Maestro Ricardo Castro, do NEOJIBA, lidera primeira grande orquestra de Angola
Em entrevista ao Aratu On, Ricardo Castro conta como criou a Orquestra Cinquentenário, a primeira grande sinfônica de Angola, a convite da primeira-dama
Por Juana Castro.
Sob a regência de um baiano natural de Vitória da Conquista, 130 músicos e técnicos formam a primeira grande orquestra sinfônica de Angola, a Orquestra Cinquentenário. Trata-se do maestro Ricardo Castro, fundador do NEOJIBA - Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia.

Em entrevista ao Aratu On, ele revelou que o convite para a criação da orquestra veio diretamente da primeira-dama angolana, Ana Dias Lourenço, e falou como foi transformar um ideal histórico em realidade. “Ela acreditava que o país merece ter uma grande orquestra feita com e para a juventude”, recordou o maestro.
A estreia da Orquestra Cinquentenário aconteceu no último dia 7 de novembro, em Luanda, marcando oficialmente o início das comemorações pelos 50 anos de independência de Angola. Segundo Castro, foi algo “impossível de esquecer”.
Televisionado em rede nacional, o concerto apresentou obras de compositores angolanos e internacionais e recebeu forte repercussão. Quatro dias depois, o grupo executou o Hino Nacional de Angola na cerimônia oficial do Cinquentenário, marcando a primeira vez em que uma orquestra inteiramente angolana interpretou a peça. “É comovente ver a música sinfônica vibrar em Angola com tanta força e qualidade”, destacou.

Durante a entrevista, Ricardo Castro reafirmou uma de suas convicções: “Em Angola, a música sinfônica não é importação europeia. É conquista africana”. Para ele, a apropriação da linguagem orquestral pelos jovens angolanos demonstra que a música universal pode ser um instrumento de emancipação, orgulho e futuro. Assim, os músicos tratam o repertório sinfônico como uma linguagem própria.
Ele falou, ainda, se tem planos de intercâmbio, turnês ou cooperação entre o NEOJIBA e a Orquestra do Cinquentenário. “O que nasceu aqui é mais do que uma orquestra - é um símbolo de união, orgulho e futuro para a África”, afirmou.
Abaixo, confira a entrevista completa com Ricardo Castro:
Aratu On: Como surgiu o convite para liderar a criação da primeira grande orquestra sinfônica de Angola? Quais foram os primeiros passos para transformar o projeto em realidade?
Ricardo Castro: O convite partiu diretamente da Primeira-Dama da República de Angola, que desejava finalmente concretizar um objetivo histórico previsto no Plano de Desenvolvimento do País 2022–2027: a criação de uma orquestra sinfônica nacional. Houve várias tentativas anteriores, mas nenhuma havia avançado. A partir do momento em que cheguei a Luanda, em junho de 2024, comecei a mapear a realidade musical angolana, identificar talentos, avaliar as condições técnicas e humanas existentes e definir um plano de curto prazo para montar uma primeira formação capaz de tocar repertório sinfônico com qualidade.
Os primeiros passos foram muito concretos: formar equipes locais; criar uma estrutura pedagógica intensiva inspirada na metodologia do NEOJIBA; adquirir instrumentos sinfônicos e ferramentas de luteria inexistentes no país; montar setores de produção, gestão orquestral e luteria; e selecionar jovens músicos de todas as províncias. Em poucos meses, conseguimos transformar uma ideia ambiciosa em realidade. As atividades começaram em dezembro de 2024 com a primeira seleção de músicos; em janeiro, promovi um festival acadêmico para testar as capacidades; e, no final de março, o grupo que hoje aí está iniciou os ensaios diários.
Aratu On: Você afirmou que “em Angola, a música sinfônica não é importação europeia, é conquista africana”. O que isso representa na prática e como isso se reflete na Orquestra do Cinquentenário?
Ricardo Castro: Significa reconhecer que o acesso à música universal, incluindo o repertório sinfônico, é um direito cultural que emancipa. E significa também afirmar que os angolanos não estão imitando um modelo europeu; estão apropriando-se dele, transformando-o e colocando-o a serviço da sua própria identidade e do seu futuro.
Na prática, isso se traduz na participação ativa das lideranças locais, na energia, na vontade e na determinação dos jovens músicos. Eles não recebem a música sinfônica como algo estrangeiro: tratam-na como uma linguagem própria, aprendida com orgulho, disciplina e brilho. Fiz questão de que a Orquestra do Cinquentenário nascesse com esse espírito. Não apenas reproduzir partituras, mas criar um espaço onde a técnica orquestral se encontra com as tradições angolanas, com a sensibilidade local e com a celebração das capacidades de uma juventude que, durante muito tempo, ninguém acreditou que pudesse atuar nesse nível.
Aratu On: O que mais te surpreendeu nesse intercâmbio entre Brasil, Angola e Europa?
Ricardo Castro: A velocidade da transformação. Eu sei o que um bom programa de formação pode fazer, mas o que aconteceu em Angola foi impressionante. Jovens que nunca tinham visto uma trompa, um fagote ou um tímpano passaram a tocar repertório de referência em alguns meses.
E houve também o impacto humano: famílias acompanhando os processos; projetos e pessoas de Angola e do exterior querendo participar; um sentimento de orgulho coletivo que raramente aparece tão cedo num projeto cultural. A troca entre professores brasileiros, europeus e músicos angolanos criou uma energia de aprendizagem extraordinária. Neste quesito, a escolha da equipe pedagógica foi fundamental.
Aratu On: Como foi pensada a escolha de repertório para simbolizar os 50 anos de independência? E como foi a estreia no dia 7?
Ricardo Castro: O repertório nasceu com três ideias: mostrar Angola para o mundo, com obras sinfônicas universais; mostrar Angola para si mesma, com arranjos sinfônicos de temas nacionais; e celebrar o futuro, com música que aponta para onde o país pode chegar.
A estreia foi algo que eu nunca vou esquecer. Havia uma emoção no palco e na plateia impossível de descrever. Para os jovens, era a primeira vez tocando numa formação sinfônica completa, num palco daquela dimensão. E o país testemunhou o nascimento da sua primeira grande orquestra sinfônica. Ficou evidente que Angola tem talento e força para chegar muito longe e conquistar seu espaço no mundo orquestral.
Aratu On: Há planos de intercâmbio, turnês ou cooperação entre o NEOJIBA e a Orquestra do Cinquentenário?
Ricardo Castro: Sim, desde o início. O projeto já nasceu como uma ponte entre Angola, Brasil e Europa. O NEOJIBA tem 18 anos de experiência em formação orquestral e em gestão de programas sociais por meio da música, e essa experiência está sendo compartilhada em Angola.
Já iniciamos intercâmbios, residências artísticas e viagens de estudo. Semana que vem receberemos pela segunda vez um jovem maestro para formação no NEOJIBA. No futuro, por que não, turnês internacionais? O mais importante é deixar capacidade instalada, formar quadros locais e preparar o caminho para a futura Orquestra Nacional de Angola, com padrões internacionais e conectada ao mundo.

Sobre Ricardo Castro
O maestro, pianista e educador Ricardo Castro é fundador e diretor-geral do NEOJIBA, programa público que, em 18 anos, já transformou as vidas de mais de 42 mil crianças e jovens por meio da música. Este ano, inclusive, representou a Bahia no 7 de setembro em Brasília.
Professor e chefe do Departamento de Teclados da Haute École de Musique de Genève (Suíça), Castro é o único brasileiro membro honorário da Royal Philharmonic Society de Londres. Seu trabalho à frente do NEOJIBA e agora em Angola é reconhecido como um dos mais consistentes esforços contemporâneos pela democratização da música de concerto.
Mais informações: www.ricardocastro.com
Sobre o NEOJIBA
Fundado há 16 anos pelo pianista, educador e regente Ricardo Castro, os Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia é capaz, para o maestro e idealizador do projeto, de "transcender barreiras sociais e educacionais".
De 2007 até então, mais de 12 mil crianças, adolescentes e jovens de todo o estado foram beneficiados pelo programa, que em 2023 foi reconhecido pela TV Aratu no prêmio "O Bem Transforma", premiação que homenageia pessoas e instituições que contribuem para construção de uma Bahia melhor. Atualmente, o NEOJIBA, vinculado à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Governo do Estado, tem 13 núcleos e atende 2.324 integrantes diretos e 6 mil indiretos em ações de apoio a iniciativas musicais.
Mais informações: neojiba.org
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