Conexão Bahia-China: com BYD e ponte, estado é o que mais recebe investimentos chineses no Nordeste
Os carros-chefe apontados por especialistas são, principalmente, a Ponte Salvador-Itaparica e a instalação da fábrica da Build Your Dreams (BYD), em Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador
*Reportagem realizada em parceria com as jornalistas Bruna Castelo Branco e Juana Castro
Mais de 16 mil quilômetros separam a Bahia de Pequim, capital da China. O estado, terra-mãe do Brasil, e o país asiático, têm, no entanto, estreitas relações há quase 20 anos, o que pode, na visão de entes políticos e representantes do governo baiano, trazer mudanças na mobilidade, graças a investimentos chineses em infraestrutura. E os carros-chefes apontados por especialistas são, principalmente, a Ponte Salvador-Itaparica e a instalação da fábrica da Build Your Dreams (BYD), em Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador.
Segundo levantamento publicado pelo Conselho Empresarial Brasil-China, entre 2007 e 2022 a Bahia foi a líder do Nordeste e quinto estado brasileiro que mais recebeu investimento dos chineses. Com 5,6% dos aportes, ficou atrás, apenas, de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Goiás.
Para o especialista em comércio internacional, logística e políticas para o desenvolvimento, Henrique Oliveira, as relações construídas pelos três governos petistas na Bahia contribuíram para reforçar, no estado, os interesses que a China já possui na América do Sul.
"Acredito, sim, que a Bahia seja um local estratégico. Se os principais objetos de investimento da China são eletricidade e petróleo, faz todo o sentido estar em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia. Aqui, também tem uma produção agrícola, de proteína animal e vegetal, sobretudo no oeste do estado, com a soja, que é um dos principais produtos de exportação. E, também, tem escoamento, com os portos. Escoa o minério que vem de Minas e outros produtos. O Nordeste, especialmente a Bahia, ainda é um estado com um grande potencial de crescimento", explica.
Na visão do pesquisador, graduado em Negócios Internacionais pela Unifacs e doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), a pressão sobre o governo Jerônimo (PT) pode fazer, inclusive, com que a Ponte Salvador-Itaparica seja edificada. “Acredito que exista uma ânsia de fechar e concretizar os investimentos que foram construídos desde o governo Wagner”, opina, em entrevista ao Aratu On.
[caption id="attachment_319547" align="alignnone" width="960"] Projeto da ponte Salvador-Itaparica | Imagem: GOVBA/Divulgação[/caption]
O Secretário de Desenvolvimento Econômico da Bahia (SDE), Angelo Almeida, opina que a eleição do presidente Lula (PT), foi fundamental para estreitar relações políticas, que, na visão dele, tinham se tornado mais distantes durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “Jerônimo atuou olhando olho no olho dos chineses e contando com o aval do presidente Lula. Importantíssimo frisar isso: a volta do presidente Lula abriu novas janelas oportunidades”, avalia.
Deputado estadual licenciado pelo PSB, Almeida, entretanto, não considera que perfis ideológicos mais orientados à esquerda tenham favorecido as relações institucionais, especialmente durante a pandemia. Ele atribui ao que classifica como “habilidade” do ex-governador Rui Costa (PT) em negociar, durante a crise sanitária, dadas às “hostilidades”, descreve ele, da gestão Bolsonaro.
“Tivemos, através dele, a oportunidade de superar essas adversidades e, aí, abre-se um novo tempo com a retomada, a volta do presidente Lula e a chegada do governador Jerônimo”, pondera.
Henrique Oliveira comenta ainda que, dentro da lógica de investimentos da China no Brasil, a chegada da BYD representa um novo momento. Inicialmente, os projetos eram fincados, principalmente, em atuações na produção de grãos e na área extrativista, e não em tecnologia. “É outro padrão de investimento chinês e foge à regra de investimentos em produtos primários, em grãos, e infraestrutura”, analisa.
“A ponte ainda é um investimento de infraestrutura. Eles não estão preocupados com a conexão com Itaparica, mas com a conexão com o Oeste, porque vai ligar à BR-242. Itaparica é um detalhe que está no meio do caminho. Então, é um novo padrão”, acrescenta.
APORTES DA CHINA
Por mais que a ponte e a BYD pareçam quase tangíveis, nenhum desses projetos está em funcionamento. Os valores previstos, porém, são bilionários.
Na ponte, o consórcio formado pelas estatais China Railway 20th Bureau Group Corporation (CRCC20) e China Communications ConstructionCompany (CCCC) aportará cerca de 80% dos R$ 9,5 bilhões previstos para a obra – o custo total estimado, inicialmente, era de R$ 7 bilhões. A previsão é de que a estrutura comece a funcionar em 2028.
Já a BYD, que funcionará na antiga fábrica da Ford, em Camaçari, deve investir R$ 3 bilhões para construir o parque industrial.
A pedra fundamental da fábrica da montadora foi lançada em outubro de 2023. A expectativa é que a produção de veículos elétricos tenha início até a metade de 2025, com capacidade estimada de 150 mil unidades por ano, na primeira fase de implantação. De acordo com o governo do estado, mais de cinco mil empregos diretos serão gerados pela BYD.
Tornar esses carros, elétricos e híbridos, acessíveis à população, já é outra história: o veículo mais barato da montadora deve custar cerca de R$ 115 mil. Em uma tentativa de mitigar essa questão, no dia 11 de julho, o governador Jerônimo anunciou que servidores públicos da Bahia interessados em adquirir carros da BYD terão condições especiais, com entrada a partir de 10% do valor do veículo e financiamento em até 72 meses.
Na ocasião, o gestor disse que um dos objetivos era movimentar a economia e promover o investimento em automóveis "verdes": "Essa parceria significa geração de mais emprego e renda para os baianos. Vamos aumentar a produção e, em paralelo, promover mais conforto para os servidores públicos e reduzir os danos ao meio ambiente, com a produção de veículos de energia limpa".
Com investimentos de cerca R$ 5,5 bilhões, a BYD vai instalar três unidades no Complexo Industrial Automobilístico de Camaçari, além de 16 concessionárias. Na primeira etapa, a fábrica será responsável por abastecer o mercado automotivo com três modelos, sendo eles o hatch Dolphin e o SUV Yuan Plus, além do híbrido Song Plus. A estimativa é de que a produção comece no final de 2024.
Para o resto da população, fica a isenção do IPVA para carros elétricos que custam até R$ 300 mil, medida anunciada em outubro de 2023.
POLÊMICA
A ponte é um dos principais gargalos da gestão do governador Jerônimo Rodrigues. Prometida desde a gestão do ex-governador Jaques Wagner (2007-2015), a estrutura não tem, até agora, nenhum pilar construído.
O contrato para construção do equipamento foi assinado em 2020, ainda durante o governo de Rui Costa (2016-2022), em uma Parceria Público Privada (PPP) com duração de 35 anos.
Na ocasião, a estimativa era que o projeto fosse concluído até o final de 2025. A pandemia, contudo, atrasou o cronograma de obras. A inflação nos preços dos insumos e equipamentos para as obras causou dúvidas se o projeto ainda era viável.
A situação passou a incomodar Jerônimo, que, sistematicamente, começou a sugerir a possível rescisão do contrato, com objetivo de licitar novamente o projeto. “Assim que tivermos as respostas, podemos definir o prazo. Se tiver algum empecilho que a gente perceba que vai demorar muito, podem ter certeza que tomarei a decisão de distratar e fazer um novo processo de licitação”, sentenciou o governador, em agosto do ano passado.
"Dentro dos prazos que eles acharam que podem fazer os estudos, apareceram algumas pendências. A pendência justamente de qualificar o custo da obra”, acrescentou o petista.
[caption id="attachment_320277" align="alignnone" width="1024"] Prometida desde a gestão do ex-governador Jaques Wagner (2007-2015), a ponte Salvador-Itaparica não tem, até então, nenhum pilar construído. | Imagem: GOVBA/Divulgação[/caption]
A possibilidade do distrato já foi reiterada por ele, inclusive em 2024. Caso isto ocorra, a obra seguirá o mesmo caminho de outro projeto estratégico de mobilidade: o VLT. A rescisão do contrato do modal sobre trilhos ocorreu, segundo o governo, como saída diante da urgência de solução para a continuidade da implantação do sistema de transporte. Também por conta da inviabilidade de reconhecer reequilíbrio econômico-financeiro, sem estudos complexos ou garantia de que o contrato manteria a sua capacidade de execução, ou seja, não foi comprovada a vantagem da proposta da empresa.
O antigo projeto do VLT do Subúrbio, relançado este ano com traçado diferente, tinha como protagonista o consórcio Metrogeen Skyrail, ligado à BYD – portanto, seria outro projeto de mobilidade ligado aos chineses.
CONTRAPONTOS
Para o coordenador do Observatório da Mobilidade Urbana de Salvador (ObMob), Daniel Caribé, a Ponte Salvador-Itaparica já começa com um “erro de concepção”, por se configurar como “um projeto rodoviarista”. Isso porque, enquanto se discute, no mundo, a transição energética e os modais de transportes, a ponte vai na contramão dessa mudança de pensamento.
“É um retrocesso, pois incentiva transportes individuais e mais poluentes”, inicia Caribé. “Seria algo moderno nas décadas de 1970 e 1980, mas, hoje, a gente pensa em transportar pessoas e mercadorias por outros meios, mais sustentáveis e com menor impacto”, completa.
Ele sinaliza, também, que os territórios de Salvador, Ilha de Itaparica, Baixo Sul e Recôncavo Baiano - colocados como beneficiados no projeto da ponte, do ponto de vista do desenvolvimento econômico - “sofrerão com impacto urbanístico pesado”.
“A Ilha, por exemplo, sofrerá com fluxo intenso de automóveis e veículos de carga, fazendo com que seja necessária a duplicação da via atual ou a criação de uma via expressa. Isso significa desapropriações, degradação do entorno e mais poluição, fora o aumento dos custos”, pontua Daniel Caribé.
Já em Salvador, ainda de acordo com o coordenador do ObMob, é preciso estudar como a ponte afetará a região do Centro Antigo da capital baiana. “A Feira de São Joaquim vai continuar existindo? O que implicaria não tê-la mais? Serão construídas alças e elevados na Cidade Baixa para receber o fluxo de automóveis?”, questiona, indicando que o ideal seria refazer os estudos de viabilidade da ponte.
Na verdade, para Caribé, seria melhor pensar em alternativas à ponte. A primeira opção seria a modernização do ferry-boat. “Há opções de embarcações mais modernas, que fariam o trajeto em até meia hora e com baixo custo orçamentário (em comparação à ponte), de até R$ 3 bilhões, no máximo”, fala.
Outra alternativa, ainda conforme o pesquisador, seria criar o que estão chamando de “Envolvente do Recôncavo”, uma pista contornando a Baía de Todos-os-Santos, junto com uma ponte de 600 metros no Rio Paraguaçu. “O investimento também seria muito menor e preservaria o potencial de navegabilidade da Baía, além do potencial de ampliar o Porto de Salvador”, conclui.
PROJETO EM CAMAÇARI
A BYD fechou acordo com governo da Bahia, após quase um ano de negociações entre os governos de Rui Costa (PT) e de Jerônimo. O atual governador oficializou a instalação da fábrica da montadora em julho de 2023, em evento com pompa no Farol da Barra, com executivos da empresa.
O polo baiano da BYD focará na fabricação de chassis de ônibus, caminhões elétricos e carros de passeio elétricos e híbrido.
Como garantia para alojamento da empresa na Bahia, o estado ofereceu garantias, como redução de 95% do valor do ICMS até 2032 e a isenção de IPVA de carros com valor de venda de até R$ 300 mil. A articulação foi decisiva para o fim do impasse entre BYD, Ford e governo da Bahia.
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