Kate Winslet estreia na direção com filme de Natal sobre luto
Atriz renomada, Kate Winslet estreia na direção com filme "Adeus, June", da Netflix
Por Da redação.
Fonte: Enoe Lopes Pontes, colunista do Aratu On
"Adeus, June" é a nova produção natalina da Netflix e marca a estreia de Kate Winslet na direção. A produção é roteirizada por Joe Anders, filho da estrela. No elenco, nomes conhecidos em Hollywood dão vida às personagens da trama. Além da própria Winslet, Helen Mirren (A Rainha) vive a matriarca da família, June, que está com câncer terminal. Timothy Spall (Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban), Andrea Riseborough (Matilda: O Musical) e Toni Collette (As Horas) também compõem o time de intérpretes do longa-metragem.

Estreante na posição de cineasta, Kate revelou à colunista Enoe Lopes Pontes, do Aratu On, que seu maior desafio como diretora foi trazer diferentes tipos de imagens para o mesmo ambiente, já que a maioria das sequências se passa em um hospital. De acordo com a artista, ela utilizou os Legos de seu filho caçula para mostrar toda a sua visão imagética ao diretor de fotografia Alwin Küchler (O Mauritano). Segundo ela, os brinquedos ajudaram a traduzir o que estava em sua mente e a alinhar seu processo com Alwin.
“Eu dizia: precisamos manter a calma. Precisamos ver e sentir toda a tensão entre essa família”, explica Winslet. Sobre a experiência de luto retratada em Adeus, June, Kate conta que o filme não é uma adaptação do que ela e Joe passaram em 2007, quando sua mãe faleceu de câncer. Winslet reforça que o roteiro foi mais uma inspiração para Joe e um impulso para que ela tomasse a cadeira da direção dentro do projeto. Para ela, ao ocupar o cargo, Anders teria mais chance de acompanhar cada etapa de produção do longa que escreveu.
A crítica de cinema Camila Henriques observa a aparição do tema luto como forte e recorrente no cinema. Em 2025, Henriques destaca como Hamnet, de Chloé Zhao, e Frankenstein, de Guillermo del Toro, assim como Adeus, June, retratam a morte e a perda, mas de formas plurais e totalmente distintas umas das outras. “Tem muito disso, às vezes um artista pega uma obra ali consolidada e traz para ser algum tipo de cura, ou de band-aid, em alguma dor que ele tenha”.
Henriques defende que enxerga essa ação como uma estratégia, como se, ao trazer o assunto em voga, fosse uma forma de lidar com a ausência de um ente querido que partiu. A crítica ainda exemplifica como Del Toro colocou em cena tudo o que gostaria de ter dito ao seu pai, porém não conseguiu fazer com ele em vida. O audiovisual seria um desses lugares, de acordo com ela, de expressar sentimentos reprimidos na “vida real”. Para a psicóloga Juliana Silva, este é um caminho não apenas para realizadores.
Apesar de Juliana acreditar que este é um tópico sensível e desafiador, ela também pensa que esta é uma vivência universal. Ainda assim, a terapeuta argumenta que existe um grande tabu em torno do luto e da discussão sobre o tema. Dessa forma, a especialista aponta que o contato com produtos midiáticos cinematográficos pode ser uma saída interessante, quando há cuidado e profundidade na construção textual e imagética.
“Do ponto de vista psicológico, os filmes podem ajudar as pessoas a reconhecerem suas próprias dores, a nomearem sentimentos que às vezes parecem confusos ou proibidos”, declara. Juliana também reflete que a perda de alguém próximo e/ou amado não é algo linear e igual para todos e que a representação na tela desse momento tão complexo pode ser uma maneira de criar validação e estabelecer acolhimento em quem passou por algo semelhante.

Confira abaixo a entrevista completa com Kate Winslet
Enoe Lopes Pontes (ELP) – Você é uma artista tão complexa e cheia de camadas que eu tinha certeza de que você iria dirigir em algum momento e…
Kate Winslet – Meu Deus, eu estou feliz que você já sabia, porque eu não sabia. (risos)
ELP – Sim. [Risos] Gostaria de saber como foi o processo de construção da atmosfera do filme, na qual temos melancolia e perda, mas também a alegria típica que podemos ter dentro de uma família. Como foi fazer toda essa estética complexa que você traz para o seu trabalho com Alwin (Küchler) na decupagem?
KW – Sim. Então, Alwin e eu já trabalhamos juntos várias vezes, comigo sendo atriz. Trabalhei com ele pela primeira vez em Divergente, depois em Steve Jobs e também em O Regime, que foi um trabalho muito longo. Foram seis meses de intensa convivência. Aliás, em Adeus, June, usamos grande parte da equipe de câmera de O Regime, porque eles eram simplesmente maravilhosos. E nos tornamos muito próximos, grandes amigos, e nos apoiávamos muito. E eu sabia que queria que o ambiente no set fosse realmente feliz, saudável, profissional e colaborativo. E conseguimos tudo isso.
Alwin e eu passamos muito tempo juntos, nós dois, discutindo cada detalhe do filme. E, às vezes, sabe, ele é um fotógrafo muito, muito visual. Ele precisa ver algo para entender como vai funcionar. E eu percebi isso bem cedo. Então, quando eu tentava descrever para ele, seja a cena da ambulância entrando no hospital no começo, ou principalmente a cena final, com aquele longo e lento afastamento da cama da June e a enfermeira Angel aparecendo ali, a única maneira que encontrei para explicar o que eu queria dizer foi usando bonecos de Lego.
ELP – Nossa!
KW – Então eu pensei: “Espera aí”. E fui até a caixa de Lego do meu filho e peguei figuras suficientes para representar todos os personagens. Colei nomes nas costas de cada uma, como se a enfermeira Angel estivesse ali, Connor, Julia, Molly. Colei uma etiquetazinha com o nome de cada uma, para que pudéssemos saber exatamente onde cada pessoa deveria estar. E fiz o mesmo com o jantar de Natal no final. Tudo aquilo foi planejado para o Alwin usando Lego. Juro por Deus [risos].
ELP – Sim, eu acredito [Risos]
KW – Eu quase quero te mostrar uma foto, porque você não acreditaria [mexendo no celular]. Eu preciso te mostrar. Na verdade, preciso mesmo mostrar uma foto, porque é muito engraçado. Então, acabou virando uma coisa genial. E, no final das filmagens, eu dei a ele de presente todas as figuras de Lego que eu tinha dado a ele, porque sempre que havia um problema no set, ele dizia: “Espera aí. Como isso desceria pelo corredor?”. E eu respondia: “Só um segundo, pega as figuras de Lego”. E a gente colocava todas no cantinho dele. E eu dizia: “Alwin, lembra das posições? Vamos repassar tudo de novo”, e a gente conversava sobre tudo de novo.
ELP – Entendi.
KW – Mas eu preciso te mostrar, porque você tem que acreditar, é pura loucura eu tirar essas figuras da caixa. Eu preciso te mostrar. Espera aí, vou te mostrar agora. Deixa eu te mostrar esse aqui. [Mostra o celular] ntão, isso é… espera, se eu voltar, você consegue ver? Então, esse é o hospital de June.
ELP – Sim, estou vendo!
KW – Você vê… os dedos em volta da cama. E então fizemos exatamente a mesma coisa com a disposição dos assentos ao redor da mesa no final. [Guarda o celular] Fizemos exatamente a mesma coisa. Então, para as cenas maiores, foi isso que fizemos. E então, quando se tratava da narrativa em si, Alwin estava realmente nervoso sobre como iríamos filmar tudo em um quarto de hospital e um corredor. As perguntas eram: como faríamos tudo parecer diferente? O que deveríamos tentar? Deveríamos tentar alguns ângulos e rotacionar isso?
ELP – E você?
KW – Eu pensava: “Não, não, não”. Eu dizia: “Precisamos manter a calma. Precisamos lembrar que, para ver e sentir toda a tensão entre essa família, temos que ficar bem distantes, bem distantes, bem distantes”. Então, foi um pouco tenso para mim, porque ele perguntava: “Mas e a cobertura dessa imagem?”. E eu respondia: “Precisamos mostrar os espaços entre eles. Precisamos entender a distância emocional. E, se você não a vê, como pode criá-la?”. Entende?
ELP – Sim, sim.
KW – Então, foi bem difícil para mim, como diretora estreante, ter tanta coragem para fazer isso. Mas, quando você vê a Molly e a Julia sentadas a essa distância uma da outra na sala de espera e então a Molly vira as costas, você não consegue perceber isso se estiver muito perto o tempo todo. Você não consegue sentir que o Connor está perto da janela e se distanciou.
ELP – Entendi.
KW – Tivemos a coragem de nos mantermos afastados para que pudéssemos estabelecer literalmente o espaço, o tempo, a tensão entre todos eles, até que Connor lesse aquele poema para June. E então entramos direto na perspectiva de June. E é aí que a história começa a mudar e somos levados para o mundo de June, e realmente vemos em seus olhos o que ela está percebendo que vai perder ao deixar este mundo maravilhoso.
ELP – Sim.
KW – Então, vamos nos aproximando da família com closes, com maior cobertura, à medida que o público se aproxima deles e eles começam a se entender melhor e nós nos envolvemos mais nas complexidades da dinâmica familiar. É só então que as coisas começam a se sobrepor, com planos mais fechados e um pouco mais de câmera na mão. Essas foram escolhas muito específicas que eu queria fazer.
ELP – Alguma inspiração mais específica dentro disso?
KW – Sendo uma grande admiradora de Mike Leigh a vida toda - eu não o conheço, nunca o encontrei -, a maneira como ele conta histórias com tanto comprometimento e foco nos atores, deixando que eles revelem o espaço, revelem a cena, é muito importante para mim.
ELP – Sim.
KW – Algumas das melhores orientações que já recebi foram quando um diretor me disse: “Mostre-me. O que você acha?”. E me apegar a isso foi a coisa mais importante quando se tratava de como apoiar os atores. E também aprendi, ouso dizer, o que não dizer a um ator. Então, mantive todas essas coisas bem longe.
Assista ao trailer de "Adeus, June", dirigido por Kate Winslet:
Em entrevista anterior, Kate Winslet falou sobre o filme 'Lee'
A colunista Enoe Lopes Pontes, do Aratu, já havia entrevistado Kate Winslet. Em dezembro de 2024, elas conversaram sobre o filme "Lee", protagonizado pela atriz.
Fotógrafa e modelo, Lee Miller foi uma das poucas mulheres a cobrir a Segunda Guerra Mundial e conseguir imagens impactantes e únicas sobre este momento da história da humanidade, a exemplo da foto clássica de Lee dentro da banheira de Hitler. Dar a vida uma figura como ela foi uma experiência ampla e profunda, de acordo com Winslet, que se dedicou a cada detalhe da produção.
"Existiam alguns detalhes novos inseridos na câmera que apenas eu sabia como mexer, como, por exemplo, mudar o filme", disse, na ocasião.
Em tempo: outras entrevistas sobre cinema
Além de Winlset, Enoe também entrevistou, este ano, a atriz Cinthia Erivo, de Wicked, e os brasileiros Wagner Moura e Kléber Mendonça Filho, ator e diretor de "O Agente Secreto", respectivamente. O longa é o escolhido para representar o Brasil no Oscar 2026.
Em breve, irá ao ar uma entrevista da colunista com Natalie Portman e Ugo Bievenue, que colaboraram no filme de animação francês "Arco". Natalie é dubladora e produtora, enquanto Ugo é o diretor e roteirista.
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