desde 2019 com músicas autorais, a cantora, que iniciou fazendo dublagens, diz que durante a adolescência viveu casos em que foi ameaçada e até agredida, abandonando o movimento. Porém, após retornar à cena, assumida e mostrando sua arte como drag, ela afirma perceber uma melhor aceitação dos rockeiros.
"Eu vejo que a galera amadureceu muito mais, porque a gente já começou a conversar mais sobre essa questão do drag, do LGBT+. Então, quando eu voltei para a cena, já tinha algo novo, as pessoas estão mais mente aberta para várias coisas", afirma Midorii.
Originalmente gerado por uma artista negra, na periferia, há um movimento de acolhimento que é natural dentro das vertentes do rock, segundo o músico e produtor Tom 'Exillium' Silva. "Independente da sua raça, da sua cor, sua religião, política ou do local que você mora, você vai ser abraçado”
Proprietário do espaço "Brothers of Metal", em Cajazeiras, ele conta como a questão racial impacta no movimento, sendo ele vocalista de uma banda de metal e também proprietário de uma casa de shows. "Não é de costume ver um vocalista preto. Geralmente as pessoas pretas não são donas dos seus próprios negócios, não são os produtores, não estão no local de visibilidade no meio do rock. O Brothers of Metal partiu dessa necessidade de direcionar também os olhos para a periferia” pontua Tom.
“Na periferia não tem só guerra, não tem só tráfico, também tem música e tem cultura" - Tom Silva, músico e produtor
DIFICULDADES E POLÍTICAS PÚBLICAS
Sobre a questão de políticas públicas e formas de incentivos ao rock, BigBross é bem direto ao afirmar que há uma descrença na cena do rock local em ser escolhida em seleções de financiamento público. "O rock está tão desesperançoso em passar em um edital, que ele nem se inscreve mais. Não adianta a gente se inscrever se quem vai estar lá julgando não conhecer a realidade da cidade", diz.
O produtor comenta, ainda, a dificuldade em se ter uma estrutura adequada em eventos públicos de rock local, como o Palco do Rock, que acontece durante o Carnaval e, de acordo com o entrevistado: "Não tem um banheiro, não tem uma cozinha comunitária. Tem gente de toda a região metropolitana que acampa cinco dias lá. [É preciso] olhar com mais carinho para essas condições!", diz BigBross.
Sobre as dificuldades enfrentadas para sobreviver de arte, a produtora e também artista, Nancy Viégas, trouxe um panorama geral sobre o atual momento da cena musical em Salvador, principalmente após o isolamento social. "Com a pandemia, todo mundo ficou meio sem saber o que ia acontecer na vida, e quando tudo começou a voltar, eu percebi que as pessoas estão com mais disposição para esse recomeço", diz Nancy.
E ela concluiu: "apesar do retorno do público, a pandemia aumentou a escassez de espaços para o rock na cidade. Porém, a gente tem enfrentado situações que a gente basicamente estaria enfrentando no início das nossas carreiras, porque se fecharam muitos espaços”.
Wilson P.D.M, que também é sócio do Blá Blá Blá - Arte & Cultura, localizado no bairro do Rio Vermelho, tem uma visão parecida sobre essa dificuldade dos músicos em encontrar lugares dispostos a acolher a cena do rock e seu público, sendo esse um dos motivos para a abertura do espaço.
"A gente trava uma batalha gigante em relação a outros estilos musicais, matando um leão por dia. Mas eu não sou de ficar reclamando, 'ah, a gente não tem espaço', eu acho que a gente tem que ir lá e fazer. Eu, como músico, senti essa necessidade de ter um espaço para tocar. Veio a pandemia, basicamente todas as casas fecharam", conta Wilson.
Acostumado a dar ritmo às bandas, o baterista Rex acredita que a oscilação e as dificuldades impostas pelo sistema fazem parte da carreira de qualquer artista, mas que há sempre possibilidade de melhorias. “A gente espera que as casas que surgiram consigam se estruturar, cresçam e criem uma estrutura melhor para a gente trabalhar. E que outras casas surjam para receber as bandas e movimentar essa cena”, pontua o integrante da Retrofoguetes.
“Eu monto bandas porque sou viciado nisso” - Rex Crotus, baterista
COVER x AUTORAL
Durante as entrevistas, recorrentemente um debate apareceu na fala dos entrevistados: a disputa por espaço entre bandas autorais e grupos de cover. Uns encaram como parte do trabalho, outros acham uma prática prejudicial para o meio a preferência das casas de shows por bandas cover, algo que acaba tirando a oportunidade de músicos com trabalhos autorais, segundo os entrevistados.
O produtor e diretor musical Irmão Carlos Psicofunk compartilha desta opinião: "teve um momento que a gente teve uma queda assim no autoral, porque as casas de show estavam meio que focando na onda do cover, tinha que ser cover, tinha que ser cover". A disputa, diz ele, não chega a ser uma briga entre os artistas dos dois segmentos. "Teve um momento de treta entre cover e autoral, mas não era uma treta de briga, era uma treta filosófica".
Ivan Motosserra segue uma linha de raciocínio semelhante sobre essa questão do cover ter a preferência dos espaços. "Nada contra ter uma banda cover, mas eu fico triste que uma banda cover tenha mais visibilidade, mais gente indo pro show, que uma banda autoral, que pode ser muito boa, que as pessoas elogiam, mas que não pagam para ir ver", lamenta o músico.
Com mais de 30 anos tocando, Rex não vê problema em se fazer cover, mas sim na diferença no tratamento entre as cenas. "Não é demérito para ninguém fazer o cover, eu acho que é um trampo honesto assim, não vejo nenhum problema. A única ressalva que eu faço é porque eu acho que, às vezes, esse cenário ganha uma proporção muito grande e tira o espaço das bandas autorais”, declara o baterista.
RENOVAÇÃO DO MOVIMENTO
“Eu já estive em algumas cidades no Brasil e também fora, e eu acho que Salvador é a cidade mais rock and roll que eu conheço” - Nancy Viégas, produtora e musicista
Um dos novos nomes da cena, o guitarrista e vocalista da banda Dalmantas X, Lucas Fink, é a prova viva de que o rock em Salvador não apenas tem se renovado, como tem sido acolhido pela grande maioria dos membros desse movimento. Segundo o jovem músico, há uma atuação dos mais jovens no rock através das redes sociais.
"Eu vejo que a galera tá curtindo mais do que há uns anos atrás e falo isso na experiência que eu tenho de ver o pessoal nos shows, compartilhando na internet. É uma sensação realmente de que tá se renovando. Vejo que, com ajuda da internet, a galera está curtindo bastante", afirma Lucas Fink.
"Essa história do Brasil ser o único país que comemora o dia mundial do rock é uma prova de que o Brasil é roqueiro” - Irmão Carlos Psicofunk, produtor e diretor musical
Com mais de 20 anos de trabalho no rock, Irmão Carlos do Psicofunk também tem uma percepção parecida sobre a renovação do público. "Principalmente agora, nesse momento de pós-pandemia, a gente tá vendo que tem uma movimentação nova, tem uma turma mais jovem curtindo vários tipos de som", afirma Irmão Carlos. Ele diz que se surpreendeu com o público jovem nas apresentações que fez recentemente. "Fiquei assustado, porque eu tava voltando e tinha uma turma que eu não conhecia, jovens, uma galera que tinha 28, no máximo 30 anos".
Mesmo com os empecilhos da estrada e em se fazer rock em Salvador, há um sentimento geral entre os músicos de que o pós-pandemia motivou um grupo mais jovem a buscar o contato com quem já está na cena há algum tempo. Se novos lugares surgiram para cultivar a linha melódica do rock, como em Cajazeiras, a internet e as várias plataformas digitais também tem papel fundamental nessa disseminação de sons e canções, conforme diz Irmão Carlos:
“Se no passado, a gente tinha poucos artistas tocando para milhões de pessoas, hoje a gente tem milhões de artistas tocando para milhões de pessoas. Então tá tudo meio que dividido em nichos e esses nichos têm uma turma boa querendo consumir e consumindo”.
"Pra mim não existe um dia [de rock], pra mim existem todos os dias!" - Wilson P.D.M
E mesmo após quase oito décadas de seu surgimento, o rock segue como um dos segmentos musicais mais populares, no Brasil e no mundo, com turnês e shows sempre lotados, a exemplo das apresentações de Skank e Titãs, em todo o país.
Na cena regional, da realidade soteropolitana, quem entra nesse universo do rock and roll fica “apaixonado”, como relatou a baixista Gabriele Sousa; se sente "abraçado", como disse o músico Tom Silva; e tem no gênero um "berço" para fugir das normas, como contou o produtor Rogério BigBross.
Acompanhe nossas transmissões ao vivo no www.aratuon.com.br/aovivo. Siga a gente no Insta, Facebook e Twitter. Quer mandar uma denúncia ou sugestão de pauta, mande WhatsApp para (71) 99940 – 7440. Nos insira nos seus grupos!