10 anos das Jornadas em Salvador: com direito à 'cena poética', Pablo Reis fala sobre impactos na sociedade e no jornalismo
Apresentador da TV Aratu lembra de momento em que manifestante entregou um buquê de flores aos policiais em meio a embates com bala de borracha e spray de pimenta
Na segunda reportagem da série especial sobre os 10 anos das Jornadas de Junho, o jornalista e apresentador Pablo Reis contou a Aratu On sobre a cobertura do movimento em Salvador e a experiência de vivenciar um evento histórico. Atualmente aos 45 anos de idade, o apresentador da TV Aratu recorda os acontecimentos de 2013, afirmando que, à época, com 35 anos, não tinha noção sobre o impacto que as Jornadas teriam na sociedade como um todo. “Era emocionante, era uma mistura de adrenalina com a possibilidade de estar no meio da história acontecendo”, lembra Pablo.
O movimento, que começou contra o aumento da passagem do transporte público em São Paulo, se espalhou pelas ruas do país e absorveu outras reivindicações e protestos, como o desejo da não realização da Copa do Mundo de Futebol e a insatisfação com a política. Os veículos jornalísticos ficaram com a responsabilidade de registrar os acontecimentos e trazer explicações para o grande público. Mas, como relata Pablo Reis, naquele momento, “as narrativas já não estavam mais totalmente no controle dos veículos de comunicação”.
Confira aqui o relato do jornalista sobre as Jornadas em Salvador:
Vídeo: Lucas Pereira| Edição: José Neto
“Consequências profundas”
“Naquela época não se tinha a dimensão de tudo que estava acontecendo e de tudo que viria como consequência depois das manifestações. Foram consequências profundas e importantes na sociedade brasileira, na política, na economia, na cultura, até no próprio esporte”, diz o jornalista.
Na posição de “observador privilegiado dos acontecimentos”, como se denomina Pablo, as imagens dos embates entre os manifestantes e as forças policiais estão presentes na memória do jornalista e registradas em filmagens realizadas por ele e por ativistas que participaram das marchas.
Para Pablo, essa vontade, especialmente dos mais jovens, em gravar os desdobramentos das manifestações foi uma força disruptiva que atingiu o jornalismo em cheio. O apresentador ressalta que esse ímpeto superou até mesmo os poucos recursos técnicos da época, precários se comparados com os celulares e a rede de dado atuais.
“Naquele momento, o que deu para perceber é que muito do jornalismo poderia estar sendo modificado, poderia estar vivendo naquele momento uma outra forma de fazer jornalismo. Porque não apenas jornalistas estavam fazendo os registros. Já não era mais prerrogativa de jornalista poder contar histórias em vida”, relata.
“Cena poética”
Um dos momentos mais marcantes, segundo o primeiro entrevistado da série, o ativista Onã Rudá, foi um protesto que aconteceu na região do Iguatemi, que reuniu milhares de manifestantes. Para além desse ato, outros aconteceram em vários locais de Salvador, especialmente nas regiões do centro da cidade, como Campo Grande, Barris e Dique do Tororó.
Como em um filme da vida real, o script dos atos eram os mesmos: manifestantes de um lado, com cartazes, bandeiras e vozes; e as forças policiais de segurança uniformizados e caracterizados com equipamentos de combate, com “cacetetes, capacetes reluzentes e a determinação de manter tudo em seu lugar”, como já dizia a música “Selvagem”, dos Paralamas do Sucesso.
Mesmo sendo lançada em 1986, a tal selvageria da canção se mantinha mais que atual nos dias juninos de 2013 e dialoga com a memória de Pablo do evento: “A reação popular, principalmente de jovens, de militantes, era uma reação grande e isso motivou vários confrontos, conflitos entre polícia, entre manifestantes. Alguns chegaram ao exagero de envolver bombas de efeito moral, alguns tiveram ferimentos, ferimentos até graves nessas manifestações”.
O jornalista rememora as acusações de excessos da polícia na repressão das manifestações. “Havia relatos de pessoas que diziam ter sido massacradas, encurraladas. Essas pessoas diziam que a ação da polícia foi covarde”, afirma.
Em um desses episódios de embate, ocorrido na região do Dique do Tororó, com manifestantes contra a realização da Copa das Confederações, em 2013, e do Mundial em 2014, aconteceu uma cena descrita por Pablo como “poética” e de desfecho imprevisível. Várias pessoas tentavam furar as barricadas policias, alegando o direito de ir e vir. As forças policiais já estavam preparadas para o controle através da força, quando um dos manifestantes sacou um buquê de flores e ofereceu aos policiais.
“Fora do controle do jornalismo”
Quanto aos impactos e reflexos das Jornadas de Junho em 2013, o apresentador da TV Aratu é muito direto em afirmar que, na sociedade, muita coisa já foi dita e analisada, entre os diversos espectros políticos. Porém, no que toca o jornalismo, ali começaram as mudanças sobre formatos e coberturas, que se consolidaram nos anos seguintes.
Para o entrevistado, foi naquele momento em que se percebeu a falta de capilaridade, de amplitude dos grandes veículos de comunicação, uma vez que vários atos aconteciam, muitos simultaneamente, em diversos cantos do território brasileiro. Nesse vácuo informativo, pessoas “comuns” viram a oportunidade de contar a história a partir de suas óticas e vivências.
“Eu acho que naquele momento ali, pelo menos para mim, começou a ficar claro que o jornalismo tradicional já não teria mais o controle completo do registro de fatos cotidianos.”
*Essa é a segunda reportagem da série de entrevistas de Aratu On sobre as Jornadas de Junho de 2013 em Salvador. Na primeira reportagem, o ativista Onã Rudá falou sobre a perpectiva da militância sobre as marchas de 2013. Na próxima reportagem da série, o pesquisador e autor de livro sobre as Jornadas Thiago Ferreira explica como a política e os movimentos sociais foram alterados pelo movimento.
Acompanhe nossas transmissões ao vivo no www.aratuon.com.br/aovivo. Siga a gente no Insta, Facebook e Twitter. Quer mandar uma denúncia ou sugestão de pauta, mande WhatsApp para (71) 99940 – 7440. Nos insira nos seus grupos!
O movimento, que começou contra o aumento da passagem do transporte público em São Paulo, se espalhou pelas ruas do país e absorveu outras reivindicações e protestos, como o desejo da não realização da Copa do Mundo de Futebol e a insatisfação com a política. Os veículos jornalísticos ficaram com a responsabilidade de registrar os acontecimentos e trazer explicações para o grande público. Mas, como relata Pablo Reis, naquele momento, “as narrativas já não estavam mais totalmente no controle dos veículos de comunicação”.
Confira aqui o relato do jornalista sobre as Jornadas em Salvador:
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Vídeo: Lucas Pereira| Edição: José Neto
“Consequências profundas”
“Naquela época não se tinha a dimensão de tudo que estava acontecendo e de tudo que viria como consequência depois das manifestações. Foram consequências profundas e importantes na sociedade brasileira, na política, na economia, na cultura, até no próprio esporte”, diz o jornalista.
Na posição de “observador privilegiado dos acontecimentos”, como se denomina Pablo, as imagens dos embates entre os manifestantes e as forças policiais estão presentes na memória do jornalista e registradas em filmagens realizadas por ele e por ativistas que participaram das marchas.
Para Pablo, essa vontade, especialmente dos mais jovens, em gravar os desdobramentos das manifestações foi uma força disruptiva que atingiu o jornalismo em cheio. O apresentador ressalta que esse ímpeto superou até mesmo os poucos recursos técnicos da época, precários se comparados com os celulares e a rede de dado atuais.
“Naquele momento, o que deu para perceber é que muito do jornalismo poderia estar sendo modificado, poderia estar vivendo naquele momento uma outra forma de fazer jornalismo. Porque não apenas jornalistas estavam fazendo os registros. Já não era mais prerrogativa de jornalista poder contar histórias em vida”, relata.
“Cena poética”
Um dos momentos mais marcantes, segundo o primeiro entrevistado da série, o ativista Onã Rudá, foi um protesto que aconteceu na região do Iguatemi, que reuniu milhares de manifestantes. Para além desse ato, outros aconteceram em vários locais de Salvador, especialmente nas regiões do centro da cidade, como Campo Grande, Barris e Dique do Tororó.
Como em um filme da vida real, o script dos atos eram os mesmos: manifestantes de um lado, com cartazes, bandeiras e vozes; e as forças policiais de segurança uniformizados e caracterizados com equipamentos de combate, com “cacetetes, capacetes reluzentes e a determinação de manter tudo em seu lugar”, como já dizia a música “Selvagem”, dos Paralamas do Sucesso.
Mesmo sendo lançada em 1986, a tal selvageria da canção se mantinha mais que atual nos dias juninos de 2013 e dialoga com a memória de Pablo do evento: “A reação popular, principalmente de jovens, de militantes, era uma reação grande e isso motivou vários confrontos, conflitos entre polícia, entre manifestantes. Alguns chegaram ao exagero de envolver bombas de efeito moral, alguns tiveram ferimentos, ferimentos até graves nessas manifestações”.
O jornalista rememora as acusações de excessos da polícia na repressão das manifestações. “Havia relatos de pessoas que diziam ter sido massacradas, encurraladas. Essas pessoas diziam que a ação da polícia foi covarde”, afirma.
Em um desses episódios de embate, ocorrido na região do Dique do Tororó, com manifestantes contra a realização da Copa das Confederações, em 2013, e do Mundial em 2014, aconteceu uma cena descrita por Pablo como “poética” e de desfecho imprevisível. Várias pessoas tentavam furar as barricadas policias, alegando o direito de ir e vir. As forças policiais já estavam preparadas para o controle através da força, quando um dos manifestantes sacou um buquê de flores e ofereceu aos policiais.
“Eu penso que foi uma reação muito feliz dele, como se dissesse ‘enquanto a gente está recebendo bala de borracha ou spray de pimenta, a gente está oferecendo flores para polícia’. Em um sinal de amistosidade, uma tentativa até de trégua naquele momento em que tinham jovens, adultos, alguns até idosos sofrendo com a reação do poder da polícia.”
“Fora do controle do jornalismo”
Quanto aos impactos e reflexos das Jornadas de Junho em 2013, o apresentador da TV Aratu é muito direto em afirmar que, na sociedade, muita coisa já foi dita e analisada, entre os diversos espectros políticos. Porém, no que toca o jornalismo, ali começaram as mudanças sobre formatos e coberturas, que se consolidaram nos anos seguintes.
“No jornalismo eu acho que o mais significativo foi justamente isso. Foi perceber que as narrativas já não estavam mais totalmente no controle dos veículos de comunicação. Por mais que os veículos quisessem dar conta do que estava acontecendo, eles não tinham a dimensão completa e nem nunca vão ter.”
Para o entrevistado, foi naquele momento em que se percebeu a falta de capilaridade, de amplitude dos grandes veículos de comunicação, uma vez que vários atos aconteciam, muitos simultaneamente, em diversos cantos do território brasileiro. Nesse vácuo informativo, pessoas “comuns” viram a oportunidade de contar a história a partir de suas óticas e vivências.
“Eu acho que naquele momento ali, pelo menos para mim, começou a ficar claro que o jornalismo tradicional já não teria mais o controle completo do registro de fatos cotidianos.”
*Essa é a segunda reportagem da série de entrevistas de Aratu On sobre as Jornadas de Junho de 2013 em Salvador. Na primeira reportagem, o ativista Onã Rudá falou sobre a perpectiva da militância sobre as marchas de 2013. Na próxima reportagem da série, o pesquisador e autor de livro sobre as Jornadas Thiago Ferreira explica como a política e os movimentos sociais foram alterados pelo movimento.
Acompanhe nossas transmissões ao vivo no www.aratuon.com.br/aovivo. Siga a gente no Insta, Facebook e Twitter. Quer mandar uma denúncia ou sugestão de pauta, mande WhatsApp para (71) 99940 – 7440. Nos insira nos seus grupos!